JambudipaA Terra do Jambo-rosa

1. Embora o Dhamma seja um resultado direto do entendimento do Buddha, a forma com que foi proclamado ao mundo certamente foi muito influenciada pela cultura na qual o Buddha vivia. Por isso, conhecer um pouco essa cultura ajudará a compreender melhor o Dhamma.

2. A Índia é um grande subcontinente que faz divisa com o mar da Arábia no oeste, com o mar Andaman no leste e com os picos nevados do Himalaia no norte. Antigamente era conhecida como a terra do Jambo-rosa (Jambudipa). O Buddha nasceu e viveu toda sua vida na área central norte da Índia, numa região conhecida como a Terra Média (Majjhima Desa), assim chamada porque as pessoas que viviam lá acreditavam que era o centro da terra. A região toda é composta por uma planície plana e fértil pela qual fluem dois grandes rios, o Ganges e o Yamuna, e muitos rios menores. Há três estações: o verão, quando a temperatura pode chegar aos 40°; a estação das chuvas, quando os rios transbordam, dificultando o transporte; e o inverno, quando os dias podem ser agradáveis, mas as noites podem ser geladas. Na época do Buddha, grandes áreas do norte da Índia eram cobertas por selvas e as pessoas que moravam nas várias aldeias que ladeavam as selvas se deparavam com frequência com leões, elefantes, veados, rinocerontes e outros animais selvagens.

A população desta parte norte da Índia era menor do que é hoje; havia muita terra arável para a agricultura e a maioria das pessoas tinha mais do que suficiente para comer. Mesmo os agricultores muito pobres poderiam complementar sua dieta ou renda mediante a caça de animais selvagens e a coleta dos frutos abundantes que as florestas ofereciam.

3. A Índia que o Buddha conheceu não era uma unidade política única, mas sim uma coleção de países independentes, muitas vezes competindo uns com os outros pela supremacia. O maior e mais poderoso desses países era o reino de Magadha, que durante a maior parte da vida do Buddha foi governado pelo rei Bimbisara, um governante forte e eficaz, que teve um grande interesse na religião. A capital de Magadha foi Rājagaha (A Residência do Rei), aninhada entre colinas escarpadas e protegida por paredes de pedra maciça, cujas ruínas ainda podem ser vistas hoje. Pouco tempo após o Nirvāna final do Buddha, Magadha mudou sua capital de Rājagaha para Pataligama, que mais tarde seria chamada Pataliputra e hoje é conhecida como Patna, e nos próximos cento e cinquenta anos haveria conquistado quase toda a Índia. Diretamente ao norte de Magadha e separada dela pelo rio Ganges estava a Confederação do Vajjias. A Confederação dos Vajjias era composta de várias tribos, duas das quais eram conhecidas como licchavis e videhas, que haviam se unido para se protegerem de seu poderoso vizinho do sul. Os licchavis eram a tribo mais importante da Confederação e sua principal cidade, Vesali, foi de fato a capital da Confederação.

Ao lado da fronteira ocidental da Confederação Vajjia ficava Malla, uma pequena república tribal dividida em duas partes, uma com sua capital em Kusinara, e a outra com sua capital em Pava.

Ao norte de Malla ficavam as duas repúblicas semi-independentes dos sakyas e dos koliyas, com suas capitais em Kapilavatthu e Devadaha, respectivamente. Esses e outros estados tribais não eram governados por reis, mas por concílios compostos por cidadãos destacados, não muito diferente daqueles que governavam as cidades-estado gregas. Os concílios se reuniam frequentemente e qualquer um era livre para expor suas ideias.

A noroeste de Magadha ficava Kosala, a segunda maior e mais poderosa nação daquela época. Durante a maior parte da vida do Buddha, Kosala foi governada pelo rei Pasenadi, da sua capital em Savatthi. Kosala exerceu grande influência sobre os sakyas. A sudeste de Kosala ficava Vamsa, com sua capital em Kosambi, acima do rio Yamuna. Durante grande parte da época de Buddha, Vamsa foi governada pelo rei Udena.

4. O século 5 AEC (Antes da Era Comum) foi um período de transição. Antigas repúblicas tribais se dividiram sob o impacto de reinos predatórios e autocráticos como Kosala e Magadha. As cidades foram se tornando maiores e mais sofisticadas, e as pessoas deixavam seus povoados e fazendas, e migravam para Kosambi, Savatthi, Rājagaha e outros centros urbanos.

5. A sociedade indiana era dividida de forma muito acentuada pelo sistema de castas (catuvana). A casta em que as pessoas nasciam determinava o trabalho que fariam, o seu status na sociedade, com quem se casavam, onde viviam e com quem comiam, na verdade, quase todos os aspectos de suas vidas. A casta mais elevada era dos brāhmanas, que eram os sacerdotes hereditários do Brahmanismo, os educadores e os estudiosos.

