~ Ven. S. Dhammika ~

Tal como acontece com outras religiões existem diferentes opiniões dentro do Buddhismo sobre a homossexualidade. Até agora, o líder buddhista de mais alto perfil a comentar sobre questões envolvidas com o tema foi o Dalai Lama. Numa conferência de imprensa, em 1997, ele disse: “De um ponto de vista buddhista (a homossexualidade)… é geralmente considerada má conduta sexual”.

O Dalai Lama é uma pessoa sábia e boa, mas também é, de muitas maneiras, um tibetano muito tradicional – e a cultura tibetana tradicional, como muitas culturas, tem ideias distorcidas e confusas sobre a homossexualidade. No Buddhismo Tibetano, as ideias sobre homossexualidade derivam dos sūtras e dos śastras, datando o mais antigo de aproximadamente quatrocentos anos depois de Buddha. Nessa altura, algumas correntes do Buddhismo Indiano foram influenciadas por diversas noções indianas populares e  nele incorporadas, às vezes com resultados infelizes. Uma ideia do tipo foi a de que os atos sexuais podem ser julgados certos ou errados na dependência de “lugar, pessoa e orifício”. Assim, por exemplo, fazer sexo perto de um templo ou stupa é fazer num lugar errado, com outra pessoa que não o cônjuge é com uma pessoa errada e em qualquer orifício que não seja a vagina é um orifício errado. Este é um bom exemplo da tendência à numeração, sub-divisão, categorização que se tornou dominante no pensamento monacal do Buddhismo mais tardio. E não é preciso muito para ver que isso não tem fundamento do ponto de vista do Buddha.

Como exatamente o kamma distingue um orifício do outro? Outros problemas surgem quando tomamos conhecimento de que muitos homens homossexuais praticam sexo intercrural e masturbação mútua, em vez de sexo com penetração. E exatamente qual órgão sexual iria uma lésbica usar para penetrar a vagina de sua parceira? Relata-se que o Dalai Lama também tenha dito que ele tinha dificuldade em imaginar a mecânica do sexo homossexual, dizendo que a natureza providenciou órgãos masculinos e femininos “de tal forma que sejam bastante ajustáveis… órgãos do mesmo sexo não podem funcionar bem”. Esta frase revela a ignorância e a ingenuidade do Dalai Lama no que concerne ao sexo, e talvez a alguns aspectos do Dhamma também. Os julgamentos éticos buddhistas nada têm que ver com duas partes corporais, ajustando-se ou não,  “de forma apropriada”. As pessoas comumente limpam os seus ouvidos com um dedo apesar do dedo não caber apropriadamente no canal auditivo. Será que isto quer dizer que produzem kamma negativo a cada vez que limpam os seus ouvidos com um dedo? Também, o argumento de ser “anti-natural” tem tão pouco sentido como é irrelevante no que respeita ao Dhamma. Se a homossexualidade é anti-natural então o celibato ainda o é mais e, então, os monges estão a quebrar o terceiro preceito ao absterem-se de sexo. Como mencionado antes, o critério do Buddha de certo e errado não é baseado na ideia de natural e anti-natural, que são convenções sociais construídas, mas na intenção por detrás do ato.

Após os comentários feitos pelo Dalai Lama em 1997 ele foi criticado por diversos grupos de defesa dos gays. Junto a promoção do Dhamma, o maior objetivo das viagens do Dalai Lama pelo Ocidente é obter apoio para a luta para a liberdade do Tibet e para esse fim ele deseja ansiosamente não alienar a qualquer um. No momento em que se deu conta do que fez ele pediu um encontro com os representantes dos gays e das lésbicas e expressou “seu desejo de considerar a possibilidade de que alguns dos ensinamentos sejam específicos a um contexto histórico e cultural particulares”. Dawa Tsering, porta-voz do Escritório Tibetano, divulgou um comunicado politicamente correto e seguro. “Sua Santidade se opõe à violência e à discriminação baseada na orientação sexual. Ele pede respeito, tolerância, compaixão e o reconhecimento pleno dos direitos humanos para todos”. Apesar disso, é provável que o Dalai Lama continue a aderir à ideia tradicional tibetana sobre a homossexualidade.

