mallikaPor Maggacitta

Vivia, no tempo do Buddha, uma jovem muito bonita, inteligente e bem educada chamada Mallikā, fonte de alegria para seus pais. Um dia, com seus dezesseis anos recém completados, Mallikā foi com suas amigas até os jardins públicos de flores, levando no seu cesto três porções de arroz para comer. Ao sair pelo portal da cidade, elas se encontraram com um grupo de ascetas que estavam entrando em Sāvatthī para iniciar sua ronda para obter alimentos. O líder do grupo chamou a atenção de Mallikā: um homem cuja magnificência e beleza sublime lhe causou tamanha impressão, que a jovem lhe ofereceu impulsivamente toda a comida que estava na sua cesta.

Esse grande asceta era o Buddha, que permitiu à jovem dispor a oferta em sua tigela. Depois, sem saber a quem tinha oferecido comida, Mallikā prostrou-se aos pés do Buddha e cheia de alegria continuou o seu caminho, o Buddha sorriu. Ananda queria saber por que sorria o Buddha, pois sabia que o Iluminado não o fazia sem alguma razão. O Buddha respondeu que os benefícios da oferta daquela donzela iriam amadurecer no mesmo dia, e nesse dia iria se tornar a rainha de Kosala.

Era algo incrível, como poderia o rei de Kosala elevar uma mulher de casta inferior ao status de rainha? Na Índia daqueles dias, com um sistema de castas tão estrito, era impensável.

O Rei Pasenadi, soberano do reino unido de Benares e Kosala, no vale do Ganges, era o monarca mais poderoso do seu tempo. Naquela época estava em guerra com o seu vizinho Ajatasattu, o rei parricida de Magadha, que lhe havia vencido na última batalha. O Rei Pasenadi tinha sido obrigado a se retirar e regressava agora à sua capital montado em seu cavalo. Mas, justo antes de entrar na cidade, ouviu o canto de uma jovem nos jardins florais. Era Mallikā que, inspirada pela alegria de ter se encontrado com tão ilustre sábio, cantava melodiosamente. O rei, enfeitiçado pelo canto da donzela, cavalgou até os jardins. Mallikā não fugiu do estranho guerreiro, mas sim se aproximou dele, prendeu o cavalo pelas rédeas e olhou diretamente nos olhos do rei. Este perguntou se ela já estava casada, ao que ela respondeu negativamente. Então, o rei desmontou de seu cavalo, se deitou sobre a grama e, apoiando sua cabeça no colo da jovem, deixou que ela lhe consolasse de sua desaventurada batalha.

Quando eles se recuperaram, o rei permitiu que a garota montasse em seu cavalo atrás dele e a levou de volta para a casa de seus pais. À noite, o rei enviou uma comitiva com grande pompa à casa da donzela, com o propósito de levá-la para o palácio e fazê-la sua esposa e rainha principal.

A partir de então, Mallikā, que por sua beleza parecia uma deusa, foi sumamente estimada pelo rei. A notícia se espalhou rapidamente por todo o reino: Mallikā tinha ascendido à mais elevada posição do estado por ter feito uma simples oferenda ao Bem-Aventurado – o que induziu seus súditos a serem amáveis e generosos com seus companheiros. Aonde fosse a rainha, as pessoas proclamavam com satisfação: “Essa é a rainha Mallikā, que deu a oferenda ao Buddha”.

Pouco depois de se tornar rainha, Mallikā foi ver o Iluminado para esclarecer algo que a deixava confusa: Como é possível que uma mulher seja bonita, rica e poderosa; que outra seja bonita, mas pobre e sem poder; que ainda, outra seja pouco agraciada, rica e muito poderosa; e que, finalmente, outra seja feia, pobre, e sem nenhum poder? Tais diferenças podem ser observadas constantemente na vida diária. Mas, enquanto as pessoas comuns e corriqueiras ficam satisfeitas com explicações tão vulgares como o destino, a herança ou a sorte, a Rainha Mallikā queria indagar mais profundamente, pois estava convencida de que nada acontecia sem uma causa.

O Buddha explicou em detalhes que as qualidades e as condições de vida das pessoas, em geral, refletem a natureza moral de suas ações em vidas anteriores. A beleza foi causada pela paciência e docilidade; a prosperidade, pela generosidade; o poder, pelo fato de nunca invejar os outros, mas sim regozijar-se pelo seu êxito. Qualquer uma dessas três virtudes se manifestará nas pessoas que as cultivarem, como seu “destino”; geralmente será uma mescla das três, porque são muito poucas as ocasiões em que uma pessoa se vê favoravelmente dotada dos três atributos. Depois de escutar esse discurso, Mallikā resolveu em seu coração ser sempre amável com seus súditos e não lhes maltratar; oferecer esmolas a todos os monges, aos brāhmanas e aos pobres; e nunca invejar a ninguém que fosse feliz. Finalizada a exposição do Buddha, Mallikā se refugiou na Gema Tríplice e, durante o resto de seus dias, foi sempre uma discípula leal. Depois de converter-se em fiel devota laica de Buddha, Mallikā converteu seu marido ao Dhamma do Buddha.

Um dia, quando o rei se encontrava sobre o parapeito do palácio com a rainha e contemplava a sua terra, perguntou à rainha se existia alguém no mundo a quem ela amasse mais que a si mesma. Ele esperava que ela dissesse “tu”, pois se orgulhava de ter sido ele quem a tinha ascendido à fama e à fortuna. Mas ela foi sincera, e, mesmo amando-o, respondeu que não conhecia ninguém a quem ela amasse mais que a si mesma. Então, a rainha quis saber o que ele responderia a essa mesma pergunta: Amava o rei a alguém – talvez a ela – mais que a si mesmo? Mas o rei Pasenadi teve que admitir do mesmo modo que, também no seu caso, o amor por si mesmo era o que predominava.

