~ Ajahn  Payutto ~

O principal objetivo da Originação Dependente é ilustrar a origem e a cessação do sofrimento (dukkha). O termo dukkha desempenha um papel fundamental no Buddha-Dhamma e aparece em vários ensinamentos-chaves, por exemplo, as Três Características e as Quatro Nobres Verdades. Para entender o completo significado do termo dukkha deve-se deixar de lado a tradução comum de “sofrimento” e examinar a tríplice classificação de dukkha, juntamente com as explicações nos comentários:

  1. Dukkha-dukkhatā: a sensação de dor (dukkha-vedanā), como normalmente entendida, sofrimento físico (por exemplo, dores) e sofrimento mental (por exemplo, tristeza), doença, o sofrimento resultante de encontros com objetos sensoriais indesejáveis e perturbadores.
  2. Vipariṇāma-dukkhatā: o sofrimento associado com a mudança, o sofrimento inerente à felicidade: a felicidade torna-se o sofrimento ou produz sofrimento, devido à transitoriedade da felicidade. Uma pessoa pode se sentir à vontade, sem qualquer perturbação, mas depois de experimentar uma forma mais prazerosa de felicidade, o estado original de tranquilidade pode ser sentido como desagradável. É como se o sofrimento vivesse disfarçado e se manifesta quando a felicidade vai embora. O grau de sofrimento é proporcional ao grau de alegria que o precede. O sofrimento pode até mesmo surgir enquanto se experimenta algo prazeroso, se uma pessoa se torna consciente da natureza fugaz do prazer. E quando o prazer acaba, a tristeza da separação segue em seu rastro.
  3. Saṅkhāra-dukkhatā: dukkha de fenômenos condicionados; dukkha de todas as coisas que surgem de causas e condições, isto é, os cinco agregados (khandha), “via” e  “fruto”, que são classificados como “transcendentes”. Todas as coisas condicionadas são oprimidas por fatores componentes conflitantes; todas as coisas surgem e desaparecem; elas são imperfeitas. Eles existem na ‘corrente’ de causas e condições, as quais geram sofrimento para alguém que não compreende a natureza da condicionalidade, alguém que, com desejo sedento, apego e ignorância, resiste tolamente a esse processo, e que não se envolve nele sabiamente. [88]

O terceiro tipo de dukkha revela a natureza intrínseca dos fenômenos condicionados, mas também possui uma dimensão psicológica. Esse estado de imperfeição e estresse impede a satisfação completa através dos fenômenos condicionados e continuamente causa sofrimento para uma pessoa que se relaciona com as coisas com desejo sedento, apego e ignorância.

O ensinamento da Originação Dependente revela o modo como o inter-relacionamento dos fenômenos assume a forma de um fluxo. Vários aspectos dessa natureza fluida podem ser distinguidos: os fenômenos condicionados são inter-relacionados; eles existem dependentes de outros fenômenos condicionados; são inconstantes, não permanecendo o mesmo nem por um instante; eles não são autônomos – não têm nenhum verdadeiro ‘eu’; e eles não possuem nenhuma causa primordial.

Se visto de outro ângulo, a maneira pela qual os fenômenos se manifestam no mundo – como eles surgem, crescem e decaem – revela a sua natureza fluida. Esta natureza fluida existe porque as coisas são feitas de componentes inter-relacionados. O fluxo de fenômenos flui porque todos os seus componentes são instáveis, inconstantes e sem verdadeira substância. As características particulares dos processos interdependentes tanto apontam para a impossibilidade de uma causa primordial, como também consideram a possibilidade de manifestação de diferentes entidades fluidas.

Se as coisas possuíssem realmente um ‘eu’, elas seriam estáveis. Se as coisas fossem estáveis, mesmo por um momento, elas, por definição, não seriam mutuamente dependentes e não haveria entidades fluidas. Mas, sem um fluxo de fenômenos interdependentes, a natureza não existiria da forma como ela é. Um ‘eu’ ou substância fixa dentro dos fenômenos tornaria verdadeiramente impossíveis as interações causais. Por serem todas as coisas impermanentes, inconstantes, sujeitas à decadência, insubstanciais e interconectadas, há um fluxo de condições manifestando-se como fenômenos naturais distintos.

O termo em pāli para impermanência e instabilidade é aniccatā. O termo para a opressão advinda do nascimento e da decadência, para o estresse, conflito e imperfeição inerentes, é dukkhatā.  O termo para a ‘ausência de um eu’ essencial ou insubstacialidade é anattatā. O ensinamento da Originação Dependente revela essas três características e descreve a sequência inter-relacionada dos fenômenos. O processo da originação dependente refere-se tanto às coisas materiais (rūpa-dhamma) quanto às imateriais (nāma-dhamma), tanto ao mundo material assim como à vida humana, que é composta por atributos tanto físicos quanto mentais. Este processo se manifesta como leis particulares da natureza: 1) dhamma-niyāma: a lei da causa e efeito; 2) utu-niyāma: leis do mundo material (leis físicas); 3) bīja-niyāma: leis que governam as coisas vivas, incluindo a genética (leis biológicas) 4) citta-niyāma: leis que governam o funcionamento da mente (leis psicológicas); e 5) kamma-niyāma: lei do ‘kamma’ (ação intencional), que determina o bem-estar humano e liga-se diretamente à ética [89]

Novamente, todos os processos naturais, incluindo a dinâmica do kamma, são possíveis porque as coisas são impermanentes e insubstanciais. Este fato pode estar em desacordo com a maneira com que as pessoas normalmente pensam. Se as coisas fossem permanentes, estáveis e tivessem um núcleo sólido, nenhuma das leis naturais acima se manteria verdadeira. Além disso, essas leis confirmam que não há uma primeira causa para as coisas, nenhum deus criador.

