Ajahn Buddhadasa e a tradição das Florestas da Tailândia

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Ajahn Buddhadasa e a tradição das Florestas da Tailândia

Após o Sr. Michael Beisert omitir pedaços de cartas que contrariavam suas afirmações e acusar toda a sangha monástica birmanesa, o passo seguinte foi ele afirmar que utilizo “uma maneira esperta e sutil de atribuir-[me] um tipo de qualificação que na verdade não é possuída”.

Para provar isso, sua argumentação é baseada no seguinte raciocínio:

  1. O tipo de formação meditativa do Ricardo, de acordo com o que pode ser constatado na sua biografia, é a meditação Vipassana”.
  2. Ajaan Buddhadasa é identificado como um dos seus principais mestres”.
  3. Ricardo identifica Ajaan Buddhadasa com a tradição das florestas da Tailândia”.
  4. Não é correto identificá-lo (Ajahn Buddhadasa) como pertencente à tradição das florestas”.
  5. Portanto “Essa vinculação do Ricardo à Buddhadasa e deste à tradição das florestas da Tailândia parece ser uma maneira esperta e sutil de atribuir-se um tipo de qualificação que na verdade não é possuída”.

Primeiramente, não irei comentar a inclusão do item 3 e 4 que nada têm a ver com a conclusão no item 5.

Em segundo lugar, um esclarecimento: em nenhuma parte do site está dito que minha formação é exclusiva em vipassana e que ela estaria vinculada com a tradição das florestas. Fica claro no site que tive contato com vários professores, em várias tradições; e, na verdade, tal página só foi publicada depois de vários anos da existência do Nalanda, a fim de atender a perguntas de por onde eu tinha estudado e lugares visitados e a conveniência de precisar então apenas indicar um link ao invés de sempre ter que escrever um email a respeito. Em nenhuma parte da página da biografia é usado de ostentação, afirmações extraordinárias ou maneiras “espertas e sutis”. Todos os professores e centros citados são facilmente acessíveis e podem ser contatados para perguntarem se me conhecem. Entre os que já faleceram, em vários deles meu nome ou do Nalanda aparecem citados, seja em seus sites ou em livros, ou podem ser acessados via alunos. Ou seja, o Sr. Michael inventa afirmações que estariam no site do Nalanda para poder ter o que criticar.

Dito isso, vamos, então, ver se conseguimos entender o argumento do Sr. Michael Beisert. Ele diz que Ajahn Buddhadasa não pode ser identificado como “pertencente à tradição das florestas da Tailândia, pois ele não foi ordenado nessa tradição e não teve mestres dessa tradição”. Em seguida ele diz que tal tradição “teve a sua origem com Ajaan Mun e Ajaan Sao”.

  • Disso se conclui que o Sr. Michael Beisert acredita que Ajaan Mun e Ajaan Sao, quando “originaram” (segundo o Sr. Michael Beisert) a tradição das florestas, foram em algum cartório para registrá-la?
  • O Sr. Michael Beisert acredita que só havia Ajaan Mun e Ajaan Sao como únicos monges com um mesmo tipo de prática em toda a Thailândia dos séculos 19 e 20 e que foi nessa época que tal tradição surgiu?

Ora, é amplamente sabido que Ajahn Mun (Man) e Ajahn Sao não foram os criadores da tradição das florestas. ‘Tradição das Florestas’ não é o nome de alguma associação que alguma pessoa resolveu criar numa determinada época. A ‘Tradição das Florestas’ começou com o próprio Buddha e designa um estilo adotado por monges, no decorrer da história, que resolveram seguir o estilo de vida simples e austero do próprio Buddha, ora itinerante ora circunscrito a florestas e cavernas, sempre próximos à natureza, em oposição aos monges que escolhem viver em mosteiros nas cidades. Como um site ligado a Ajahn Chah (discípulo de Ajahn Man), da ‘Tradição das Florestas’, diz: “De fato, a Tradição das Florestas num certo sentido antecede o Buddha, pois era uma prática comum de buscadores espirituais na antiga Índia deixar sua vida na cidade e no vilarejo e vagar pelo mundo das florestas e das montanhas. O próprio Buddha se juntou a essa tradição com a idade de vinte e nove anos”.

