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Equanimidade e autocompostura

Entre todas as vicissitudes da vida – ganho e perda, reputação e má fama, elogio e censura, dor e felicidade [1] – o Buddha nunca se alterou. Ele era firme como uma rocha sólida. Tocado pela felicidade ou pela dor ele nunca mostrava nem euforia nem depressão. Jamais encorajou disputas ou animosidade. Dirigindo-se aos monges, disse uma vez: “Não discuto com o mundo, monges. É o mundo que discute comigo. Um expoente do Dhamma não discute com ninguém no mundo”.[2]

Ele admoestou seus discípulos com estas palavras:

“Monges, se outros falarem mal de mim ou do Dhamma ou da Sangha (a Ordem), não tenham por isso pensamentos de inimizade e revanche, nem se preocupem. Se, monges, vocês estão bravos com eles e eles lhes desagradaram, isso irá não apenas impedir seu desenvolvimento mental como vocês também irão falhar em julgar como essa fala é correta ou errada. Vocês devem desenredar o que é falso e tornar tudo claro. Também, monges, se alguém louvar a mim, ou ao Dhamma ou à Sangha, vocês não devem por isso tornar-se eufóricos; pois também isso lhes nublará o desenvolvimento interno. Vocês devem reconhecer o que é certo e mostrar a verdade do que foi dito”.[3]

Nunca houve ocasião em que o Buddha não fosse amigável com alguém – mesmo com oponentes e inimigos. Houve quem se opusesse a ele e sua doutrina, mas o Buddha nunca os considerou como inimigos. Quando outros o repreendiam em termos fortes, o Buddha nem manifestava raiva nem aversão, nem pronunciava uma palavra descortês, mas dizia:

“Assim como um elefante no campo de batalha aguenta flechas atiradas de um arco, assim também eu aguentarei o abuso e expressões de inimizade de outros” [4].

Devadatta

Um impressionante exemplo dessa atitude mental é visto em sua relação com Devadatta. Devadatta era um primo do Buddha que entrou na Ordem e atingiu poderes sobrenaturais do plano mundano (puthujjana-iddhi). Mais tarde, contudo, ele começou a nutrir sentimentos de inveja e má vontade com relação a seus parentes, o Buddha, e seus dois principais discípulos, Sāriputta e Mahā Moggallāna, com a ambição de se tornar o líder da Sangha, a Ordem dos Monges.

Devadatta corroeu o coração de Ajātasattu, o jovem príncipe, o filho do Rei Bimbisāra. Um dia quando o Bem-Aventurado se dirigia a um grupo no monastério de Veluvana, onde o rei também estava presente, Devadatta aproximou-se do Buddha, saudou-o e disse: “Venerável senhor, o senhor está agora enfraquecido pela idade. Que o Mestre viva uma vida de solidão livre de preocupação e cuidados. Eu irei dirigir a Ordem”.

O Buddha rejeitou essa oferta e Devadatta partiu irritado e desconcertado, nutrindo ódio e malícia pelo Bem-Aventurado. Então, com o propósito malicioso de causar mal, ele foi ao Príncipe Ajātasattu, colocou nele as brasas mortais da ambição e disse:

“Jovem, é melhor que você mate seu pai e assuma o reinado, para que você não morra sem se tornar o governante. Eu matarei o Bem-Aventurado e me tornarei o Buddha”.

Então quando Ajātasattu assassinou seu pai e ascendeu ao trono, Devadatta subornou rufiões para assassinar o Buddha, mas fracassando na tentativa, ele mesmo atirou uma rocha no Buddha quando ele subia o Parque de Gijjhakūta em Rājagaha. A rocha rolou, partiu-se em duas e fez um ferimento no Buddha. Mais tarde Devadatta fez com que um elefante intoxicado atacasse o Buddha; mas o animal se prostrou aos pés do Mestre, sobrepujado por sua bondade amorosa. Devadatta, então, procedeu a causar um cisma na Sangha, mas essa discórdia não durou muito. Tendo fracassado em suas intrigas, Devadatta retirou-se, um homem desapontado e quebrado. Logo depois ele adoeceu, e em seu leito de morte, arrependendo-se de suas maldades, desejou ver o Buddha. Mas isso não aconteceria, pois morreu na maca enquanto era levado ao Bem-Aventurado. Antes de sua morte, contudo, balbuciou seu arrependimento e buscou refúgio no Buddha.[5]

 


[1] Esses são os attha loka-dhamma, as oito vicissitudes da vida.

[2] SN. II, 138.

[3] DN. I, 3.

[4] Dhammapada, 310.

[5] Comentário sobre o Dhammapada, Vol. I, p. 147.

 

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