V. Abordando as fronteiras da mente

As limitações do conhecimento científico

Agora, eu gostaria de falar sobre as limitações da exploração e do conhecimento da ciência. Voltando só um pouco, eu disse que há diferenças na natureza e no âmbito do nosso objeto de conhecimento, o qual motiva uma série de observações. Eu disse que o buddhismo conduz sua pesquisa dentro do ser humano e afirma que conhecer completamente a verdade de um ser humano é conhecer o universo inteiro, enquanto a ciência estuda apenas o mundo externo material, o conhecimento que leva apenas à compreensão do mundo físico. No máximo, pode levar apenas às fronteiras da mente, uma vez que ela influencia o mundo material (e vice-versa), cujo escopo é limitado.

Também mencionei que a ciência, e em particular a Física, tem feito avanços notáveis que quase pode ser dito terem atingido os limites do seu campo de conhecimento. Anteriormente a ciência acreditava que poderia alcançar uma compreensão de todo o universo simplesmente por conhecer o mundo físico externo através da observação científica baseada nos cinco sentidos. A ciência assumiu a visão de que todos os fenômenos ligados à mente estavam enraizados na matéria. Ao compreender totalmente a matéria, a mente também poderia ser compreendida. Nos dias atuais somente alguns poucos cientistas ainda acreditam nisso, porque uma quantidade enorme de conhecimento acumulado sobre a matéria não lançou nenhuma luz a respeito da mente.

No momento presente, conceitos sobre a realidade da matéria e da mente se dividem em duas categorias principais, ou modelos:

  1. Que o mundo da matéria e o mundo da mente são como dois lados da mesma moeda. Isto é, eles estão separados, mas interagem entre si. Este primeiro grupo crê que essas duas realidades estão em lados opostos, e cada lado deve ser estudado de forma independente, e então, integrado em um corpo de conhecimento.
  2. Que o mundo da matéria e o mundo da mente são como dois anéis no mesmo círculo. Este segundo grupo vê as fronteiras do conhecimento como sendo um grande círculo, contendo um anel interno e um anel externo. O anel interno é limitado à sua própria circunferência, enquanto que o anel externo abrange tanto a sua própria área quanto a do anel menor. Ou seja, um anel contém o outro. Se o anel maior é compreendido, então tudo é compreendido, mas se apenas o anel menor é compreendido, tal conhecimento ainda é incompleto, porque o anel externo ainda não é conhecido.

Agora, se nesse modelo o conhecimento sobre a matéria é o anel menor, mesmo que nosso conhecimento cubra todo o universo da matéria, ainda é apenas o anel menor que é compreendido. O anel externo, que inclui a mente, permanece desconhecido. Por outro lado, se o anel externo é a matéria, então conhecer a verdade sobre a matéria será automaticamente conhecer tudo. Mas qual modelo é o mais correto? Não tentarei dar uma resposta aqui, mas a deixarei que os interessados descubram.

De qualquer maneira, vários físicos renomados têm dito que o conhecimento da ciência é apenas parcial, e somente um começo. Em relação ao modelo dos anéis, parece que o conhecimento da matéria refere-se primordialmente ao anel interno do círculo porque está limitado aos cinco sentidos, ignorando o sexto. Além dos sentidos, chegamos ao mundo dos símbolos, às provas matemáticas, em relação ao que temos a declaração de Sir Arthur Eddington:

“Aprendemos que a exploração do mundo exterior pelos métodos das ciências físicas leva não à uma realidade concreta, mas sim a um mundo nebuloso de símbolos”.

Outro eminente físico é Max Planck, que ganhou o Prêmio Nobel de Física em 1918, e é considerado o pai da moderna teoria quântica. Planck ficou conhecido por estabelecer que assim que um dos mistérios da ciência é resolvido, outro mistério surge em seu lugar. Ele admitiu as limitações das verdades científicas em palavras ainda mais claras:

“… A ciência não tem como resolver o maior mistério da natureza. Isso acontece porque, em última análise, nós também fazemos parte da natureza e, portanto, também somos parte do mistério que tentamos resolver”.

Um cientista foi tão longe a ponto de escrever:

“… A realização mais marcante da física do século XX não é a teoria da relatividade com a sua fusão de espaço e tempo, ou a teoria dos quanta com sua aparente negação das leis da causalidade, tampouco a dissecação do átomo com a descoberta resultante de que as coisas não são o que parecem; é o reconhecimento geral de que ainda não estamos em contato com a realidade última”.

E chegamos a esta fase! Este é o avanço mais significativo da ciência: a constatação de que é incapaz de atingir a verdade. Tudo onde nos pode levar é a um mundo de sombras de símbolos. Se a ciência aceita esta situação, então deve ser tempo de escolher um novo caminho: ou redefinir o seu alcance, ou expandir o seu campo de pesquisa, a fim de alcançar a verdade completa da natureza.

Se a ciência estiver contente em limitar-se ao seu escopo original, ela se tornará apenas mais um campo de especialização, incapaz de ver o quadro geral de como as coisas são. Se, por outro lado, a ciência realmente quiser levar a humanidade a uma verdadeira compreensão da natureza, ela deve estender seu campo de pensamento, redefinindo seu significado fundamental e desvencilhando-se de suas limitações atuais.

 

O mundo material: o inacabado trabalho da ciência

No momento atual, mesmo no mundo da matéria, no qual, como dizíamos, a ciência especializa-se, a verdade fundamental está ainda além do poder da ciência explicar. Existem ainda muitas coisas que a ciência não pode explicar, ou que antes se pensava que estava entendido, mas que agora já não estão num terreno seguro.

