Ven. Dhammasami
Ven. Dhammasami

~ Venerável Khammai Dhammasami ~ 

Como todos sabemos, o Buddha Gotama nasceu como príncipe. Ele viveu como príncipe até os 29 anos. Porém, talvez impulsionado por sua maturidade natural, ele tentou experienciar tantas formas de vida diferentes quanto possível, mesmo antes de renunciar à vida mundana, ocasião em que abandonou a vida de príncipe. Estando consciente de sua busca espiritual, seu pai, o rei Suddhodana, tomou qualquer medida possível para impedir seu filho de deixar a vida mundana. O príncipe Siddhattha era tão inteligente e compassivo que sentiu com todo o seu coração a doença quando foi, de acordo com as escrituras, acidentalmente exposto a um homem doente pela primeira vez. Ele veio a apreciar plenamente as realidades da vida – decadência e morte – mesmo tendo-as visto em apenas uma ocasião. Seu pai não queria que ele visse essas coisas indesejáveis por medo de que ele decidisse se tornar um asceta.

Então, quando estudamos sua vida, sentimos que ele nos compreende, quer sejamos um fazendeiro, um profissional, um chefe de família, um monge, um homem de negócios, um artesão ou, até mesmo, um soldado. Sua filosofia está incorporada em sua vida.

Não obstante, gostaria aqui de sugerir que estudando a vida do Buddha deveríamos compreender sua filosofia. Gostaria de enfocar três coisas importantes em seus ensinamentos: primeiro – determinação; segundo – igualdade de oportunidade; e terceiro – autoconfiança.

Determinação

Ao estudar sua vida, veremos tantas qualidades extraordinárias, tais como paciência, compaixão, autenticidade e determinação que ficaremos inspirados. Determinação é a principal característica em suas vidas como Sumedho, o asceta, como o príncipe Mahājanaka e como príncipe Siddharta. No Buddhismo acreditamos que todos têm potencial para se tornar um Buddha. Depende de cada indivíduo escolher entre tornar-se um Buddha ou um Arahant. Acreditamos que tenha havido muitos Buddhas e que haverá muitos no futuro embora só possa haver um Buddha plenamente autoiluminado por vez.

Quando o atual Buddha Gotama, em uma de suas vidas prévias como o asceta Sumeddho, conheceu um desses Buddhas anteriores, o Buddha Dīpankara, supõe-se que ele já estivesse em condição de libertar-se do sofrimento e tornar-se um Santo (Arahant). Ao invés de aproveitar tal oportunidade para se libertar do sofrimento apenas a si mesmo ele escolheu tomar o rumo muito mais difícil da iluminação pelo qual poderia ajudar muitos outros a escaparem. Embora a compaixão, obviamente, forme a base desse voto, considero que foi a determinação que fez com que ele escolhesse a prática para se tornar um Buddha. Foi previsto por Dīpankara que um dia ele tornar-se-ia um Buddha após eons. Ele não viu isso como algo impossível, ao invés, determinou-se a alcançar o Estado de Buddha a fim de conduzir as pessoas ao caminho para o fim do sofrimento. Se estivesse em seu lugar, eu poderia dizer: “Sem chance, é muito tempo, impossível ou muito difícil”.

Igualdade de Oportunidade

O Buddha foi, tal como Mahāvira, bastante conhecido por sua postura contrária a qualquer forma de discriminação na vida social e religiosa. Ele nunca tirou vantagem por ter nascido em uma família real nem nunca se vangloriou do fato de ter renunciado à vida mundana de um príncipe coroado. Ele foi incondicionalmente contra o sistema de castas. Ele estabeleceu um sistema de ordem feminina monástica num tempo em que as mulheres eram privadas dos direitos de práticas religiosas e vida social. Ele designou duas discípulas principais. Ele designou a senhora Visakha como um dos membros do comitê de investigação que constantemente avaliava o comportamento dos monges. Ele acreditava que a todos deveria ser dada a mesma oportunidade. Ele, certamente, foi bem atento à desigualdade sempre existente em qualquer esfera da vida. O que ele fez foi não legitimar a desigualdade, mas sim abrir oportunidades iguais a todos, de forma que qualquer um pudesse ascender econômica, social ou espiritualmente. Ele aceitou plenamente que a mudança (impermanência) rege a vida. Melhoras são possíveis sob a lei da mudança que ele percebeu ser natural.

Autoconfiança

Autoconfiança é outra característica importante em sua filosofia. Como seres humanos, podemos depender de nós próprios se desenvolvermos nossa habilidade continuamente. Ele não foi um salvador no sentido de salvar alguém de seus próprios pecados. Ao invés, ele foi apenas um guia. Ele queria ser visto apenas como um professor, não Deus ou deus para os supersticiosos. Ele não encorajou a superstição.

O objeto de sua filosofia é a nossa vida real de todos os dias. Se nos distanciarmos de uma abordagem próxima do ser humano, fica difícil compreender Sua vida e filosofia. Ele indicou um caminho de elevação espiritual. As pessoas, incluindo monges e monjas, devem elevar-se a si mesmos pela prática do que ele ensinou.

Ele disse que todos os seres sencientes são responsáveis por suas ações. Isso é chamado kamma (karma em sânscrito). Você pode agir conforme sua escolha, mas tem que arcar com a responsabilidade e quaisquer consequências disso.

Observei todos cantando: “Buddham saranam gacchami”, etc. Vejo o bhajam (canto devocional), se feito com a correta atitude, como uma semente para o desenvolvimento espiritual. Muito embora seja só uma semente, não a árvore nem o fruto, ainda precisa ser nutrida, aguada, oxigenada, de sol e de conhecimento botânico. Não pare no bhajam, mas sim traga os ensinamentos para o dentro de sua vida diária. Esta é a melhor forma de honrar um grande ser como o Buddha.