Ajahn Sao e seu aluno Ajahn Man foram grandes mestres da Thailândia e são considerados como aqueles que lideraram o movimento de reavivamento da ‘Tradição das Florestas’ no nordeste da Thailândia no início do século 20. E como está na página de Wat Suan Mokkh, o mosteiro criado por Ajahn Buddhadasa: “Assim, ele estabeleceu Suan Mokkhabalarama (O Jardim do Poder da Libertação) em 1932, perto de sua cidade natal de Pum Riang (hoje no distrito de Chaiya). Na época, ele era o único Centro de Dhamma da Floresta e um dos poucos lugares dedicados à meditação vipassana no sul da Thailândia”. Igualmente há uma tradição das florestas também na Birmânia e no Sri Lanka.

Desde então, a tradição vipassana do nordeste da Thailândia e aquela do sul, mantiveram constantes contatos, com monges de um e outro se visitando mutuamente. E isso posso falar porque vivi pessoalmente situações de intercâmbio e amizade, pois conheci Ajahn Chah e Ajahn Buddhadasa pessoalmente.

Entretanto, o Sr. Michael Beisert dá a entender que por ele achar que Ajahn Buddhadasa não faça parte da tradição das florestas da Thailândia, isso significa que Buddhadasa não ensinaria vipassana, discordando, duplamente portanto, do próprio Ajahn Buddhadasa. Para alguém que já acusou toda a Sangha monástica birmanesa de ter títulos falsos e enganosos, não é preciso muito para chamar um outro grande mestre da tradição thailandesa de mentiroso.

Contrariando o conhecimento comum sobre a tradição das florestas e as palavras do próprio Ajahn Buddhadasa e outros, o Sr. Michael Beisert conclui: “Essa vinculação do Ricardo à Buddhadasa e deste à tradição das florestas da Tailândia parece ser uma maneira esperta e sutil de atribuir-se um tipo de qualificação que na verdade não é possuída”.

Novamente, nenhum tipo de qualificação, ainda mais de “maneira esperta e sutil” aparece no site, apesar de sua afirmação taxativa. Somente para que o leitor se situe sobre quem seja Ajahn Buddhadasa, com o qual o Sr. Michael Beisert discorda duplamente:

  • Segundo a Wisdom Publications: “Ajahn Buddhadasa é talvez o mais influente mestre buddhista na história da Thailândia”.
  • Segundo Jack Kornfield: “Ele nos ensina a verdade do vazio com a mesma forma direta e simples com que nos convida para sua floresta”.
  • Gil Fronsdal considera Ajahn Buddhadasa e Ajahn Chah como dois dos maiores representantes da tradição viva das florestas da Thailândia.
  • O acadêmico D.K. Swearer comparou Ajahn Buddhadasa ao antigo filósofo e mestre indiano Nagarjuna.

Ao contrário da totalidade da tradição Theravada que jamais duvidou do que Ajahn Buddhadasa ensinava, o Sr. Michael Beisert está convicto de que não é vipassana, nem faz parte da tradição das florestas, e estabelecer qualquer ligação com ele é uma prova de “esperteza e sutileza” no sentido de enganar os “incautos e ingênuos”. Com isso, o Sr. Michael Beisert atribui a nomes como Sulak Sivaraksha, Santikaro e Larry Rosenberg as mesmas coisas.

