Sri-Lanka

  1. Tão extraordinário era o Buddha, tão infalivelmente gentil e sábio e tão positivamente o encontro com ele era capaz de mudar a vida das pessoas, que mesmo enquanto estava vivo lendas eram contadas sobre ele. Séculos após seu nirvāna final, por vezes, chegou-se ao estágio em que as lendas e os mitos obscureceram muito o humano real por trás dele e o Buddha veio a ser encarado como um deus. Na verdade, o Buddha era um ser humano, não apenas “um mero humano” como é dito, mas uma classe especial de humano chamado de pessoa completa (mahā-purisa). Pessoas tão completas nascem de forma igual às outras e fisicamente são bastante normais. Porém, através dos seus esforços, elas levam à completude o seu potencial humano, sendo a sua pureza mental e compreensão desenvolvidas até um nível que ultrapassa de longe os seres humanos normais. Buddha, uma pessoa completa, é ainda superior a um deus, porque este é livre da inveja, raiva, favoritismo que, como nos é dito, são coisas capazes de serem sentidas pelos deuses.
  2. Então, como era o Buddha? Como seria encontrá-lo? O Buddha tinha cerca de 1,82 metros, tinha cabelo preto-carvão e uma pele marrom dourada. Quando ele ainda era um homem leigo, ele usava seu cabelo e barba longos, mas, ao renunciar ao mundo, raspou os dois como qualquer outro monge [1]. Todas as fontes concordam que o Buddha era impressionantemente bonito. O brāhmana Sonadanda descreveu-o como “bonito, de boa aparência, agradável aos olhos e com a mais bela tez. Ele tem uma forma e semblante semelhantes a um deus, de modo algum ele é sem atrativos” [2]. Vacchagotta disse isso sobre ele:

É maravilhoso, realmente maravilhoso, como é serena a aparência do bom Gotama, como é clara e radiante sua pele. Assim como um fruto de jujuba dourada no outono é claro e radiante, assim como os frutos da palmeira afrouxadas do caule são claros e radiantes, assim como um adorno de ouro vermelho forjado em um cadinho por um ourives qualificado, habilmente batido e colocado sobre um pano amarelo brilhante, com chamas e brilhos, do mesmo modo os sentidos do bom Gotama são calmos e sua aparência é clara e radiante” [3].

Mas, naturalmente, tendo ele ficado mais velho, seu corpo sucumbiu à impermanência, como acontece com todas as coisas compostas. Ananda descreveu-o assim em sua velhice:

É estranho, Senhor, é um espanto como a pele do Iluminado não já não é clara e radiante, como todos os seus membros estão sem energia e enrugados, como inclinado está seu corpo e como mudanças podem ser vistas no olho, ouvido, nariz, língua e corpo” [4].

No último ano anterior ao seu nirvāna final, o Buddha disse de si mesmo:

Agora estou velho, esgotado, respeitável, andei pelo caminho e, chego ao fim da minha vida estando já com oitenta anos. Da mesma maneira que uma carroça velha só funciona se estiver cheia de remendos, assim também o corpo do Tathāgata só pode seguir em frente se estiver cheio de ataduras” [5].

Contudo, em seu apogeu, as pessoas eram atraídas pela beleza física do Buddha tanto quanto por sua personalidade agradável e seu Dhamma. Simplesmente estar em sua presença podia ter efeitos notáveis sobre as pessoas. Uma vez, Sāriputa conheceu Nakulapita e, ao notar sua atitude pacífica disse a ele: “Professor, seus sentidos são calmos, sua compleição é clara e radiante e, então, eu suponho que hoje você tenha falado diretamente com O Elevado”. Nakulapita respondeu: “Como poderia ser de outra maneira, mestre? Eu acabei de ser espargido do néctar” [6] […].

  1. O Buddha foi um orador magistral. Com uma voz agradável, boa aparência e atitude condizente com o apelo das suas palavras, ele foi capaz de cativar sua audiência. Uttara descreveu assim o que viu em uma reunião na qual o Buddha falava:

Quando ele está ensinando o Dhamma para uma assembleia em um parque, ele não os exalta nem os deprecia, mas sim, ele deleita, eleva, inspira e alegra a audiência com palestras sobre o Dhamma. O som que vem da boca do bom Gotama tem oito características: é distinta e inteligível, doce e audível, fluente e clara, profunda e ressonante. Portanto, quando o bom Gotama instrui um grupo, sua voz não excede a assembleia. Depois de ser deleitada, elevada, inspirada e alegrada, aquela assembleia, levantando de seus lugares, partem relutantes, mantendo seus olhares sobre ele” [7].