Perguntas e Respostas

P – O que nós sabemos sobre o primeiro Buddha do qual o senhor falou?

R – Não foi o primeiro Buddha. Ele foi apenas um dos prévios Buddhas. Podemos não ser capazes de saber quem foi o primeiro Buddha, pois o Buddhismo crê que o início não pode ser conhecido. Sabemos sobre Dīpankara Buddha através de referências feitas na vida de Gotama Buddha. Ele nasceu um ser humano que se tornou um Buddha através de seu próprio esforço e ensinou às pessoas o caminho para o fim do sofrimento. Dīpankara Buddha viveu muito antes de Gotama Buddha cujos ensinamentos estamos seguindo.

P – Quando o senhor se tornou monge? O senhor imagina uma vida normal como a nossa? E como o senhor controla a sua mente?

R – Em primeiro lugar, eu não escolhi me tornar um monge. Como parte da tradição do estado de Shan em Myanmar, eu fui, como vários outros garotos, ordenado por um curto período de tempo. Isso é feito para treinar jovens garotos na vida monástica e na cultura buddhista. Assim é como a educação buddhista é passada lá de geração em geração. Foi durante o verão. Penso que fui iniciado com esse propósito. Ninguém me forçou a permanecer ou partir. Hoje, mais de 20 anos passados desde que me ordenei, eu não parti. Minha ordenação inicial aconteceu enquanto eu era muito jovem junto com outros 58 garotos, a maior parte com a mesma idade que eu. Acho que todos eles partiram em muito pouco tempo. Minha tia-avó era uma monja do monastério onde fui ordenado. Ela cuidou de mim como se fosse minha mãe. Vejo agora que ela foi o principal fator que silenciosamente me estimulou a continuar como monge. Ela faleceu quando eu tinha 23 anos.

Eu imaginava como seria uma vida laica lá por volta dos meus 16 anos. Fiquei desiludido com a tensão no instituto monástico em que eu estava recebendo estudos graduados como noviço residente. Por alguma indefinida razão, aconteceu de eu continuar na vida monástica. Mudei-me para outro instituto logo depois. A ideia nunca realmente me ocorreu de novo.

Controlar a nossa mente é o trabalho mais difícil que temos a fazer. Nem sempre é bem sucedido. Às vezes, tenho dificuldade especialmente quando se trata de apego aos livros e da aversão. Mas a vida de exercício monástico buddhista oferece um treinamento muito bom. Há muitos tipos de meditação para ajudar você a controlar sua mente tais como cânticos, meditação sobre coisas repugnantes como nossa própria morte e resíduos, e estudo das escrituras para desenvolver a capacidade mental e devoção.

Esteja aberto às críticas dos seus colegas. Essas poderão ajudá-lo. Moderação na alimentação e não se expor muito às coisas atraentes são algumas das regras que seguimos. O problema comum de controlar nossas mentes é que temos de fazê-lo antes de entender como elas funcionam. Muitas vezes é frustrante controlar sua mente antes de entender como ela funciona. Éramos demasiados jovens para entender isso.

P – Como o senhor controla a sua raiva?

R – Normalmente, de dois modos: primeiro, pelas palavras do Buddha. Ele disse que a raiva destrói física e mentalmente. Ainda que injustiças sejam cometidas contra você, ele disse: “Você não deveria sentir raiva”. A raiva nunca pode ser justificada. Sem se enraivecer, você deve observar a questão da justiça e injustiça. A raiva fere a sua reputação. Tais ensinamentos estão sempre em minha mente e eu tento viver de acordo com isso. Devo enfatizar novamente que nem sempre sou bem sucedido. Porém, se você fizer um esforço, irá certamente conseguir, ao menos, um modesto progresso. Se aceitarmos que a infalibilidade simplesmente não existe e que o mundo é perfeitamente imperfeito, pode-se achar mais fácil perdoar a si mesmo e aos outros. Essa é a forma filosófica de controlar a sua raiva.

A segunda forma de lidar com a raiva é por meio da meditação da vigilância. Se você estiver plenamente vigilante ao objeto como a crítica, a injustiça ou o insulto, você já restringe sua raiva. Você deve detectá-la no exato momento em que ela surge. Então você contempla a raiva em sua mente.

P – Quando o Buddha era jovem, qual era a sua religião? Foi o Hinduísmo?

Ele nasceu numa Índia multi-religiosa do sexto século antes de Cristo. Na vida do Buddha, aprendemos que os brāhmaṇas foram conselheiros de seu pai em muitos assuntos incluindo religião. Não há dúvida de que o Brahmanismo (hoje Hinduísmo) era bem presente. Mas também vemos nas escrituras que logo após o seu nascimento, o asceta Asita veio abençoá-lo. Ele, Asita, também foi relatado como professor do rei Suddhodana, o pai do príncipe Siddhattha. Asita levava uma vida que era bem diferente daquela aprovada no Brahmanismo. Essa interpretação é corroborada pela existência de Ālara Kālama e Udaka Rāmaputta, os dois renomados professores religiosos sob a orientação dos quais o asceta Gotama primeiramente aprendeu meditação. Não estou certo sobre qual seria Sua religião. Todavia, o liberalismo foi certamente a característica daquela sociedade multi-religiosa na qual ele nasceu.

© Ven. Khammai Dhammassami, 1999
© Centro Nalanda, 2009 com a permissão do autor
Tradução de Jorge Luis Furtado para a Comunidade Buddhista Nalanda

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