Meditação: Ajahn Chah

~ Ven. Ajahn Chah ~

[1] Buscadores da bondade aqui reunidos, por favor, ouçam em paz. Ouvir o Dhamma em paz significa ouvir com a mente unidirecionada, prestando atenção ao que vocês ouvem e, então, abandonando. Ouvir o Dhamma traz grande benefício. Enquanto fazemos isso, somos encorajados a manter corpo e mente firmemente em samādhi, porque é uma forma de praticá-lo. No tempo do Buddha as pessoas ouviam os discursos sobre o Dhamma atentamente, com a mente aspirando a compreensão verdadeira – e algumas realmente entendiam o Dhamma enquanto ouviam.

Este lugar é bem adequado à prática de meditação. Depois de ter passado algumas noites aqui, percebo que é um lugar importante. Do lado externo já é tranquilo; o que sobra é o nível interno, o coração e a mente de vocês. Assim, peço a todos que façam esforço para prestar atenção.

Por que vocês estão aqui reunidos para a prática da meditação? É porque seus corações e mentes não entendem o que deve ser entendido. Em outras palavras, vocês realmente não sabem como são as coisas, ou o que é o quê. Vocês não sabem o que é errado e o que é certo, o que é que traz sofrimento e causa dúvida. Então, primeiro, vocês devem se acalmar. A razão que trouxe vocês aqui para desenvolver a calma e a moderação, é que os vossos corações e mentes não estão à vontade. Suas mentes não estão calmas, não estão contidas. Elas estão seduzidas pela dúvida e pela agitação. É por isso que vocês vieram aqui hoje e agora estão ouvindo sobre o Dhamma.

Gostaria que se concentrasse e ouvisse atentamente o que eu digo, e peço permissão para falar francamente, porque é assim que eu sou. Por favor, entenda que mesmo que eu fale de uma maneira forte, estou fazendo isso de boa vontade. Peço perdão se houver alguma coisa que eu diga que o perturbe, porque os costumes da Tailândia e os do Ocidente não são os mesmos. Na verdade, falar um pouco forte pode ser bom, pois ajuda a agitar pessoas que de outro modo estariam sonolentas ou moles, e ao invés de se animar para ouvir o Dhamma deixam-se ir à deriva em complacência, e como resultado nunca entendem nada.

Embora possa parecer que haja muitas formas de praticar, na verdade só existe uma. Da mesma forma que com as árvores frutíferas é possível obter frutas rapidamente plantando com um galho cortado, mas a árvore não será resiliente ou terá vida longa. Outra forma de cultivar a árvore é a partir da semente, a qual produz uma árvore forte e resiliente. Com a prática é a mesma coisa.

Quando comecei a praticar, eu tinha problemas para entender isto. Enquanto eu não sabia o que era o quê, sentar para meditar era uma tarefa verdadeiramente difícil, chegando mesmo a me levar às lágrimas em uma ocasião. Algumas vezes eu mirava muito alto, em outras não alto suficiente, nunca encontrando o ponto de equilíbrio. Praticar de forma pacífica significa colocar a mente nem tão alto nem tão baixo, mas num ponto de equilíbrio

Eu vejo que é muito confuso para vocês, que estão vindo de diferentes lugares e praticaram em diferentes caminhos com diferentes professores. Ao vir praticar aqui, vocês devem estar atormentados com todo tipo de dúvida. Um professor diz que vocês devem praticar de um jeito, outro diz que vocês devem praticar de outro jeito. Vocês se perguntam qual método usar, incertos da essência da prática. O resultado é confusão. Há tantos professores e tantos ensinamentos que ninguém sabe como harmonizar a usa prática. Como resultado, há muita dúvida e incerteza.

Portanto, você deve tentar não pensar demais. Se você pensar, então faça-o com consciência. Mas até agora o seu pensar foi realizado sem consciência. Primeiro você deve acalmar a sua mente. Onde há sabedoria não há necessidade de pensar, a consciência surgirá em seu lugar, e esta por sua vez, torna-se sabedoria (paññā). Mas o tipo comum de pensar não é sabedoria, é simplesmente um vaguear sem rumo e inconsciente da mente, o que inevitavelmente resulta em agitação. Isto não é sabedoria.