Um exemplo é o ‘quark’. O quark é o constituinte mais básico ou menor da matéria, mas não é certo se é ou não a partícula fundamental. Trata-se ainda de uma questão duvidosa. No momento, acredita-se que é a partícula fundamental, mas algumas pessoas não estão tão certas se é mesmo assim ou se outra partícula mais fundamental será descoberta ou mesmo se essa partícula existe!

Os quanta estão em uma posição similar. Quanta são unidades fundamentais de energia, mas, novamente, não se sabe, irrefutavelmente, se realmente existem; eles ainda só são compreendidos ou supostos.

Ainda não temos certeza de que a matéria e a energia são como duas faces de uma mesma coisa. Se esse for o caso, então como podem ser trocadas? Mesmo a luz, que os cientistas vêm estudando por tanto tempo, ainda não está claramente definida. Qual é a natureza fundamental da luz? Este ainda é considerado um dos mistérios mais profundos da ciência. A luz é uma força de energia que é, ao mesmo tempo, uma onda e uma partícula. Como pode isso ser assim? E como ela pode ter uma velocidade fixa, quando, na Teoria da Relatividade, mesmo o tempo pode ser esticado e encolhido?

O campo eletro-magnético é outro mistério, outra fonte de energia a qual ainda não é claramente definida como onda ou partícula. De onde vêm os raios cósmicos? Não sabemos. Mesmo a gravitação não é completamente entendida. Como ela funciona? Sabemos que há uma lei, e que podemos usá-la, mas como ela funciona? Não sabemos. A Teoria da Relatividade diz que a massa de espaço-tempo pode ser deformada. Como é isso? É muito difícil para as pessoas comuns entenderem essas coisas.

Contudo, a ciência ainda não sabe claramente como o universo e a vida surgiram. O ponto final da pesquisa em ciência é a origem do universo e o nascimento da vida. No presente momento, a teoria do Big Bang está na moda. Entretanto, como o Big Bang ocorreu? De onde veio o átomo original? As questões continuam indefinidamente. Até mesmo a questão: “O que é a vida?”, é um mistério.

Em resumo, podemos dizer que a natureza da realidade, no nível fundamental, ainda está além do escopo da investigação. Alguns cientistas chegam a dizer que não há nenhuma maneira de que a ciência possa algum dia conhecer diretamente essas coisas.

Poderia ser dito que é apenas natural que se nós confinarmos nossa pesquisa ao mundo material, não poderemos alcançar a verdade fundamental. Mesmo a verdade mais fundamental do universo físico não pode ser compreendida pesquisando-se apenas um lado, o mundo material, porque na realidade todas as coisas do universo estão inter-relacionadas. Sendo interconectadas, olhar para apenas um lado não vai nos levar a uma resposta final. A verdade a partir do outro lado também deve ser incluída, porque o fragmento remanescente do mistério pode existir no outro lado da realidade, o lado que está sendo ignorado.

Quando a ciência alcançar esse ponto em sua pesquisa, ela será forçada a se interessar em responder os problemas da mente. No momento atual, nós podemos ver muitos cientistas e físicos começando a se virar para trás e olhar para a mente e como ela funciona.

Algumas pessoas dizem que mesmo a Teoria da Relatividade é simplesmente um sistema filosófico, um produto do pensamento, um conceito. O espaço e o tempo dependem da consciência, da mente. A percepção mundana dos seres humanos sobre a forma e o tamanho da matéria não são meramente o funcionamento dos órgãos dos sentidos, mas também deve contar com o pensamento. Eles são um julgamento da mente, e não apenas uma impressão através dos cinco sentidos. O olho vê a forma, mas não sabe o tamanho ou o formato. A apreensão de tamanho e formato são funções da mente. Portanto, o conhecimento dos cinco sentidos não é o fim da questão.

O que é isto que sabe a ciência? A mente. Mas a ciência ainda não sabe a natureza dessa mente. Se a ciência quer saber a verdade suprema, deve conhecer a mente. Nos últimos tempos, o problema do observador e do observado surgiu. Eles são duas coisas diferentes ou são uma mesma coisa?

Alguns cientistas começam a desvendar o quebra-cabeça da natureza da mente, tentando determinar o que ela realmente é. É a mente apenas um mero evento que surge do funcionamento da matéria, como um computador? Então nós temos questões sobre se o computador pode ter uma mente. Numerosos livros têm sido escritos sobre esse assunto. Eu vi um de (Roger) Penrose*, que é um best-seller nacional. Suas conclusões são que os computadores não têm a possibilidade de ter uma mente.

* [Nota do tradutor] Roger Penrose é um físico, matemático e filósofo inglês, professor emérito da Universidade de Oxford. Escritor do livro “A Nova Mente do Rei” (Editora Campus, 1993) em que o autor discute a temática filosófica da questão corpo-mente e da inteligência artificial.

Em qualquer caso, parece que esta dúvida não será dissipada até que a ciência comece a trabalhar também com o campo da ‘mente’. Em breve, haverá o problema de se mente e matéria são a mesma coisa ou se são separadas. Este problema já existia desde o tempo do Buddha e está relacionado ao abyakata pañhā (as perguntas que o Buddha não responderia), que consistia em perguntas como: “A força da vida e o do corpo são a mesma coisa, ou são diferentes?”

