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por Ven. Dhammika

No seu primeiro sermão feito em Benares, a ‘Roda da Lei’, o Buddha exprimiu aquilo que representa o coração de seu ensinamento. Ele disse:

Esta é a primeira nobre verdade: tudo é dukkha. O nascimento é dukkha, a vida é dukkha, a velhice, a doença, a morte são dukkha. Estar unido àquilo que não se ama é dukkha. Não realizar seus desejos, não realizar suas necessidades são dukkha. Já que isto é um fato, então trabalhem sem descanso. Vocês devem ter três metas na vida, já que a vida é assim: a primeira meta é a de trabalhar para suprimir dukkha. Se esta nobre meta não pode ser alcançada, há uma segunda nobre meta, tão nobre quanto a primeira: contribuir para diminuir dukkha. Se não puderem nunca alcançar esta segunda nobre meta, resta-lhes a terceira, tão nobre quanto as duas primeiras: não acumular dukkha“.

O termo “dukkha”, quase intraduzível, significa “sofrimento”, incluindo aí as noções mais profundas da impermanência e da imperfeição. Nada sendo permanente, durável, toda mudança intervirá cedo ou tarde e, quando ela chegar, com certeza haverá sofrimento se for ignorada a lei da impermanência. Logo, é preciso ser consciente de que tudo está constantemente em mudança. Se alguém pensa que pode congelar a coisas para sempre, enfrentará sofrimentos importantes. Por exemplo, um sentimento alegre, uma felicidade, uma paixão, não são permanentes nem eternos. Quando a mudança intervier haverá dor, aflição. Isto parece fácil de compreender; é o mesmo quando nomeamos uma pessoa, indivíduo, um eu. É somente uma combinação de forças, de energias físicas e mentais elas mesmas em perpétua mudança. Logo isso também será dukkha. Ocorre o mesmo com nossas sensações e percepções que sentimos como agradáveis, desagradáveis ou neutras: elas são impermanentes. Dukkha não é nem uma filosofia, nem uma religião, menos ainda uma crença. É uma REALIDADE científica, quer dizer que, a todo o momento, ela é demonstrável e reproduzível. A tal ponto que o Buddha disse: “Vou lhes ensinar a Verdade e o caminho que leva à Verdade“. Ele nos disse que a vida é sofrimento. Então, comecem por observar que vocês não são felizes, que efetivamente vocês vão mal, mal dentro de seus corpos, porque ele envelhece, porque ele degrada, porque ele é mortal.

Observem bem que, dentro de sua psique, isto também não vai bem. Um dia, vocês pensam em qualquer coisa e, no dia seguinte, pensam o contrário. Um dia, vocês dizem a alguém que vocês o amam, no dia seguinte, vocês não podem mais o sentir. Observem bem que o que é verdade num momento, é o erro do outro momento. O caminho para a felicidade é ver que vocês não são felizes ou completamente felizes e que a razão é tudo isso. (E isto não é triste), é que o que é composto será decomposto. Quer vocês gostem ou não, tudo é impermanente; tudo que começou terminará. Observem que isto os deixa tristes, angustiados. Somos tristes porque queremos que isto dure.

O Buddha não disse que as coisas são más, ele disse: “elas são transitórias. Segundo o Buddhismo, a verdade absoluta é que não há nada de absoluto neste mundo, que tudo é relativo, condicionado e impermanente, tudo é dukkha.

A compreensão desta verdade, quer dizer, as coisas tais como são, sem ilusão ou ignorância, é a extinção de dukkha que os guiará ao nirvana.

Então, qual é a origem de dukkha? Encontramos três causas principais responsáveis pelo sofrimento:

1. O Apego : É a sede, o desejo ardente de possuir. É porque sofremos frustrações, sofremos pela falta de amor, que nós desejamos avidamente. Nós nos tornamos escravos de nossos desejos e caímos na paranóia.

  • O apego aos seres humanos, aos seres viventes (sou apegado a minha esposa, a meu marido, aos meus filhos, ao meu cachorro, etc., no que está implícito o prazer dos sentidos: “Se eu sou apegado a você, é para o meu próprio prazer“.)
  • O apego aos bens: a riqueza, a posse, o ter, o saber, etc…
  • O apego às idéias, aos ideais, às opiniões, às crenças, às concepções, à ideologia, etc… É este apego que mais mata no mundo (“Se você não crê no meu Deus, eu te mato”.)

2. A Aversão

3. A Ignorância : Não é uma falta de saber, mas de conhecimento, em particular de ignorar quem somos nós, do ser que somos, de qual é o sentido da vida.

Trabalhando com as três causas de dukkha, o homem vai reencontrar o ser que existe dentro dele, reencontrar o mais parecido à sua imagem quando ele está dentro do ser, dentro daquele que não há diferença entre ele e o outro. Ele alcançará, assim, esta união do céu e da terra e o despertar do homem-Deus interior. “O desapego puro está acima de todas as coisas“, nos disse o Mestre Eckhart.

O desapego não é desprezo nem indiferença, mas liberdade a respeito do que se possui, daquilo que nos possui e daquilo que nós não possuímos. Pelo não-apego podemos sair de nossas memórias, dos traços que nos constituem no instante presente, para descobrir em nós o ser essencial, não apegados à matriz espaço-temporal, quer dizer, à dualidade. Jesus disse que seria preciso não ser apegado a seu pai e à sua mãe… “Não chamar ninguém de pai, mãe” a fim de preservar em nós o sinal do “um”, daquele que gera e dá a vida.

© Venerável Dhammika

© tradução do francês de Ana Carmen Castelo Branco para a Comunidade Buddhista Nalanda, 2006

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Venerável Dhammika

Ven. Dhammika
O Venerável Tawalama Dhammika é um monge do Sri Lanka e é o responsável pelo Centre Bouddhiste International de Genebra. Tornou-se monge com a idade de onze anos, tendo estudado o Buddhismo, pali e sânscrito com o Venerável Mawanané Pemananda, prosseguindo os estudos na Universidade de Colombo (Sri Lanka) e na Sorbonne (França). Está bastante envolvido com o diálogo interreligioso e é membro fundador da plataforma interreligiosa de Genebra.

1 COMMENT

  1. Sofremos muito pelo pouco que nos falta e alegramo-nos pouco pelo muito que temos.

    Isso também é Dukkha,

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