Neste estágio você não precisa pensar. Você já pensou bastante em casa, não é mesmo? Isso só atiça o coração. Você deve estabelecer alguma consciência. Pensamentos obsessivos podem até mesmo trazer-lhe lágrimas, apenas experiencie. Perder-se em alguma linha de pensamento não vai levar você para a verdade, não é sabedoria. O Buddha era uma pessoa muito sábia, ele tinha aprendido como parar de pensar. Da mesma forma, você está praticando aqui a fim de parar de pensar e, assim, chegar à paz. Se você já está calmo, não é necessário pensar, a sabedoria surgirá em seu lugar.

Para meditar você não tem que pensar muito mais além de resolver que agora é o momento para treinar a mente e nada mais. Não deixe que a mente dispare para a esquerda ou para a direita, para frente ou para trás, acima ou abaixo. Nosso único dever agora é praticar a vigilância em relação à respiração. Fixe o seu foco na cabeça e mova-o para baixo através do corpo para as pontas dos pés, e, em seguida, volte para o topo da cabeça. Passe a sua consciência através do corpo, observando com sabedoria. Fazemos isso para ganhar uma compreensão inicial da forma como o corpo é. Em seguida, comece a meditação, lembrando que neste momento o seu único dever é observar as inspirações e expirações. Não force a respiração para que seja mais longa ou mais curta do que o normal, apenas permita que ela continue com facilidade. Não coloque qualquer pressão sobre a respiração, ao contrário deixe-a fluir uniformemente, abandonando com cada inspiração e expiração.

Vocês devem entender que estão deixando passar à medida que fazem isso, mas ainda deve haver conscientização. Vocês devem manter essa conscientização, permitindo que a respiração entre e saia confortavelmente. Não há necessidade de forçar a respiração, apenas deixem que ela flua fácil e naturalmente. Mantenham a decisão de que nesse momento vocês não têm outras tarefas ou responsabilidades. Pensamentos sobre o que irá acontecer, o que vocês irão ver ou conhecer durante a meditação podem surgir de tempos em tempos, mas uma vez que surjam deixem que cessem por si mesmos, não fiquem muito preocupados com eles.

Durante a meditação, não há necessidade de prestar atenção às impressões sensoriais. Sempre que a mente for afetada pelo impacto dos sentidos, sempre que houver um sentimento ou sensação na mente, apenas deixem-nos passar. Não importa se essas sensações são boas ou ruins. Não é necessário fazer qualquer coisa a respeito dessas sensações, apenas deixe-as passar e volte sua atenção para a respiração. Mantenha a vigilância da respiração que entra e sai. Não se importe com a respiração por ser muito longa ou muito curta, simplesmente observe-a, sem tentar controlá-la ou suprimi-la de maneira alguma. Em outras palavras, não se apegue a ela. Permita que a respiração continue como está, e a mente se acalmará. Ao fazer isso, a mente se aquieta gradualmente e então descansa; a respiração se torna cada vez mais leve até que se torna tão fraca, que parece não existir. O corpo e a mente se sentirão leves e energizados. Tudo o que restará será um saber unidirecionado. Pode-se dizer, então, que a mente mudou e chegou a um estado de calma.

Se a mente está agitada, crie consciência e inspire profundamente até que não haja mais espaço para armazenar qualquer ar, em seguida, solte completamente até nada restar. Siga com outra inspiração profunda até que esteja cheio, em seguida, solte o ar novamente. Faça isso duas ou três vezes, em seguida, restabeleça a concentração. A mente deverá se acalmar. Se mais impressões sensoriais causarem agitação na mente, repita o processo em todas as ocasiões. O mesmo ocorre com a meditação andando. Se durante a caminhada a mente tornar-se agitada, pare um pouco, acalme a mente, restabeleça a consciência com o objeto de meditação e, em seguida, continue caminhando. Meditação sentada e andando são, em essência, a mesma, diferindo apenas em termos de postura física utilizada.