As coisas condicionadas surgem na dependência de causas e elas estão inter-relacionadas, pois elas não têm um núcleo fixo. Uma cama, para tomar um exemplo simples, é composta de várias partes que foram montadas seguindo um plano estabelecido; não existe nenhuma substância essencial da cama para além desses componentes. Tomando esses componentes separadamente, a cama não mais existe; existe apenas a noção da ‘cama’, o que é um pensamento na mente. Mesmo noções particulares não existem isoladamente, mas estão ligadas a outros conceitos. A noção de ‘cama’ só tem significado em relação às noções de ‘deitar’, ‘um plano de nível’, ‘posição’ e ‘espaço’. Consciência e compreensão das pessoas a respeito de designações particulares estão ligadas ao seu entendimento dos fatores relacionais dessa entidade particular. Mas, uma vez que o reconhecimento do objeto tenha sido feito, o apego habitual na forma de desejo e ganância leva a pessoa a ficar convencida da substancialidade do objeto. O objeto está separado do seu contexto relacional e o verdadeiro discernimento do objeto está obstruído. Egoísmo e possessividade vêm à tona.

As coisas não têm uma ‘primeira causa’ ou fonte original. Mesmo que se rastreiem as causas e consequências ad infinitum, ainda assim não se consegue encontrar uma causa primeira. No entanto, existe um forte impulso nas pessoas a buscarem uma fonte original para os fenômenos, e como consequência, elas atribuem excessiva importância a entidades particulares. Esse impulso para encontrar uma fonte de conflitos com a verdade e as noções associadas com o que é tido como uma fonte é uma forma de ‘aberração da percepção’ (saññā-vipallāsa). As pessoas dão seus inquéritos sobre a causalidade muito cedo. Uma correta investigação deveria investigar a causa do que está sendo tomado como fonte e concluir que essa linha de investigação é infindável. As coisas existem em dependência mútua e, portanto, não existe ‘causa primeira’. De fato, pode-se colocar a questão: porque é necessário que as coisas se originem de uma fonte primordial?

A crença num deus criador é igualmente em desacordo com a natureza. Esta crença surge da observação e da suposição comum de que os seres humanos são responsáveis pela fabricação de coisas como ferramentas, apetrechos e artefatos; por isso, tudo no universo tem de ter um criador. Contudo, a lógica que preside a esse raciocínio tem defeitos. As pessoas separam o ato de produção do contexto natural da condicionalidade. Na verdade, a produção humana é apenas um aspeto da condicionalidade. No ato da produção, os humanos são um fator entre muitos no processo da condicionalidade, em que todos se combinam para alcançar um resultado desejado. A distinção aqui é que num processo puramente material, os fatores mentais acompanhados pela intenção também desempenham um papel. Mas estes fatores mentais têm de combinar com outros fatores num processo condicional para se traduzirem no fim desejado. Por exemplo, quando constrói uma casa, uma pessoa influencia outros fatores na sua concretização. Se os humanos estivessem acima do processo condicional, poderiam construir casas sem mais nem menos, assim, do ar, mas isto é impossível. Desta forma, a criação não está separada da condicionalidade e, uma vez que todas as coisas condicionadas existem como parte de um processo causal em evolução, um deus criador não tem qualquer papel em nenhuma fase desse processo.

Outra linha de raciocínio que contraria a verdade e é similar à ideia de uma “primeira causa” é a ideia de que no começo nada existia [90]. Essa ideia está conectada e deriva da crença no “eu”: a identificação com partes compostas que compõem uma forma individual. Uma pessoa estabelece a noção de eu e se apega a ela. Além disso, ele pode acreditar que originalmente o eu não existia, mas veio a existir em um determinado momento. Essa forma limitada de pensar, de ficar preso a um objeto e não ter uma visão ampla e fluida das coisas é um apego aos rótulos convencionais e um equívoco a respeito da verdade convencional. Ela se esconde por detrás da necessidade de encontrar uma primeira causa ou um deus criador como a fonte de todos os fenômenos, dando origem a tais ideias conflitantes tais: ‘Como algo imortal pode produzir algo que é mortal ou como podem as coisas efêmeras surgir do eterno?’ Em relação ao fluxo causal e inter-relacional dos fenômenos, não é necessário falar de um eu permanente ou temporário, a menos que alguém se refira a uma “verdade convencional” (sammati-sacca). Novamente, alguém pode se perguntar por que é necessário nada ter existido antes que algo possa existir?