Atualmente, líderes no campo da ciência parecem estar divididos em quatro grupos principais de teorias ou abordagens quanto a a natureza da realidade.

O primeiro grupo, conhecido pelos outros como o grupo ortodoxo, mantém a sua convicção de que a ciência pode, eventualmente, responder a todas as perguntas, e que a ciência é a única maneira de realmente alcançar uma compreensão da realidade.

O segundo grupo, um grupo de ‘novos’ cientistas, admite que a ciência não é capaz de explicar a realidade da mente, mas acha que a ambos os lados deve ser permitido continuar o seu trabalho de forma independente. Este grupo não está de acordo com aquele que acredita apenas na física, nem com os ‘novos’ físicos, com suas tentativas de integrar física e religiões orientais.

O terceiro grupo é um outro grupo de físicos que acredita que a física é compatível com as religiões orientais. Eles acreditam que as religiões orientais ajudam a explicar a natureza da realidade, e apontam a direção para que a física cresça no futuro. Um exemplo deste grupo é Fritjof Capra, embora as ideias de Capra não sejam aceitas na corrente principal do mundo da física.

O quarto grupo é um de novos físicos, mas esse grupo sustenta que este mundo material é um nível da realidade que está contido dentro do domínio da mente. Esse é o modelo que eu mencionei mais cedo, do circulo contido em um círculo maior.

Tudo isso é uma questão que a ciência deve resolver por si. Eu não quero avaliar isto aqui, ao invés disso, eu gostaria de dar início a um novo assunto. Agora eu gostaria de continuar no mundo da mente, e, particularmente, dos valores, a área que a ciência ainda tem que pesquisar. Neste curto espaço de tempo, eu preciso me restringir a um exemplo, e aqui eu falarei de ética.

 

Ética: uma verdade aguardando verificação

Ética é uma daquelas coisas que eu chamo de ‘valores’, pois ela está relacionada com o bom e o mau. Bom e mau são valores ou princípios. A ética é um assunto muito vasto e importante, um dos quais normalmente é considerado tema religioso, mas aqui nós vamos considerá-lo em relação com a ciência.

Algumas pessoas vão tão longe a ponto de dizer que o bem e o mal são meramente convenções sociais, uma questão de preferência. Elas acreditam que o bem e o mal podem ser definidos da forma que mais agradar. Tal ideia parece conter alguma medida de verdade, quando consideramos que em algumas sociedades determinadas ações são consideradas positivas, mas em outras sociedades essas mesmas ações são consideradas negativas.

No entanto, esse tipo de percepção surge da confusão dos fatores envolvidos. Ela decorre de:

  1. Falha em diferenciar ética e convenções.
  2. Falha em ver a relação que liga a ética com a realidade.

A partir disso, temos três pontos a considerar: realidade, ética e convenção. Devemos entender a diferença e as relações entre esses três níveis. A cadeia de fatores envolvidos tem conexões por toda parte, que vão desde as qualidades do bem e do mal, que são verdadeiras condições na realidade, e se espalham para fora e se tornam atos e falas boas e más, que são a ética, e daí liga-se com o externo mais uma vez, tornando-se leis e convenções da sociedade, sendo estes últimos convenções.

Este sistema de realidade, ética e regras é muito parecido com o sistema científico. O fundamento da ciência, a Ciência Pura, é a realidade. Com base nesse fundamento temos as Ciências Aplicadas e a tecnologia. Se a Ciência Pura for equivocada, as Ciências Aplicadas e a tecnologia sofrerão as consequências. Com base nas Ciências Aplicadas e na tecnologia atingimos o terceiro nível, constituído das formas assumidas pela tecnologia. Essas formas serão numerosas e variadas. Uma das razões para isso é que a tecnologia procura trabalhar com as leis da natureza da maneira mais eficiente possível. A eficiência das diferentes formas tecnológicas deve variar devido ao fato de essas formas de tecnologia estarem mais ou menos em conformidade com as leis da natureza. As formas de tecnologia que estiverem mais de acordo com as leis da natureza, atuando como canais para o melhor funcionamento possível dessas leis, serão as mais eficientes, e vice-versa.

  • A Realidade pode ser comparada à Pura Ciência
  • A Ética pode ser comparada à Ciência Aplicada e à tecnologia.
  • Regulamentos ou convenções podem ser comparadas as formas que a tecnologia usa

As sociedades determinam convenções ou regulamentos para se autoregularem. Isto é convenção, que pode ser determinada de acordo com a preferência. Por exemplo, na Tailândia 0 regulamento de que carros usem a mão esquerda da via, enquanto na América carros usam a mão direita. Diferentes países determinaram diferentes regulamentos. Agora, qual é bom e qual é mau? A Tailândia pode dizer que americanos são maus porque eles usam mão direita, ou a América pode dizer o oposto? Claro que não. Esses regulamentos são o padrão para cada país, e cada país é livre para fazer seus próprios padrões. Isto é convenção.

No entanto, convenção não é simplesmente uma questão de preferência. Há razões por trás dela. Mesmo em aspectos bem simples, como decidir de que lado da estrada os carros devem ser dirigidos, há um objetivo em mente. Qual é esse objetivo? Ordem e harmonia na estrada e bem-estar das pessoas num contexto social. É isso que os dois países querem, e isso é uma preocupação ética. A sociedade americana quer essa qualidade, da mesma maneira que a sociedade tailandesa. Ainda que suas convenções difiram, a qualidade ética desejada por ambas é a mesma. Nesse caso, podemos ver que há diferença nos regulamentos estabelecidos, mas essencialmente, no sentido ético, há consistência.