Algumas vezes pode haver dúvida, então vocês devem ter sati, para serem aqueles que têm o conhecimento, acompanhando e examinando continuamente a mente agitada, seja qual for a forma que ela toma. Isso é ter sati.  Sati vigia e cuida da mente. Vocês devem manter este conhecimento e não serem descuidados ou vagarem sem rumo, não importa qual condição a mente assuma.

O truque é ter sati controlando e supervisionando a mente. Assim que a mente é unificada com sati um novo tipo de conscientização vai emergir. A mente que desenvolveu a calma é verificada continuamente por aquela calma, assim como uma galinha presa em um galinheiro… a galinha é incapaz de circular do lado de fora, mas ainda pode se movimentar dentro do galinheiro. Seu andar para lá e para cá não a coloca em apuros, porque é limitada pelo galinheiro. Da mesma forma a conscientização que acontece quando a mente tem sati e está calma não causa problemas. Nenhum dos pensamentos ou sensações que acontecem dentro da mente calma causa dano ou perturbação.

Algumas pessoas não querem experienciar quaisquer pensamentos ou sentimentos de modo algum, mas isso é um exagero. Sentimentos surgem no interior do estado de calma. A mente experiencia sentimentos e calma ao mesmo tempo, sem ser perturbada. Quando há calma como essa, não há consequências prejudiciais. O problema acontece quando a “galinha” fica fora do “galinheiro”. Por exemplo, você pode observar a respiração entrar e sair, para em seguida esquecer de si mesmo permitindo que a mente vagueie para longe da respiração, voltando para casa, saindo para as compras ou para inúmeros lugares diferentes. Talvez até meia hora se passe antes que você de repente perceba que deveria estar praticando meditação, e repreenda a si mesmo pela falta de sati. Esse é o ponto em que você tem que ter muito cuidado, porque esse é o lugar onde a “galinha” fica fora do “galinheiro” – a mente deixa sua base de calma.

Vocês devem tomar cuidado para manter a atenção com sati e tentar puxar a mente de volta. Apesar de usar as palavras “puxar a mente de volta”, na realidade a mente não vai realmente a lugar nenhum, apenas o objeto da atenção mudou. Vocês devem fazer a mente ficar aqui e agora. Enquanto houver sati haverá a presença da mente. Parece que vocês estão puxando a mente de volta, mas na realidade ela não foi a lugar nenhum, ela apenas mudou um pouco. Parece que a mente foi pra lá e pra cá, mas na verdade a mudança acontece exatamente no mesmo lugar. Quando sati é recuperada, em um flash você está de volta com a mente sem ter de buscá-la de qualquer lugar.

Quando o conhecimento é total, há uma consciência contínua e ininterrupta em cada momento. Isso é chamado de presença da mente. Se sua atenção deriva da respiração para outros lugares, então o conhecimento é descontinuado. Sempre que houver a consciência da respiração, a mente está lá. Apenas com a respiração e essa consciência igual e contínua você tem presença da mente.

Tem de haver tanto sati como sampajañña. Sati é relembrar e sampajañña é auto-conscientização. Neste preciso momento vocês estão claramente conscientes da respiração. Este exercício de observar a respiração ajuda no desenvolvimento conjunto de sati e de sampajañña. Eles partilham o trabalho. Ter tanto sati como sampajañña é como pedir a dois trabalhadores para levantarem uma tábua de madeira. Imaginem que há duas pessoas que tentam levantar tábuas pesadas, mas o peso é tal que elas têm de se esforçar tanto que é quase insuportável. Depois, outra pessoa, cheia de boa vontade, as vê e se apressa em ajudá-las. Da mesma maneira, quando há sati e sampajañña, há paññā (sabedoria) que surge no mesmo lugar para ajudar. Então os três juntos apoiar-se-ão mutuamente.