Abaixo deles estavam os khattiyas, a casta guerreira, que eram governantes, administradores e soldados. A próxima castas eram os vessa, os mercadores, comerciantes e artesãos. Na parte inferior do sistema de castas estavam os sudas, que trabalhavam como agricultores, operários e trabalhadores braçais. Fora do sistema de castas estavam os candalas, os párias, que eram considerados além dos limites da sociedade civilizada e cujo toque era considerado poluente. Eles viviam na periferia de cidades e aldeias, e eram obrigados a fazer trabalhos degradantes como a coleta de lixo, remoção de cadáveres, curtir couro e varrer as ruas.

O sistema de castas proporcionou à sociedade considerável estabilidade, mas praticamente impossibilitou a mobilidade e as mudanças sociais, além de ter levado a muita crueldade para com as castas inferiores e os considerados párias sociais.

O sistema de castas se originou apenas como uma instituição social, mas, posteriormente, foi integrado ao Brahmanismo e recebeu sanção religiosa, sendo que a maior parte da literatura brāhmana e hinduísta aceita o sistema de castas como algo decretado por Deus.

6. A escrita era conhecida no tempo do Buddha, mas não era muito utilizada. A razão para isso é que a Índia tinha métodos perfeitos de memorização e transmissão literária, de tal forma que a escrita não era necessária. Os Vedas, os hinos sagrados do Brahmanismo, foram compostos aproximadamente um milênio antes do Buddha, e não foram escritos senão muitos séculos após o Nirvāna final; mas, no entanto, eles foram fielmente preservados. Cantos, lendas, histórias, textos sagrados e uma grande quantidade de outras literaturas que formam a cultura atual foram todos preservados oralmente.

7. A religião predominante na Índia no tempo do Buddha era o Brahmanismo, não o Hinduísmo, como geralmente se acredita – sendo o Hinduísmo uma fusão entre Brahmanismo, Buddhismo e vários cultos folclóricos que surgiram apenas muitos séculos depois do Buddha.

O Brahmanismo acreditava em um deus criador supremo, Brahmā, e em muitos outros deuses menores, tais como Aggi, o deus do fogo, Indra, o rei dos deuses, Yama, o rei do mundo inferior, Suriya, o deus do sol, e assim por diante. Esses deuses eram pacificados com sacrifícios (yaga), que eram lançados em uma fogueira ritual e (assim se acreditava) levados ao céu na fumaça. As pessoas comuns podiam fazer sacrifícios pequenos de grãos ou ghee, mas os ricos e a realeza sacrificavam às vezes grande números de animais, normalmente vacas, mas ocasionalmente mesmo seres humanos.  Sacrifícios eram assuntos muito complexos e acreditava-se que eles trariam as bênçãos dos deuses somente se fossem realizados corretamente. Apenas os brāhmanas, os sacerdotes hereditários, sabiam como executar os rituais de sacrifício corretamente, um conhecimento que eles zelosamente guardavam, e esperavam ser bem pagos por seus serviços. Como resultado disso, os brāhmanas tinham uma merecida reputação de ganância e avareza. Outra prática importante no Brahmanismo era o ritual do banho. Acreditava-se que se uma pessoa fizesse algo maléfico isso poderia ser limpo ou lavado ao banhar-se em certos rios sagrados, o mais popular deles sendo o Ganges.

8. No tempo do Buddha, havia uma insatisfação generalizada com o Brahmanismo e muitas pessoas, incluindo muitos intelectuais brāhmanas, estavam se interessando por novas ideias religiosas. Paralelo ao Brahmanismo e muito mais antigo que este era a tradição dos professores ascetas heterodoxos (samana) que estava começando a atrair interesse crescente. O mais famoso desses ascetas foi Nataputta, conhecido por seus discípulos pelo título Mahāvira Jain (o Grande Herói Vitorioso). Seus seguidores eram conhecidos como os Libertos do Jugo (Nigantha) e a religião que ele fundou veio a ser conhecida como o Jainismo. Nataputta foi um contemporâneo mais velho do Buddha e já tinha muitos discípulos quando o Buddhismo começou. Outro grupo importante de ascetas foram os ajivikas, fundado por Makkhali Gosala. Os ascetas ajivikas andavam nus e ensinavam que ser bom abstendo-se do mal era inútil, porque todos acabariam por encontrar a salvação através do processo de transmigração, tal como uma bola de cordel rolando pelo chão acabará por se desenrolar. Os ajivikas tiveram muitos seguidores influentes e simpatizantes, mas o Buddha os criticou como os piores de todos os ascetas. Alguns dos outros professores bem conhecidos da época foram Ajita do cobertor de cabelo, Purana Kassapa, Pakudha Kaccayana e Sanjaya Belatthiputta, cujas religiões duraram apenas alguns séculos e, em seguida, desapareceram.

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Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
em acordo com o autor
Para Distribuição Gratuita
© 2016 Edições Nalanda

Nota: Este artigo é parte da série O Buddha & Seus Discípulos que está sendo traduzida e cujas partes serão publicadas aqui no site.


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