Agora surge o problema, que regras dão melhores resultados? Esse é um ponto crucial. Pode-se perguntar o que é mais favorável para a ordem e harmonia entre as regulamentações para manter a direita na América e a esquerda na Tailândia. Pode haver alguma diferença de opinião no que tange aos próprios regulamentos, mas isso não significa que as sociedades meramente determinem essas regulamentações ao acaso.

Esta é a relação entre ética e convenção, ou regulamentação. Os regulamentos são feitos para fornecer um resultado ético. Em termos monásticos buddhistas, os monges colocam isso dizendo simplesmente “vinaya é para o desenvolvimento de sīla”… Vinaya refere-se às regras e regulamentos da sociedade, mas o objetivo deles é sīla, que é a ética.

Há exceções nos casos em que as regras foram feitas sem parcialidade, para o benefício ou a vantagem de alguns poucos selecionados. Por exemplo, há vezes quando suspeitamos que certas leis foram feitas para proteger os interesses de um grupo seleto. Nesse caso, dizemos que a corrupção surgiu dentro do processo de regulamentação, que causará, por sua vez, uma degeneração da ética. Quando a raiz da estrutura legal é podre, será muito improvável que produza um bom resultado. Mesmo assim, as sociedades determinam, sim, muitas regras e regulamentos a partir de uma intenção pura de criar um resultado ético.

A ética é o objetivo comum, mas diferem os tipos de regras que dele resultam e, por isso, temos de aprender como distinguir claramente entre ética e convenção. Podemos ver muitas dessas diferenças nas convenções, costumes e tradições de diferentes sociedades – costumes familiares, por exemplo. Em determinada sociedade, é permitido a uma mulher ter muitos maridos, a um homem ter muitas esposas, enquanto em outras sociedades, os costumes serão diferentes. Entretanto, de forma geral, qual é o objetivo aqui? O objetivo é a ordem e harmonia dentro da família. Este é o seu objetivo, e isto é a ética.​

No entanto, na determinação dos regulamentos para a sociedade, as pessoas têm variados níveis de inteligência e sabedoria, e diferentes intenções, às vezes honestas, às vezes não. As sociedades têm diferentes ambientes, diferentes histórias. Com tantos fatores variáveis, o resultado em termos de ética também difere, sendo mais ou menos eficazes conforme seja o caso. De tempos em tempos estes regulamentos devem ser reavaliados. Convenções estão, portanto, vinculadas a situações específicas e considerações de tempo e lugar. A consideração de tempo e lugar é uma preocupação das convenções, mas os objetivos éticos são universais.

Portanto, ao olhar a situação da maneira correta, embora possa haver algumas discrepâncias na forma que os regulamentos tomam, podemos ver que eles são, de fato, os resultados dos esforços da humanidade para criar uma sociedade harmoniosa. Ou seja, convenções não são o resultado final, mas sim os meios inventados pelo homem para atingir um padrão ético, mais ou menos efetivo, dependendo da inteligência e honestidade das pessoas que as determinam.

Tendo isso em mente, podemos evitar a crença equivocada de que o bem e o mal são meramente convenções sociais, ou que são determinados pela preferência. Devemos ver esses regulamentos como tentativas da humanidade de encontrar a ética, de modo a atingir a verdadeira bondade. Não importa se os regulamentos são úteis ou ineficazes, nosso objetivo continua a ser uma questão ética.

O sucesso dos regulamentos é muito ligado à presença de um padrão ético dentro das pessoas que os estão determinando, e se eles fizeram as suas decisões de forma inteligente ou não.

Agora, quanto à ética ser ou não uma condição real, devemos lembrar-nos do princípio de que a ética é baseada na realidade ou verdade. Isto é, a ética deve estar em conformidade com o processo de causa e efeito, ou causas e condições. No campo das convenções, sempre que uma regra é criada e que traz um resultado eticamente satisfatório dizemos que ela foi útil. Por exemplo, se regulamentarmos que os carros devem trafegar do lado esquerdo ou direito da estrada, e essa regra levar à ordem e harmonia, então diremos que ela atingiu seu objetivo.

Realidade (saccadhamma), ética (cariyadhamma) e convenção (pannattidhamma) são qualidades abstratas. Porque a ética está ligada à realidade, resulta que ela é um fator em todo o fluxo de causas e condições. As causas e condições envolvidas no comportamento humano são de tal forma complexas, que são mais difíceis de prever do que o tempo!

Se não compreendermos ou vermos a relação e a conexão entre realidade, ética e convenção, não seremos capazes de fazer uma profunda reflexão sobre valores, os quais são propriedades mentais; e ver o seu próprio lugar nas leis da natureza, funcionando de acordo com causas e condições.

 

“O que é?” versus “O que deve ser?”

Vamos fazer mais uma comparação entre ciência e buddhismo. Já mencionei que a ciência não engloba a condição humana na sua investigação porque se afastou em direção às coisas materiais.

O buddhismo aprende as leis da natureza e depois aplica-as numa perspectiva ética. Quando uma pessoa pratica de acordo com a ética, recebe os resultados de acordo com as leis naturais da causa e efeito e alcança uma boa vida, que é o seu objetivo. Forma-se um ciclo com três etapas: (1) conhecer ou interiorizar a verdade; (2) praticar de maneira ética; (3) alcançar uma vida boa.