Com paññā haverá um entendimento dos objetos sensoriais. Por exemplo, durante a meditação objetos sensoriais são experienciados e dão origem a sentimentos e humores. Você pode começar a pensar em um amigo, mas então paññā deve imediatamente registrar que “não importa”, “pare” ou “esqueça isso”. Ou se há pensamentos sobre aonde você vai amanhã, então a resposta seria “não, eu não quero estar envolvido”, “deixe para lá” ou “tudo é incerto e nunca é confiável”. É assim que você deveria lidar com essas coisas na meditação, reconhecendo-as como “incertas” e mantendo esse tipo de consciência.

Você deve abandonar todo pensamento, diálogo interior e dúvida. Não se deixe capturar por estas coisas durante a meditação. No fim, tudo que restará na mente na sua mais pura forma é sati, sampajañña e paññā. Sempre que esses fatores enfraquecem, as dúvidas irão surgir, mas tente abandonar tais dúvidas imediatamente, deixando só sati, sampajañña e paññā. Tente desenvolver sati desta forma até que possa ser mantida todo o tempo. Então você entenderá sati, sampajañña e samādhi completamente.

Focando a atenção neste ponto, vocês verão sati, sampajañña, samādhi e paññā juntos. Se vocês são atraídos e repelidos por objetos externos dos sentidos, vocês serão capazes de dizer pra vocês mesmos: “Não é certeza!” De qualquer maneira, eles são apenas obstáculos a serem eliminados até a mente estar limpa. Tudo o que deve permanecer é sati, recordação, sampajañña, clara consciência; samādhi, a mente firme e resoluta; e paññā, ou a perfeita sabedoria. Por enquanto, eu vou dizer apenas isso sobre o tema da meditação.

Agora, sobre as ferramentas ou ajudas à prática da meditação – deve existir mettā (boa vontade) em seus corações, ou melhor, a qualidade da generosidade, da bondade e da habilidade em ajudar. Essas precisam ser mantidas como a fundação para a pureza mental. Por exemplo, livrar-se de lobha, ou egoísmo, através da doação. Quando as pessoas são egoístas, elas não são felizes. O egoísmo leva a um senso de descontentamento e, mesmo assim, as pessoas costumam ser bastante egoístas sem perceberem como isso as afeta.

Você pode experienciar isso em qualquer momento, especialmente quando está com fome. Suponhamos que você tenha algumas maçãs e as quer partilhar com um amigo; você pensa um pouco e, claro, a intenção de dar já está presente, mas você quer dar a ele a menor. Para dar a maior, será como, bem… um desperdício. É difícil pensar de maneira firme. Você lhe diz que vá e pegue uma maçã, mas depois você diz “Pegue esta aqui!”… e dá-lhe a menor maçã. Essa é uma forma de egoísmo que as pessoas usualmente não reparam. Será que você já agiu assim?

Você realmente tem de ir contra a corrente para doar. Mesmo que você queira apenas doar a maçã menor, você deve se forçar a doar a maior. Claro, depois de tê-la doado a seu amigo você se sente bem internamente. Treinando a mente dessa forma para ir contra a corrente requer autodisciplina – você precisa saber como doar e como desistir, sem permitir que o egoísmo se manifeste. Uma vez que você aprenda como doar, se ainda estiver hesitando em relação a qual fruta doar, enquanto estiver deliberando você terá problema, e mesmo que abra mão da maior, ainda restará uma sensação de relutância. Mas tão logo você, firmemente, decida doar a maior, o assunto estará acabado e superado. Isso é ir contra a corrente de forma correta.

Fazendo isso vocês ganham domínio sobre vocês mesmos. Se não conseguirem fazer isso vocês serão vítimas de vocês mesmos e continuarão a ser egoístas. Todos nós fomos egoístas no passado. Essa é uma contaminação que precisa ser cortada. Nas escrituras pāli, o dar é chamado de “dāna”, o que significa trazer felicidade aos outros. É uma daquelas condições que ajudam a limpar a mente das impurezas. Reflitam sobre isso e desenvolvam-na em sua prática.

