~ por Gil Fronsdal ~

Como uma abelha colhe o mel
E prossegue sem machucar
A flor, sua cor ou sua fragrância,
Assim deveria ser o sábio que anda de vilarejo a vilarejo
– Dhammapada 49

Na meditação da vigilância aprendemos a estar presentes para as coisas tais como elas são. Ao fazer isso, pode ser útil assumir a atitude de um naturalista. Um naturalista simplesmente observa a natureza, sem interferir ou impor suas opiniões. Se um lobo come um cervo, um naturalista observa sem julgamento. Se a planta produz uma belíssima flor, um naturalista deixa-a em paz, sem sucumbir ao desejo de levá-la para casa.

Na meditação, observamos a nós mesmos como um naturalista observa a natureza: sem reprimir, negar, agarrar ou defender qualquer coisa. Isso significa que observamos a nossa vida com uma presença de não-interferência. Podemos ver a nossa raiva, depressão, medo, felicidade, alegria, dor e prazer diretamente, como elas são, sem complicações. A perspectiva do naturalista é de respeito por aquilo que é observado. A palavra “respeito” é um belo sinônimo para a prática da vigilância, porque literalmente significa “olhar de novo”.

Frequentemente complicamos a nossa auto-observação ao levar as coisas para o lado pessoal. Claro que não podemos negar que nossas tristezas e felicidades, desafios e bênçãos, emoções e pensamentos estão acontecendo conosco. Mas quando os levamos para o lado pessoal, nós nos deixamos definir por eles: a presença da raiva significa que sou uma pessoa raivosa. Um ato generoso, tomado como pessoal, é prova de que eu sou uma pessoa generosa. Enquanto a tendência comum de tomar as coisas como pessoais pode parecer inocente, ela de modo frequente complica desnecessariamente a nossa relação com o que está acontecendo. Podemos facilmente ficar enrolados em confusões a respeito de questões tais como identidade pessoal, imagem e expectativa.

Do ponto de vista naturalista, não se vê “a minha raiva” ou “minha generosidade”. Em vez disso, eles são simplesmente observados como “a raiva” ou “o impulso de generosidade”. Essa mudança de perspectiva pode ser particularmente útil para com a dor física. Quando tomada pessoalmente, “a minha dor” pode facilmente levar a pesados sentimentos de responsabilidade e de emaranhamento. Quando vemos isso como “a dor”, tende a ser mais fácil permanecermos desembaraçados e mais leves.

Outra maneira de complicar nossas vidas é por meio da atribuição de valores do bom e ruim a nossas experiências. Para um naturalista não há bom ou mau; o mundo natural apenas se desenrola. Durante a meditação da vigilância, não precisamos julgar a nossa experiência como boa ou ruim. Nós simplesmente vemos como as coisas são e como elas se desdobram.

Ao cultivar a perspectiva naturalista durante a meditação, é possível desenvolver uma capacidade de ser não-reativo. Deste ponto de vista não-reativo, podemos mais facilmente explorar como responder com sabedoria a quaisquer circunstâncias em que nos encontremos. Uma vez que virmos claramente, pode muito bem haver uma necessidade de ação ou envolvimento. Por exemplo, um naturalista pode decidir remover uma planta não-nativa de um ecossistema delicado. Da mesma maneira, por meio de não reativamente observarmos nossa raiva ou ganância, podemos decidir removê-las.

Devido aos nossos maravilhosos poderes de observação e reflexão, os seres humanos podem ser tanto observadores como observados. Podemos ser o naturalista e a natureza. Somos a natureza vendo a si mesma. Por meio de nossa capacidade de ver claramente, podemos ser a natureza libertando a si mesma.

Confira também: A Natureza do Dhamma e Abrindo o Olho do Dhamma


Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
revisão: Ricardo Sasaki
em acordo com o Autor

© 2015 Gil Fronsdal

Nota: “Tocar o Coração do Assunto” é uma compilação de ensaios editados sobre a prática buddhista da observação vigilante. Muitos destes capítulos começaram como palestras dadas aos grupos de meditação da noite de segunda-feira ou da manhã de domingo do Insight Meditation Center em Redwood City, Califórnia. Alguns dos capítulos foram escritos especificamente para a publicação em jornais, em revistas ou em boletins de notícias buddhistas. Este livro é uma oferenda do Dhamma.


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