A ciência sabe as verdades da natureza, mas apenas no lado material, e em seguida, envia os conhecimentos adquiridos para a tecnologia, atingindo a vida de abundância, de acordo com os seus objetivos.

Um caminho leva a uma vida saudável, enquanto o outro caminho leva a abundância; uma forma lida com a natureza do homem, a outra forma lida com a natureza das coisas materiais. A ciência não conecta a verdade com a ética, mas em vez disso, porque lida apenas com o mundo material, a conecta à tecnologia.

É usualmente entendido que o interesse da ciência é exclusivamente com a questão “O que é”, descartando qualquer preocupação com “O que deve ser?” como uma preocupação de valores ou ética, o que se encontra fora de seu escopo. A ciência não vê que a ética é baseada na realidade, pois não consegue ver a conexão entre “O que é?” e “O que deve ser?”. No plano material, entretanto, a ciência aborda a questão do “O que deve ser?”, ainda que inconscientemente, mas essa questão é entregue a tecnologia.

Por exemplo, Ciência Pura nos diz que a água congela quando a temperatura cai para zero graus celsius. A tecnologia, em seguida, entra em cena para considerar o que deve ser feito para se conseguir gelo, que é o mesmo que desenvolver alguma forma de fazer a temperatura cair a zero graus celsius. O princípio e os meios devem estar em conformidade como esse exemplo. É por isso que eu disse que a Ciência Pura procura as verdades da natureza, enquanto a tecnologia e a Ciência Aplicada colocam esse conhecimento em prática.

A ciência se dedica a problemas do plano material, porém, quanto a questões éticas ela silencia. Suponha que estamos diante de um imenso fosso, cheio de fogo, com uma temperatura de milhares de graus. Então dizemos: “O corpo humano consegue suportar somente até uma determinada temperatura. Se for colocado neste fogo, ele ficará torrado”. Essa é a verdade. Agora, suponha que digamos ainda: “e você não quer ser queimado até a morte, não entre nesse poço”. Neste caso, o nível da ciência diz-nos que o poço é de tal e tal temperatura, e que o corpo humano não pode resistir tal temperatura. Ética é o código de conduta que diz: “Se você não quer ser queimado até a morte, não entre no fogo”.

Da mesma forma que a tecnologia deve ser fundamentada nas verdades da Ciência Pura, a ética deve se basear na realidade. E da mesma forma que qualquer tecnologia que não seja fundamentada na verdade científica será impraticável, assim também qualquer ética que não seja fundamentada na verdade natural será uma ética falsa. O objeto da ética compreende tanto “o que deveria ser?’ e ‘o que é?”, uma vez que lida com a verdade da natureza humana, que é aquele aspecto da verdade natural descuidada pela ciência. Por essa razão, uma verdadeira compreensão da realidade, que inclui uma compreensão da natureza humana, é impossível sem uma clara compreensão da ética genuína. A questão é que tipo de realidade e quanta, e em que grau, é suficiente para produzir uma compreensão da ética genuína?

 

A religião verdadeira é a fundação da ciência

O domínio da ciência limita-se ao mundo material, não inclui os seres humanos. Por essa razão, a ciência não tem nenhuma sugestão sobre como os seres humanos devem viver ou se comportar, ela não se aventura no campo da ética. Mas, então, é por causa dessa ideia que a ciência emergiu e progrediu para onde ela está. A origem e inspiração para o nascimento e crescimento da ciência tem sido este desejo de saber a verdade, junto com a convicção sobre as leis da natureza, que são qualidades mentais. Mesmo os valores que foram incorporados a essa aspiração numa data mais tardia, como a aspiração de conquistar a natureza, são todos processos mentais.

Não somente o anseio por conhecimento e a convicção já mencionada, mas até mesmo as grandes descobertas da ciência também foram produtos da mente. Alguns cientistas possuíam uma qualidade que nós podemos chamar de ‘intuição’ e podiam prever as verdades que eles descobriam no seu olho da mente antes mesmo de as terem verificado no mundo físico. Antes de muitos dos grandes avanços na ciência, algum grau de intuição tendia a estar envolvido… o cientista veria algo ‘no seu olho da mente’, o que então se tornaria uma iniciativa para conduzir pesquisas sobre o assunto.

Sem estas qualidades de intuição e previsão, a ciência poderia ter se tornado apenas mais um não embasado ramo do conhecimento, ou em grande parte uma questão de adivinhação. Teria faltado direção ou objetivo. Intuição e previsão têm desempenhado um papel vital na história da ciência. Para muitos cientistas eminentes essa intuição esteve envolvida no processo de fazer suas descobertas mais importantes. Uma suspeita sobre alguma linha de pensamento ou de pesquisa, nunca antes pensada, surgiria na mente do cientista, disparando o raciocínio sistemático, a formulação de uma hipótese e a experimentação, resultando, eventualmente, em uma nova teoria.

Todos os avanços da ciência feitos até agora têm surgido através da fé, convicção, aspiração pelo saber, intuição e assim por diante. Nas mentes dos cientistas mais eminentes, aqueles que fizeram as descobertas de maior alcance, essas qualidades podem ser encontradas em abundância.

Mesmo a observação começa com um pensamento, que estabelece um caminho de investigação, e restringe as observações relevantes a estrutura observada. Por exemplo, Newton viu a queda da maçã e compreendeu a Lei da Gravidade. De acordo com a história, ele viu a maçã caindo e imediatamente teve uma compreensão, mas de fato Newton vinha ponderando sobre a natureza dos movimentos por meses naquela época. Foi um processo mental em sua mente, que culminou com uma compreensão ao ver a queda da maçã.