Você pode pensar que praticar assim envolve perseguir a si mesmo, mas não é realmente assim. Na verdade, isto quer dizer perseguir o desejo e as impurezas. Se impurezas surgem dentro de você, você tem que lidar com isso de algum modo. Impurezas são como um gato de rua. Se você der comida tanto quanto ele quiser ele vai se chegando em busca de mais comida, mas se você parar de alimentá-lo, depois de alguns dias ele vai parar de aparecer. É a mesma coisa com as impurezas, elas não virão lhe perturbar, elas vão deixar sua mente em paz. Então ao invés de ter medo das impurezas, faça com que elas tenham medo de você. Para fazer com que as impurezas tenham medo de você, você têm que ver o Dhamma dentro de sua mente.

Onde é que o Dhamma surge? Ele surge com o nosso conhecimento e compreensão deste modo. Qualquer pessoa é capaz de conhecer e compreender o Dhamma. Não é algo que tenha de ser encontrado em livros, você não tem que fazer muitos estudos para ver isso, basta refletir agora e você pode ver do que estou falando. Todas as pessoas podem vê-lo porque ele existe dentro dos nossos corações. Todas as pessoas têm impurezas, não é? Se você é capaz de vê-las, então você pode entender. No passado, você cuidou e mimou as suas impurezas, mas agora você deve conhecer as suas impurezas e não permitir que elas venham e o incomodem.

O próximo constituinte da prática é restrição moral (sīla). Sīla vigia e cuida da prática do mesmo modo que os pais educam seus filhos. Manter a restrição moral não significa apenas evitar ferir os outros, mas também ajudá-los e encorajá-los. No mínimo, vocês devem manter os cinco preceitos, que são:

[1] Não matar ou machucar deliberadamente os outros, mas espalhar a boa vontade a todos os seres.

[2] Ser honesto, abstendo-se de infringir os direitos dos outros; em outras palavras, não roubar.

[3] Conhecer a moderação nas relações sexuais: Na vida familiar existe a estrutura familiar, fundamentada em torno de marido e mulher. Conheça quem seu marido ou esposa é, conheça a moderação, conheça os limites apropriados da atividade sexual. Algumas pessoas não sabem os limites. Um marido ou esposa não é suficiente, eles têm que ter uma segunda ou terceira pessoa. Da forma que eu vejo isso, você não pode consumir até mesmo um parceiro por completo, então ter dois ou três é apenas um luxo. Você deve tentar limpar a mente e treiná-la para saber se moderar. Saiba que a moderação é a verdadeira pureza, sem ela não há limites para seu comportamento. Ao comer uma comida deliciosa, não se alongue muito sobre como é o sabor, pense em seu estômago e considere o quanto é adequado às suas necessidades. Se você comer demais você terá problemas, então você deve saber se moderar. A moderação é o melhor caminho. Apenas um parceiro é suficiente, dois ou três é um luxo e só vai causar problemas.

[4] Ser honesto na fala. Este também é um instrumento para erradicar impurezas. Vocês devem ser honestos e direitos, confiáveis e justos.

[5] A abster-se de bebidas alcoólicas. Você deve ser moderado e de preferência abandonar essas coisas completamente. As pessoas já estão intoxicadas o suficiente com suas famílias, parentes e amigos, bens materiais, riqueza e todo o resto. Isso já é o bastante, sendo desnecessário piorar as coisas tomando bebidas alcoólicas também. Essas coisas só criam as trevas na mente. Aqueles que tomam grandes quantidades devem tentar cortar gradualmente e, eventualmente, desistir completamente. Talvez eu devesse pedir desculpas, mas minha fala desta maneira é de preocupação para o seu benefício, de modo que você possa entender o que é bom. Você precisa saber o que é aquilo. Quais são as coisas que estão lhe oprimindo em suas vidas diárias? Quais são as ações que causam esta opressão? Boas ações trazem bons resultados e más ações trazem resultados ruins. Essas são as causas.