Um dos mais articulados monges buddhistas ocidentais, Ajahn Brahmavamso, tem falado inúmeras vezes sobre a homossexualidade a partir da perspectiva buddhista. Na Conferência Buddhista Global, em 2000, ele disse o seguinte: “No entanto, o estudo do significado buddhista do termo má conduta sexual certamente não inclui atividades homossexuais. E é fascinante que o Buddha certamente tinha consciência a respeito da homossexualidade no seu tempo. Muitos casos foram mencionados nas escrituras antigas, especialmente no Vinaya… Quando falamos sobre o terceiro preceito, que literalmente diz respeito a adultério ou sexo ilícito, especialmente entre um homem ou uma mulher que não eram casados e no que tange a relações sexuais consideradas inadequadas naquela época; mas, certamente não inclui atividades homossexuais e lésbicas. Assim, quando olhamos para as questões de ética da homossexualidade, não podemos usar os cinco preceitos, pois eles não se aplicam. O fato disso não ser mencionado é uma indicação de que o Buddha pensou que isso não é assim tão mau que deva ser uma atividade incluída nos Preceitos. Assim, e usando a lógica, temos que tratar a homossexualidade e as relações lésbicas na mesma categoria que as relações heterossexuais. Em outras palavras, a lei do kamma, i.e., o entendimento do bem e do que nos leva à felicidade nas vidas futuras e à felicidade nesta vida…. o que significa, então, dizer que temos que olhar a homossexualidade à mesma luz que a heterossexualidade, por outras palavras, se for uma relação de amor, cuidado e de não exploração, com consentimento de adultos de idade apropriada, parece então que nada há de moralmente errado com isso. Na verdade, há muitos discípulos em Perth que têm relacionamentos homossexuais e eles estão muito satisfeitos em saber que são aceitos na ordem buddhista e que eles podem vir e praticar o Dhamma. E, de fato, eles são bons buddhistas que servem a comunidade buddhista no oeste da Austrália, e em outros lugares, com cuidado e atenção, o que é muito louvável. Eles aprendem maneiras maravilhosas de viver com seus parceiros de maneira salutar, em ambientes saudáveis, em relacionamentos de afeto, com as palestras e orientação do Buddhismo, o que beneficia a eles e a outros também… Com relação ao kamma, isso dependerá de como você exerce sua homossexualidade, e não o fato de você ser homossexual…”

Embora existam alguns dissidentes, a maioria dos professores e estudiosos buddhistas ocidentais concordam que a homossexualidade como tal, não é imoral. Os críticos dessa posição poderiam apontar que os buddhistas ocidentais são mais influenciados pelos valores liberais modernos do que eles são pelo autêntico buddhismo, e que os buddhistas tradicionais asiáticos têm uma atitude muito diferente em relação à homossexualidade. Mas muitos líderes buddhistas asiáticos concordam com seus colegas ocidentais. O Venerável K. Sri Dhammananda, o sumo sarcedote chefe da Malásia, havia dito: “Em suma, a homossexualidade, assim como a heterossexualidade, surge da ignorância e certamente não é “pecaminosa” num sentido cristão. Todas as formas de sexo aumentam a luxúria, o desejo sedento e o apego ao corpo. Com sabedoria nós aprendemos a crescer para fora desses apegos. Nós não condenamos a homossexualidade como errada e pecaminosa, mas tampouco a avalizamos, simplesmente porque, como outras formas de sexo, isso retarda nossa libertação do Saṁsāra”. Em uma comunicação pessoal com o Venerável Dhammananda sobre a questão da homossexualidade ele me disse: “Eu não posso ver ao que toda essa preocupação exagerada se refere. Tudo é sobre se você é bom, não sobre o sexo da pessoa com quem você está dormindo”.

Em agosto de 2011, a Associação Jovem Buddhista da Malásia realizou um seminário chamado “Homossexualidade: Controvérsia em Meio à Moralidade e aos Valores Sociais”. Os três palestrantes, líderes buddhistas da Malásia, Bhikkhuni Miao Jan, Ang Choo Hong e Yap Hok Heng, afirmaram que a homossexualidade não é contrária à ética buddhista, esclareceram vários argumentos opostos à homossexualidade, e fizeram apelos para uma melhor compreensão da homossexualidade. Outros importantes monges e monjas buddhistas da Ásia, com atitudes semelhantes, incluem Bellanvila Sudaththa do Sri Lanka, o conhecido monge erudito tailandês Bhikkhu Mettanando e a Bhikkhuni Zhao Hui de Taiwan.

Em outubro de 2013, um grupo dos mais altos líderes religiosos assinaram uma petição exigindo do primeiro-ministro britânico, John Cameron, que repensasse seus planos para legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Dos 53 signatários, o único buddhista era o Sr. John Beard, membro do BBV. O Sr. Beard não é um acadêmico do Buddhismo, é pouco conhecido além dos limites da organização da qual é membro e não representa a Comunidade Buddhista Britânica, nem mesmo a comunidade Theravāda numa capacidade oficial, nem sua opinião é apoiada dentro da comunidade. Nenhum líder buddhista, acadêmicos ou monges, assinaram a petição.


Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
em acordo com o autor
Para Distribuição Gratuita
© 2015 Edições Nalanda

Nota: Este artigo é parte da série Buddhismo e as questões LGBT que está sendo traduzida e cujas partes serão publicadas aqui no site.


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