Às vezes isso acontece conosco. Podemos estar pensando em algum problema particular sem solução por um longo tempo, e então, nos acontece, enquanto estamos sentados em silêncio, a resposta de repente vir à mente. Essas respostas não apenas surgem de forma aleatória ou por acidente. Na verdade, a mente tem estado a funcionar em um nível sutil. A realização é o resultado de um processo de causa e efeito.

A mente, por meio da fé e da motivação, é a origem da ciência; através da intuição e da previsão ela é a força pela qual a ciência tem sido capaz de progredir; e através das metas e dos objetivos que são imaginados e desejados na mente, ela é a direção para o futuro avanço da ciência. A busca por verdades básicas é possível porque a mente concebe que tais verdades existem.

Chegando a este ponto, eu direi o nome do eminente cientista que me deu ideias para o tema desta palestra. Ele é, nem mais nem menos, que Albert Einstein. Ele não disse, no entanto, que palavras exatas é que eu devia usar. Eu o parafraseei.

O que Einstein disse foi:

“…Nesta nossa era materialista, os cientistas dedicados são as únicas pessoas profundamente religiosas…”.

Einstein sentia que nestes tempos era difícil encontrar pessoas com uma religião. Somente os cientistas que estudam a ciência com um coração puro tem uma religião verdadeira. Além disso, ele diz:

“… mas a ciência só pode ser criada por aqueles que estão completamente imbuídos com a aspiração em direção à verdade e à compreensão… aqueles indivíduos a quem devemos as grandes realizações criativas da ciência estavam todos imbuídos com a convicção verdadeiramente religiosa de que este nosso universo é algo perfeito e suscetível ao esforço racional do conhecimento…”

O desejo de conhecer a verdade, e a fé que por trás da natureza existam leis que se sejam verdades constantes ao longo de todo o universo – é isso o que Einsten chamou de sentimento religioso, ou mais especificamente ‘sentimento religioso cósmico’. Então ele continua a dizer:

“… sentimento religioso cósmico é um forte e nobre motivo para a investigação científica”.

E de novo:

“… O buddhismo, como aprendemos especialmente a partir dos maravilhosos escritos de Schopenhauer, contém um elemento muito mais forte disto …”

Einstein diz que o buddhismo tem um alto grau deste sentimento cósmico religioso, e este sentimento é a origem ou a semente da pesquisa científica. Então você pode decidir por si mesmo se o título que usei para esta conversa é adequado ou não.

Mencionei isso para mostrar de que maneira se pode dizer que o buddhismo é a base da ciência, mas por favor, não deem muita importância a essa ideia, porque eu não concordo completamente com a visão de Einstein. Minha discordância não é com o que ele disse, mas com o fato de que ele disse muito pouco. O que Einstein chamou de este ‘sentimento religioso cósmico’ é apenas parte do que é o sentimento religioso, porque a religião deve sempre voltar para o ser humano, para a natureza do ser humano, incluindo a forma como os seres humanos devem se comportar em relação à natureza, tanto interna como externamente. Não consigo ver as palavras de Einstein incluindo claramente autoconhecimento e benefício para o ser humano. Seja como for, a partir das palavras de Einstein, podemos ver que ele sentiu que a ciência tinha suas raízes no desejo humano por conhecimento e na convicção sobre a ordem da natureza

Mas agora, chegando a esse ponto, eu disse que não pretendo que nos preocupemos se devemos olhar para o buddhismo como fundação da ciência ou não. De fato, talvez pudéssemos alterar o título desta palestra para algo como “Como seria a ciência se tivesse o buddhismo como fundamento?” Essa questão talvez nos desse alguma perspectiva para pensarmos.

A afirmação “buddhismo é o fundamento da ciência” é apenas uma opinião, e alguns diriam que é uma opinião pretensiosa. E isso não nos levaria a lugar algum. Mas se dissermos “Como a ciência deveria ser para ter fundamentos no buddhismo?”, então isso seria muito mais construtivo, munindo-nos com alguns pontos práticos e concretos a considerar.

Essa é uma pergunta muito importante, que exige alguma reflexão. Posso oferecer uma resposta, e vou tentar mantê-la dentro do contexto dos pontos já abordados durante esta conversa, para que sirva como uma espécie de resumo.

Em primeiro lugar, deve-se ampliar o significado da palavra ‘religião’ ou ‘sentimento religioso’ a fim de corresponder ao buddhismo:

  1. A) As palavras “sentimento cósmico religioso” deve abranger ambos: o mundo natural externo e o mundo natural dentro do ser humano, ou ambos: o universo físico e o abstrato, ou mental, o qual inclui valores.
  2. B) A definição de ciência como originada da aspiração de conhecer a verdade deve ser complementada pelo desejo de alcançar o mais alto bem, o qual o buddhismo chama ‘liberdade em relação à imperfeição humana’.

No ponto A, estamos ampliando a definição desta natureza que precisa ser compreendida. No ponto B, estamos reiterando os valores que estão em conformidade com o bem maior, garantindo que a aspiração pela verdade seja pura e clara, e barrando a chance de que valores menores corrompam nossa aspiração.