O Rei Pasenadi uma vez expressou sua surpresa com a forma como as pessoas ficavam silenciosas e atenciosas quando ouviam as palavras do Buddha.

Eu sou um nobre rei ungido, capaz de executar aqueles merecedores de execução, multar aqueles que merecem uma multa ou exilar aqueles merecedores do exílio. Mas, quando eu estou decidindo um caso, às vezes, as pessoas até me interrompem a mim. Às vezes, sequer tenho a chance de dizer: ‘Enquanto estou falando, senhor, não me interrompa’. Mas quando o Senhor está ensinando o Dhamma a várias assembleias, naquele momento, nem mesmo o som da tosse dos discípulos do Senhor pode ser ouvido. Certa vez, quando o Senhor estava a ensinar o Dhamma, um monge tossiu; um dos seus companheiros da vida santa tocou-o no joelho e disse: “Silêncio, faça silêncio, o Senhor, o nosso professor, está a ensinar-nos o Dhamma”. Quando vi isto pensei: “Que maravilhoso, verdadeiramente maravilhoso, que bem treinado, sem paus nem espadas, que este grupo está” [8].

  1. Embora o Buddha nunca tenha dado motivo para que as pessoas não gostassem dele, havia pessoas que não gostavam, às vezes por ciúmes, por vezes, por discordarem do seu Dhamma e, por vezes, porque ele desafiou suas crenças diante da fria luz da razão. Uma vez, quando estava hospedado em Kapilavatthu, Dandapani Sakya perguntou o que ele ensinou e quando o Buddha disse a ele, Dandapani não ficou impressionado, “balançando a cabeça, sacudindo sua língua, partiu apoiado em sua bengala, com a testa franzida com três rugas” [9]. O Buddha não foi atrás dele a fim de tentar convencê-lo sobre a verdade de sua mensagem. O Buddha respondeu a todas as críticas explicando de maneira calma e clara porque fez o que fez e o fazia quando era necessário corrigir um mal-entendimento que dava surgimento a uma crítica. Sempre esta calmo, educado e sorridente em face à crítica e estimulava seus discípulos a fazer o mesmo.

Se alguém me criticar, ou ao Dhamma, ou à Sangha, não devem ficar zangados, com ressentimento ou aborrecidos. Pois tal ocorrência irá atrapalhar-vos e não serão capazes de saber se a crítica está correta ou errada. Vão ficar zangados?” “Não, Senhor”. “Assim, se alguém me criticar, ao Dhamma ou à Sangha, então apenas expliquem o que está incorreto, dizendo: “Isso está incorreto, isso não está certo, não é o nosso modo, nós não fazemos isso” [10].

Por vezes, o Buddha não era criticado, mas era abusado ‘com palavras rudes e duras’. Nesses momentos, ele costumava manter um digno silêncio.