Em seguida, o rei se dirigiu ao Buddha e contou-lhe a conversa para conhecer a opinião de um sábio. O Buddha corroborou suas declarações, mas extraiu delas uma lição sobre compaixão e não-violência:

Tendo mentalmente percorrido todos os lugares,

a pessoa não encontra alguém que ame mais do que a si mesma.

Uma vez que os outros também se amam mais do que a qualquer ser,

quem ama a si mesmo não deve prejudicar os outros.

Um dia, compareceu diante do Buddha um homem profundamente afligido pela morte de seu filho. Não era capaz de comer nem trabalhar. Havia caído numa séria depressão e passava o dia no cemitério gritando: “Onde está você, meu filho, meu único filho? Onde você está?”. O Buddha lhe deu uma lição difícil: “Os seres queridos trazem tristeza, lamento, dor, pesar e desespero” – resultado que surge do apego. Ainda que sua própria experiência ratificasse as palavras do Buddha, o homem se sentiu ofendido por esta máxima e saiu mal humorado. A conversa foi transmitida ao rei, que perguntou a sua mulher se era realmente certo que a tristeza poderia ser consequência do amor. “Sim, o Desperto disse isso, ó rei, então é assim”, ela respondeu devotamente.

O rei proibiu que Mallikā aceitasse qualquer palavra do Buddha, como um discípulo de seu guru. Então, ela enviou uma mensagem ao Buddha para saber se sua informação era correta e obter mais detalhes sobre o acontecimento. A resposta do Buddha foi afirmativa e ele lhe deu uma explicação mais completa. Mas Mallikā decidiu não transmitir diretamente a resposta do Buddha ao rei e utilizou em seu lugar uma forma indireta. Assim, Mallikā perguntou ao seu marido se ele amava a sua filha, a sua segunda esposa, o príncipe herdeiro, a ela mesma e ao seu reino. Naturalmente, o rei assentiu: esses cinco eram seus entes mais queridos e ele os amava profundamente. Mas se algo acontecesse com eles, perguntou Mallikā, você não sentiria tristeza, lamento, dor, angústia e desespero por causa desse amor? Então, o rei percebeu e viu quão sabiamente o Buddha compreendia toda a existência: “Muito bem, Mallikā, pode seguir venerando o Bem-Aventurado. E o rei se levantou, descobriu seu ombro, inclinou-se respeitosamente na direção onde residia o Bem-Aventurado e saudou-o três vezes, exclamando: “Homenagem ao Bem-Aventurado, o Arahant, o Ser Completamente Iluminado!”.

Mas a vida desse casal não permaneceu sempre livre de conflitos. Um dia brigaram por causa de um desacordo quanto às obrigações de uma rainha. Por alguma razão, o rei havia ficado bravo com a sua mulher e se negava a olhar para ela, como se a sua esposa tivesse sido dissolvida no ar. No dia seguinte, quando o Buddha chegou ao palácio para comer e perguntou pela rainha, Pasenadi franziu as sobrancelhas e exclamou: “O que acontece com a rainha?” A fama subiu à cabeça dela”. Imediatamente o Iluminado relatou um incidente que aconteceu ao casal real em uma vida anterior quando ambos eram seres celestiais, um casal de deidades que se amava imensamente. Uma noite, com o transbordamento de um rio, as duas deidades foram obrigadas a permanecer separadas. Ambas lamentaram essa noite irrecuperável, que em seus mil anos de existência nesse reino, jamais poderia ser substituída. E durante o resto de seus dias nunca se separaram uma da outra e sempre recordaram aquela separação como uma advertência, de forma que sua felicidade perdurou até o fim de suas vidas.

Movido pelo relato do Buddha, o rei Pasenadi se reconciliou com sua esposa.

Mallikā dedicou os seguintes versos ao Bem-Aventurado:

Ouvi com alegria as destacadas palavras,

que você pronunciou para nosso bem-estar.

Com sua fala minha tristeza se dissipou.

Longa vida a meu asceta, portador de alegria!

Em um momento no qual o Rei Pasenadi estava escutando uma palestra do Dhamma ministrada pelo Buddha, ele recebeu a notícia da morte de Mallikā. A notícia o comoveu tão profundamente que seu pesar não pode ser mitigado sequer pelas palavras do Buddha, que o lembrava de que não havia nada no mundo que pudesse escapar da deterioração e da morte.

Seu apego – “do amor surge a tristeza” – era tão forte que ia visitar o Buddha todos os dias para conhecer o destino de sua esposa. Se tinha que seguir na terra sem ela, ao menos queria saber de seu renascimento. Porém, o Buddha o distraiu durante sete dias com fascinantes e comovedores discursos do Dhamma, de forma que ele só recordava da sua pergunta quando chegava em casa. Somente no sétimo dia o Buddha respondeu a sua pergunta, afirmando que Mallikā havia renascido no paraíso de Tusita, “o paraíso das deidades alegres”. Com a finalidade de não incrementar o pesar do rei, o Buddha não mencionou os sete dias em que sua esposa havia vivido no inferno por causa de uma ação em sua vida presente e que a havia levado ao pior dos renascimentos. Ainda que aquela tenha sido uma estadia muito curta, é possível compreender que Mallikā não alcançou o estado daquele que entra na correnteza durante sua vida na terra, já que quem entra na correnteza não pode renascer num estado inferior ao nível humano. Não obstante, esta experiência de sofrimento infernal, junto com o conhecimento do Dhamma e seus grandes méritos, deve ter acelerado em Mallikā a maturação do alcance ao acesso à correnteza.


Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda


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