Com estes dois pontos em mente, podemos responder agora: “A ciência que concorda com o buddhismo é aquela que aspira compreender a verdade natural em conjunto com o desenvolvimento do ser humano e a aquisição do bem superior”. Ou poderíamos dizer: “A ciência que se fundamenta no buddhismo surge de uma aspiração pelo conhecimento da natureza juntamente com o desejo de atingir o bem superior, que é o princípio para o desenvolvimento humano construtivo”.

Essa espécie de definição pode parecer estar fronteiriça da Ciência Aplicada, mas realmente não está. De uma perspectiva, as ciências naturais da era passada foram influenciadas pelos motivos egoístas já mencionados, que não foram muito bons. Por essa razão, nós oferecemos esses incentivos alternativos, para evitar que os anteriores apareçam, substituindo o desejo de conquistar a natureza e produzir uma abundância de riqueza material pela aspiração de liberdade em relação ao sofrimento.

Para reformular a definição acima, poderíamos dizer: “A ciência que alcança um conhecimento verdadeiro e compreensivo da realidade será a integração das ciências físicas, das ciências sociais e das humanas. Todas as ciências estarão conectadas em uma só”. Ou, colocando de uma outra maneira: “Uma vez que a ciência amplie os limites de sua definição fundamental e aprimore suas técnicas de pesquisa e estudo, as verdades das ciências sociais e humanas serão alcançáveis através do estudo da ciência”.

Essa afirmação não é feita em tom de brincadeira ou negligentemente. Nos dias atuais, os avanços das ciências e da sociedade humana num ambiente de globalização tem implicado em certa coesão na busca pelo conhecimento. Pode-se dizer que o momento é propício. Se não lidarmos com ele de forma adequada, pode acontecer de a maturação levar ao apodrecimento, como numa fruta muito madura. A pergunta é: “Será que a ciência assumirá a responsabilidade de conduzir a humanidade a esta unificação da aprendizagem?”

No segundo nível, ou seja, o princípio de compromisso com o conhecimento que é útil, o conhecimento da verdade deveria ser dividido em duas categorias:

  1. A) conhecimento que é necessário, ou verdade que é útil, isto é, conhecimento necessário para se viver uma boa vida, e que é possível ser obtido por um ser humano nos limites de uma vida.
  2. B) Outros tipos de conhecimento que não são necessários, ou verdade que não é útil. Aquelas coisas que não foram ainda verificadas podem ser averiguadas até serem comprovadas, mas uma boa vida não deveria depender delas, nem deveria ter que esperar por uma resposta delas.

O tempo da vida humana é limitado e logo se chega ao fim. Qualidade de vida, ou o bem maior, são coisas que devem ser atingidos pelo ser humano neste limitado tempo de vida. Conhecimento científico tende a dizer: “Espere até que eu tenha verificado isto primeiramente, e então você saberá o que fazer”. Essa atitude deve ser mudada, com uma clara distinção entre os conhecimentos acima mencionados. Se a ciência é para ser um corpo abrangente de aprendizado, ela deve relacionar corretamente com esses dois tipos de verdade.

Por outro lado, se é para a ciência continuar seu curso atual, ela poderia procurar a completude através da cooperação, referindo-se ao Buddhismo para responder a tais perguntas que exigem respostas imediatas, de modo que a realização do bem mais elevado nesta vida seja possível, enquanto a ciência pode procurar respostas para essas perguntas que, mesmo não sendo atendidas, não afetam a nossa capacidade de ter bem-estar e de viver em paz.

 

Aceitando o sexto sentido

A razão pela qual precisamos esclarecer os objetivos intermediários é que se a ciência pura não determinar o seu próprio conjunto de valores, não será capaz de escapar à influência de outros interesses. Grupos de fora com interesses pessoais determinaram os valores da ciência no passado, valores estes que conduziram à destruição da natureza na busca de riquezas materiais. Isto levou a ciência a ser chamada de ‘servo da indústria’. Um funcionário da indústria não é um servo da humanidade. Hoje em dia, alguns dizem que a indústria está destruindo a humanidade, um ponto que merece consideração. Se os cientistas não estabelecerem seus próprios valores, alguém o fará.

Seres humanos são seres possuidores de intenção. Essa é uma das qualidades únicas da humanidade. Isso significa que a busca de conhecimento não pode ser totalmente sem valores. Porque os seres humanos são a mais alta espécie de seres, capazes de atingir a realização da verdade e o mais alto bem, eles podem aspirar realizar esse potencial.

Até quando a Ciência careça de lucidez em sua posição em relação aos valores, e ainda exista dentro de um mundo de valores, ela terá sua direção determinada por outros interesses. Como resultado, cientistas se sentirão ludibriados e frustrados na busca de suas pesquisas. Enquanto a indústria for a ‘estrela craque’ da sociedade, ela pode exercer uma poderosa influência sobre a ciência, por meio de canais governamentais, com sua influência sobre políticas governamentais, e por meio de instituições de financiamento, com concessões para pesquisa científica. Por exemplo, se um instituto científico submeter uma proposta para uma pesquisa num campo particular, mas tal pesquisa não for do interesse da indústria, o setor industrial tem o poder de retirar seu suporte, assim pressionando o governo a fazer o mesmo. Quando isso acontece, os cientistas podem ficar desencorajados e acabarem igual ao Sir Isaac Newton.