O uso de vinculações como forma de enganar ingênuos

A conclusão do Sr. Michael Beisert é que tudo isso (o mero mencionar no site dois certificados e a vinculação com um professor) é uma artimanha para enganar ingênuos, ainda mais porque nenhuma dessas coisas é verdadeira, segundo ele. A certificação como dhammacariya foi recebida em 2003, depois de 21 anos de prática dedicada ao Buddhismo. A de mahasadhammajotikadhaja em 2010. Segundo o entendimento do Sr. Michael Beisert, então, somente após 2003 eu poderia ter começado a “enganar os incautos e ingênuos”. Ainda, assim, já em 1999, antes mesmo da criação de seu site, o Sr. Michael Beisert veio até um retiro organizado por mim para participar, eu creio, de seu primeiro retiro vipassana, pelo menos no Brasil. Aliás, ele e sua esposa foram muito bem recebidos por mim e pela equipe do Nalanda.

O Nalanda foi criado em 1989. No site do Nalanda é dito que “A Comunidade Buddhista Nalanda é um espaço criado para o entendimento e prática dos ensinamentos primevos do Buddha… buscamos redescobrir os ensinamentos originais do Buddha, investigando as expressões mais antigas de seus ensinamentos, bem como as linhagens de transmissão dos mestres que, através dos séculos, trouxeram o Dhamma precioso até os dias atuais”. Ou seja, o Nalanda nem mesmo se define como exclusivamente Theravada e isso aparece indicado em vários lugares:

  • Nosso intuito principal é colaborar nessa reflexão sobre a mensagem intemporal do Buddha, oferecendo para isso espaços de meditação e estudo, nos quais são realizados cursos, reuniões e retiros. Nossas atividades têm como finalidade ajudar na compreensão teórica e prática do Dhamma (o ensinamento do Buddha); colaborar na transmissão de técnicas de meditação tradicionais; e incentivar a formação de um grupo de pessoas que se esforce por viver segundo tais ensinamentos”.
  • O Nalanda “veicula primariamente os ensinamentos e práticas da Escola Theravada…  apesar de ligados primariamente à escola Theravada, nossas influências foram muitas e por isso mantemos uma firme atitude de harmonia fundamental entre todas as escolas ortodoxas, mantendo laços de amizade com vários centros e professores de outras escolas buddhistas, os quais sempre convidamos para ministrar seus ensinamentos”.
  • Está claramente expresso em nosso “Quem somos” que: “Nosso foco não é em formar instrutores ou professores, não é criar círculos esotéricos de iniciados e não-iniciados, nem estabelecer hierarquias de gurus e discípulos ou antigos e novos; mas, sim, incentivar a existência de amigos dispostos a se ajudarem mutuamente no entendimento e prática dos ensinamentos primevos do Buddha”. Ou seja, nossa ênfase clara é em colaborar na formação de um grupo de amigos e não à idolatria de nomes e professores.

Durante seus 22 anos de existência, publicamos mais de 10 livros em impressão tradicional. Produzimos desde o início um fluxo constante de textos, livros inteiros e palestras em mp3, disponíveis gratuitamente. Fomos os pioneiros no oferecimento de cursos online, e muito antes do Sr. Michael Beisert oferecer leituras de suttas em seu site, já oferecíamos palestras ao vivo gravadas e disponibilizadas por diversos meios. Temos hoje conectados a nós 9 grupos espalhados pelo Brasil e Portugal, provendo reuniões semanais e gratuitas. Mantemos um espaço de prática intensiva que foi o primeiro espaço próprio de um centro Theravada dedicado à prática de retiros longos criado na América do Sul e Central. Comportamos hoje espaço para 34 pessoas que lá podem ir e praticar de forma constante em meio a um ambiente de floresta.

Desde 1990 realizamos retiros curtos de meditação e desde 1994 realizamos retiros de 10 dias, incluindo dois a três eventos anuais com professores internacionais de renome. O primeiro retiro longo (10 dias) de vipassana da história do Brasil (o segundo da América Latina), até onde vai meu conhecimento, foi organizado e realizado pelo Nalanda. Sem precisar inventar nada, podemos falar com uma consciência limpa que trouxemos Vipassana em sua modalidade de retiros longos para o Brasil. Foi o Nalanda que trouxe ao conhecimento do cidadão brasileiro comum, e pela primeira vez na história do Brasil, o contato direto com mestres renomados da tradição meditativa do Sri Lanka, de três linhagens meditativas da Birmânia e uma da Thailândia.