Uma vez que a restrição moral estiver pura, haverá um senso de honestidade e bondade para com os outros. Isso vai trazer contentamento e liberdade de preocupações e remorsos. Não haverá remorsos de comportamentos agressivos e danosos. Essa é uma forma de felicidade. É quase como um estado celestial. Há conforto, vocês comem e dormem com o conforto que vem da restrição moral. Esse é o resultado; manter a restrição moral é a causa. Esse é um princípio da prática do Dhamma – refrear-se das ações danosas de forma que a bondade possa surgir. Se a restrição moral for mantida dessa forma, o mal vai desaparecer e o bem surgirá em seu lugar. Esse é o resultado da prática correta.

Mas este não é o fim da história. Uma vez que as pessoas tenham alcançado um pouco de felicidade, elas tendem a ser negligentes e não ir mais longe na prática. Elas ficam presas na felicidade. Elas não querem progredir ainda mais, eles preferem a felicidade do “céu”. É confortável, mas não há nenhuma compreensão verdadeira. Você deve continuar refletindo para evitar ser enganado. Refletir constantemente sobre as desvantagens dessa felicidade. Ela é transitória, não dura para sempre. Logo, você está separado dela. Não é uma coisa certa, uma vez que a felicidade desaparecerá, então o sofrimento surgirá em seu lugar, e as lágrimas virão novamente. Até os seres celestiais acabam chorando e sofrendo.

Assim, o Buddha nos ensinou a refletir sobre as desvantagens, o fato de que existe um lado insatisfatório da felicidade. Normalmente, quando esse tipo de felicidade é experimentado, não há real compreensão da mesma. A paz que é verdadeiramente certa e duradoura é encoberta por esta felicidade ilusória. Esta felicidade não é um tipo certo ou definitivo de paz, mas sim uma forma de impureza, uma forma refinada de impureza a qual nós nos apegamos. Todo mundo gosta de ser feliz. A felicidade surge por causa do nosso gosto por algo. Tão logo esse gostar muda para não gostar, o sofrimento surge. Devemos refletir sobre essa felicidade para ver a sua incerteza e limitação. Uma vez que as coisas mudam o sofrimento surge. Esse sofrimento também é incerto, não pense que é constante ou absoluto. Esse tipo de reflexão é chamado ādinavakathā, a reflexão sobre a inadequação e limitação do mundo condicionado. Isso significa refletir sobre a felicidade ao invés de aceitá-la pelo seu valor nominal. Vendo que é incerta, você não deve se agarrar a ela. Você deve segurá-la, mas, em seguida, deixá-la ir, vendo ambos os benefícios e os danos da felicidade. Para meditar habilmente você tem que ver as desvantagens inerentes à felicidade. Reflita desta maneira. Quando a felicidade surge, contemple-a minuciosamente até que as desvantagens se tornem aparentes.

Quando você vê que as coisas são imperfeitas (dukkha) o seu coração entenderá nekkhammakathā, a reflexão sobre a renúncia. A mente se tornará desinteressada e vai buscar uma saída. O desinteresse vem de se ter visto como as formas realmente são, como os sabores realmente são, o modo como o amor e o ódio são na realidade. Por desinteresse, queremos dizer que não existe mais o desejo de agarrar ou de se apegar às coisas. Existe um abandono do apego, a um ponto onde vocês podem permanecer confortavelmente, observando com uma equanimidade que é livre de apego. Essa é a paz que surge da prática.

Notas:

[1] Palestra dada em Hampstead Vihara, Londres, 1977.


Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
com a permissão dos detentores do copyright
© 2013 Edições Nalanda


Nota: Os Ensinamentos de Ajahn Chah” consiste de uma coletânea de ensinamentos dados por um dos mais importantes mestres da tradição das florestas da linhagem Theravada da Thailândia.


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