Newton era muito fortemente influenciado por valores em seu trabalho. Ele descobriu a lei da gravidade quando tinha apenas cerca de 24 anos de idade. No entanto, algumas de suas ideias entraram em confronto com a noção aceita na época. A velha escola de cientistas o ridicularizou. Newton era alguém muito mal-humorado e se ressentia facilmente. Ele não gostava de se associar com outras pessoas. Tão logo as pessoas começaram a criticar seu trabalho, ele ficou perturbado e o abandonou. Ele desistiu da ciência completamente e não voltou a ela por vinte e dois anos.

Agora, Edmon Halley, o cientista que previu os ciclos do cometa que tem o seu nome, percebeu o valor do trabalho de Newton, foi até ele e o confortou e encorajou, até que Newton começou  a se sentir mais animado, e começou a trabalhar em seu monumental liivro, Philosophiae Naturalis Priincipia Mathematica.

Mas então, quando ele tinha terminado dois terços do manuscrito, um outro cientista, que durante os vinte e dois anos em que Newton se recusara a publicar suas ideias, tinha chegado a uma compreensão da Lei da Gravidade e do cálculo, afirmou que tinha descoberto tudo isso antes de Newton. Quando Newton ouviu isso, ele explodiu em outro surto de mau humor. Ele não iria escrever o livro depois disso. Tinha escrito somente dois terços dele, quando desistiu mais uma vez. Halley teve que procurá-lo novamente com uma conversa preparada para persuadi-lo a continuar o seu trabalho, e depois disso ele finalmente o terminou.

Esse é um bom exemplo de como os princípios podem sobrecarregar um cientista, com repercussões por todo o mundo científico. Se Newton, que era um gênio, tivesse tido um coração forte, sem mergulhar em sentimentos de dor e de indignação, ele poderia ter conseguido dar ao mundo científico muito mais do que deu, mas por causa dos seus humores ele descartou a ciência por mais de vinte anos.

Atualmente, onde os setores industriais e financeiros são poderosos, a ciência precisa ter a crença nos seus próprios valores para se prevenir contra valores externos que possam esmagá-la. Nesta época de ruína ambiental, algumas das verdades descobertas pela ciência podem não ser interessantes para os setores industriais e financeiros.

Algumas equipes norte-americanas de pesquisa afirmam que é infundado temer o efeito estufa, que o mundo não vai se aquecer e que os resultados de suas pesquisas provam isso. Em seguida, outro grupo de pesquisadores declara que o primeiro grupo foi influenciado, na avaliação dos resultados de suas pesquisas, por fatores financeiros provenientes de determinados setores industriais. A situação é muito complicada. Vantagens pessoais começam a desempenhar um papel na investigação científica, e a sujeitam ainda mais à influência dos valores. Mesmo o conhecimento e a pesquisa que estão sendo conduzidos atualmente sobre a situação do meio ambiente passam pela questão dos valores, ou seja, dedicam-se a realizar necessidades específicas, mas, neste caso, elas são de valores positivos ou construtivos.

No mínimo, a ética ensina os cientistas a ter uma aspiração pura por conhecimento. Esta é a força mais poderosa que o progresso da ciência pode ter. No presente momento estamos cercados por um mundo cheio de valores, na sua maioria negativos. No passado, a ciência e a indústria trabalhavam juntos, como marido e mulher. Houve grandes avanços. A indústria estimulou a ciência, e a ciência ajudou a indústria a crescer. Mas, nos próximos anos, porque alguns dos interesses da indústria estão se tornando um problema para o ambiente natural, e porque a ciência está sendo questionada sobre isso, as respostas a algumas dessas perguntas vão constranger o setor industrial. Pode ser necessário que a ciência e a indústria separem seus caminhos, ou pelo menos experimentem alguma tensão no seu relacionamento. A ciência pode ser forçada a encontrar um novo amigo, aquele que vai ajudá-la e incentivá-la a encontrar o conhecimento que é útil para a raça humana.

Uma vez que a ciência se aproxima das fronteiras da mente, a seguinte questão surge: “A ciência reconhecerá o sexto sentido e os dados que são aí experimentados? Ou os cientistas continuarão a tentar verificar os humores e pensamentos olhando para a química secretada pelo cérebro, ou medindo as ondas cerebrais em uma máquina e, assim, olhando para meras sombras da verdade?” Isso seria como tentar estudar uma pedra pelos barulhos que ela faz ao ser jogada na água ou pelas ondulações surgidas na superfície da água. Eles podem medir as ondas que correspondem às pedras de diferentes tamanhos – se houver um som que signifique que a pedra tem de ser de um determinado tamanho – eles podem transformá-lo em uma equação matemática, prevendo o tamanho das pedras que correspondem aos vários sons que fazem na água ou estimar a massa da pedra que está a cair na água através da medição das ondulações que se estendem a partir delas.

Isso tem sido a abordagem da ciência para o estudo da natureza? O fato é que eles nunca realmente pegam uma pedra! Se este for o caso, a ciência pode ter que dar uma olhada em algumas das maneiras de observar e experimentar usadas em outras tradições, tais como o buddhismo, que mantém que a observação e experimentação realizadas a partir da experiência direta na mente seja uma forma válida de observar as leis da natureza.

…… Não é necessário para a ciência tentar escapar dos valores. É mais uma questão de tentar esclarecer os valores que a ciência tem.


Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
em acordo com Buddhadhamma Foundation
Para Distribuição Gratuita
© 2015-2017 Edições Nalanda

Nota: “Escritos sobre o Buddha Dhamma” consiste de um conjunto de escritos de um dos mais respeitados monges da Thailândia contemporânea, Venerável Ajahn Payutto.


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