  1. O Buddha é frequentemente visto como uma pessoa gentil e amável e, de fato, ele era; mas isso não significa que ele não fazia críticas quando pensava ser necessário. Ele era muito crítico em relação a outros grupos ascéticos da época, acreditando que suas falsas doutrinas enganavam as pessoas. Sobre os jainistas, ele disse: “Os jainistas são incrédulos, imorais, sem vergonha e imprudentes. Eles não são companheiros dos bons homens, eles se exaltam e denigrem os outros. Os jainistas se apegam a coisas materiais e renunciam a elas. Eles são trapaceiros, têm maus desejos e ideias perversas” [11]. Quando, através de mal-entendido, monges buddhistas ensinavam versões distorcidas do Dhamma, o Buddha repreenderia dizendo: “Você, homem tolo, como poderia pensar que eu iria ensinar o Dhamma desse modo!” [12]. Mas suas repreensões e castigos nunca foram para machucar, mas para estimular as pessoas a fazer mais esforços ou a reexaminar suas ações ou crenças.
  2. A rotina diária do Buddha era muito cheia. Ele dormia à noite por apenas uma hora, acordava e passava o início da manhã em meditação, muitas vezes fazendo meditação da amorosidade. Ao amanhecer, ele costumava andar para cima e para baixo para se exercitar e depois falava com as pessoas que vinham visitá-lo. Pouco antes do meio-dia, ele tomava seu manto e a tigela e ia para a cidade, vila ou aldeia mais próxima para pedir alimento. Ele ficava em silêncio em cada porta e recebia com gratidão em sua tigela qualquer que fosse o alimento que as pessoas preparavam para lhe oferecer. Quando ele já tinha o suficiente, ele retornava para o lugar onde estava hospedado ou talvez ia para uma área florestal nas redondezas a fim de comer. Ele costumava se alimentar apenas uma vez por dia. Depois que se tornou famoso, ele era frequentemente convidado para fazer sua refeição na casa das pessoas e, sendo um convidado de honra, lhe era dado comida suntuosa, algo que por vezes outros ascetas o criticavam. Nas ocasiões em que ia comer, ele lavava suas próprias mãos e tigela após as refeições e, então, dava uma pequena palestra sobre o Dhamma. Logo após as refeições ele usualmente se deitava para descansar ou, às vezes, tirava uma soneca. Como em todas as noites, era hábito do Buddha deitar-se na postura do leão (sihāsana) em seu lado direito, com uma das mãos sob a cabeça e os pés colocados um sobre o outro. Na parte da tarde, ele conversava com as pessoas que tinham vindo para vê-lo, dar instruções aos monges ou, se necessário, visitar as pessoas, a fim de falar com elas sobre o Dhamma. Tarde da noite quando todos estavam dormindo, o Buddha se sentava em silêncio e, às vezes, devas podiam aparecer e fazer-lhe perguntas. Como os outros monges, o Buddha costumava vagar de lugar em lugar por nove meses do ano, o que lhe dava a oportunidade de conhecer pessoas e, em seguida, estabelecer-se pelos três meses do período chuvoso (vassa). Durante o período de chuvas ele normalmente ficava em cabanas (kuti) que foram construídas para ele em diversos locais como no Pico dos Abutres, o Jetavana ou o Parque dos Bambus. Ānanda avisava aos visitantes que se aproximando da cabana do Buddha, deviam tossir ou bater e que o Buddha iria abrir a porta. Às vezes, Buddha instruía Ānanda a não deixar as pessoas perturbá-lo. Lemos sobre um homem que, ao ser informado que o Buddha não queria ver ninguém, sentou-se na frente da residência do Buddha dizendo: “Não vou embora até vê-lo”. Quando ele estava em viagem, o Buddha dormia em qualquer lugar – debaixo de uma árvore, em uma casa de repouso na estrada, na vertente de um oleiro. Uma vez, Hatthaka viu Buddha dormindo a céu aberto e perguntou-lhe: “Você está feliz?” O Buddha respondeu que ele estava. Então, Hatthaka disse: “Mas, senhor, as noites de inverno são frias, a meia lua escura é o tempo da geada. O chão foi pisoteado duro pelos cascos dos bovinos, o tapete de folhas caídas é fina, há poucas folhas das árvores, seu manto laranja é fino e o vento é frio”. O Buddha reafirmou que, apesar de seu simples e austero estilo de vida, ele ainda estava feliz [13].
  3. Porque ele era tão ocupado com o ministério de seus ensinamentos e porque ele era muitas vezes abordado para aconselhamento sobre diferentes assuntos, às vezes ele sentia a necessidade de estar completamente sozinho. Em várias ocasiões, ele disse a Ānanda que ficaria sozinho e que somente aqueles que lhe trouxessem sua comida deveriam vir e vê-lo [14]. Os críticos do Buddha disseram que ele procurou a solidão porque lhe era difícil responder às questões colocadas pelas pessoas e porque ele pretendia evitar debates públicos. O asceta Nigrodha disse sobre ele: “A sabedoria do asceta Gotama é destruída pela vida solitária, ele não está acostumado a assembleias, não é bom em debates, ele está desconectado” [15]. Mais frequentemente, o Buddha se fazia disponível para qualquer um que precisasse dele – para inspiração, conforto e orientação para seguir o caminho. De fato, a coisa mais atraente e notável sobre a personalidade do Buddha era o amor e a compaixão com a qual cobria a todos. Parecia que essas qualidades eram a razão de tudo que ele fazia. Mas o próprio Buddha dizia: “Enquanto o Tathāgata ou seus discípulos viverem no mundo, isso será feito para o bem de muitos, para a felicidade de muitos, por compaixão ao mundo” [16].

Notas:

  1. M,I:163.
  2. D,I:115.
  3. A,I:181.
  4. S,V:217.
  5. D,II:100.
  6. S,III:2.
  7. M,II:140.
  8. M,II:122.
  9. M,I:108.
  10. D,I:3.
  11. A,V:150.
  12. M,I:132.
  13. A,I:136.
  14. S,V:11.
  15. D,III:38.
  16. A,II:146.

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Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
em acordo com o autor
Para Distribuição Gratuita
© 2016 Edições Nalanda

Nota: Este artigo é parte da série O Buddha & Seus Discípulos que está sendo traduzida e cujas partes serão publicadas aqui no site.


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