E foi através do Nalanda que nomes como vipassana, tradição das florestas, monges de linhagens meditativas internacionais, se tornaram amplamente conhecidos. Artigos escritos e impressos sobre vipassana e a tradição das florestas de nomes como Ajahn Buddhadasa e Ajahn Chah eram distribuídos a alunos do Nalanda e enviados por correio a pessoas distantes, 9 anos antes do site ‘Acesso ao Insight’ do Sr. Michael Beisert ter ido ao ar pela primeira vez. Os “grupos Theravada” que o Sr. Michael Beisert me acusa de “ação extrema discriminatória” foram ou apresentados ao Theravada por mim ou foram apresentados aos monges atuais com os quais se dizem conectados graças à iniciativa minha e do Nalanda, ainda que nada disso jamais apareça ou seja citado em tais grupos. Tais monges e professores de renome, que por meu intermédio e iniciativa pessoal e exclusiva, vieram ao Brasil com base em seu conhecimento prévio e pessoal a meu respeito. Se alguém tiver alguma dúvida sobre isso basta contatá-los diretamente.

Tudo isso foi feito antes e independentemente de qualquer citação de títulos e certificados, e é mostrado aqui unicamente para responder à afirmação frustrada do Sr. Michael Beisert de que utilizo de atribuições falsas e “maneiras espertas e sutis” destinadas a enganar alunos cegos e ingênuos ao redor de um líder conivente com ditaduras, claramente voltado para impedir o crescimento do Theravada.

Meu nome e eventuais títulos aparecem em livros internacionais, conferências acadêmicas e em acordos com instituições educacionais estrangeiras. Para o Sr. Michael Beisert todos esses acadêmicos, monges, reverendos, editores, foram também ludibriados.

Esclarecidas as questões dos títulos e vinculações, sigamos para a segunda parte de suas críticas:

Continua aqui: A suposta atitude extremamente discriminatória

Índice Geral:

Sobre a estranha e curiosa carta do Sr. Michael Beisert

~ o lamentável uso das escrituras budistas para ataques pessoais 

Os objetos de crítica

~ onde são mostradas as críticas alegadas ao modo de organização das instituições buddhistas e a utlização de seu site para o ataque pessoal ad hominem a outros a fim de criar divisão e mal estar na comunidade

A unilateralidade das críticas

Quais as críticas do Sr. Michael Beisert a mim

Sobre a certificação recebida

~onde são mostradas as omissões de informação a fim de levar o leitor a pensar segundo o autor

A carta respondida a ele

A natureza do título

Esclarecimento sobre a palavra “dhammacariya”

O que foi omitido

Sobre o título recebido

~ onde é evidenciado o preconceito do autor a toda a tradição monástica birmanesa

Esclarecimento sobre o título

Ajahn Buddhadasa e a tradição das Florestas da Tailândia

~ onde é mostrado o desconhecimento do autor a respeito da tradição das floresta, de vipassana e de um de seus grandes mestres

O uso de vinculações como forma de enganar ingênuos

A suposta atitude extremamente discriminatória

~ onde é mostrada a vontade do autor de ser incluído em nosso site e sermos seu divulgador

A suposta atitude hostil do Nalanda

Sobre a saída do Sr. Michael Beisert do CBB

~ onde é mostrada as reais razões do autor ter saído e as trocas que quis fazer para ser reaceito

A gota d’água para a publicação de sua carta

~ onde é mostrado como o seu mal entendimento de uma resposta precipitou seu ataque público

A suposta crítica como inferiores das traduções que não são feitas diretamente do Pali

O último motivo alegado