Em qualquer caso, a especulação sobre temas como a ‘primeira causa’ e um deus criador é considerada de pouco valor no Buddha-Dhamma porque é irrelevante para a aplicação prática dos ensinamentos que visam o verdadeiro bem-estar espiritual. Embora essas considerações filosóficas possam conduzir a uma visão ampla do mundo, como mostrado acima, elas podem ficar ultrapassadas uma vez que um foco na aplicação prática conduz aos mesmos benefícios. A atenção aqui, portanto, deve ser na aplicação dos ensinamentos na vida cotidiana. [91]

Como mencionado anteriormente, os seres humanos são compostos dos cinco agregados. Nada existe separadamente desses agregados, vivendo dentro ou fora deles. Nada possui ou controla os agregados e governa a vida. Os cinco agregados funcionam segundo a originação dependente; eles são parte do fluxo inter-relacionado de condições. Todos os componentes neste processo são instáveis; todos eles surgem e cessam e, mais que isso, eles condicionam o surgimento e a decadência. A interdependência dos componentes permite haver um processo causal e a corrente contínua de formações.

Os cinco agregados são marcados por três características universais (tilakkhaṇa): 1) eles são impermanentes e instáveis; 2) eles são constantemente oprimidos pelo surgimento e dissolução; eles inevitavelmente produzem o sofrimento daquele que se envolve com eles ignorante da sua natureza verdadeira; e 3) eles são não-eu e não proveem qualquer satisfação àquele que adere a eles como um eu permanente.

Estes cinco agregados, perpetuamente mudando e inerentemente insubstanciais, seguem a sua natureza de acordo com o fluxo das condições inter-relacionadas. Os seres humanos não despertos, no entanto, cometem o erro de resistir ao fluxo ao identificar certas manifestações deste. Assim, eles querem esta “entidade fixa” que dure no tempo ou prossiga de uma forma desejada. Ao mesmo tempo, esse redemoinho de correntes no fluxo das condições gera conflito com o desejo, causando stress e incrementando o desejo e o apego. Quando o desejo é frustrado, a luta para estabelecer, controlar e estabilizar uma entidade torna-se mais intensa, o que resulta num maior desapontamento, angústia e desespero.  Uma leve compreensão da verdade pode levar a que uma pessoa conclua que a mudança é inevitável e que este amado “eu” desapareça, mas essa consideração apenas leva a um mais firme apego misturado com uma ansiedade profunda. Tal estado mental compreende três contaminações: avijjā (ignorância da verdade; a crença errônea num ‘eu permanente’); taṇhā (o desejo de que este suposto ‘eu’ seja desta ou daquela maneira); e upādāna (o agarrar; colando este ‘eu’ às coisas). Essas impurezas estão profundamente entranhadas na mente e controlam o comportamento dos seres humanos, aberta ou dissimuladamente. Moldam as personalidades das pessoas e dão forma ao seu destino. É justo dizer que são a fonte do sofrimento de toda pessoa não desperta.

Os parágrafos anteriores revelaram um conflito entre dois processos distintos:

  1. O curso da vida, que é governado pela lei das três características (anicca, dukkha e anattā), que é uma lei fixa da natureza. [92] Ela se manifesta como nascimento, envelhecimento e morte, em ambos os sentidos: o comum e o mais profundo.
  2. Ignorância do curso da vida; a crença equivocada em um ‘eu’ estável e duradouro, com um subsequente apego, acompanhado por medo e ansiedade.

O conflito é entre a natureza e uma visão equivocada de si mesmo. Uma pessoa constrói um ‘eu’ que impede o fluxo da natureza. Isso resulta em uma vida de ignorância, apego, escravidão, resistência à natureza e sofrimento.

Convencionalmente falando, o segundo processo compreende dois “eus”. O primeiro é o “eu” ou a “entidade” da natureza que muda de acordo com causas e condições. Embora nenhum “eu” verdadeiro exista, é possível separar e distinguir uma dinâmica natural (ou fluxo) de outra dinâmica natural e, para propósitos práticos, pode-se designar um rótulo de “eu” para cada dinâmica individual. O segundo é o falso “eu”, uma “entidade fixa”, que se imagina como real e que se agarra à ignorância, ao desejo sedento e à cobiça. O primeiro “eu”, a entidade dinâmica, não é a causa do apego. Mas o segundo “eu”, que é sobreposto ao primeiro “eu”, é definido pelo apego; é minado pela natureza do primeiro “eu” e, desta maneira, causa sofrimento.

Uma vida de ignorância e apego provoca medo e ansiedade no coração, influencia o comportamento, e torna as pessoas escravas, inconscientes de seus desejos. Ela aumenta o egoísmo (uma eterna busca por satisfação pessoal, possessividade, e uma falta de consideração pelos outros. Isso leva as pessoas a se agarrar e a se identificar com os seus pontos de vista e opiniões. Elas valorizam e se agarram a esses pontos de vista e opiniões como se protegendo a si mesmas. Como resultado, elas constroem uma barreira que as impede de acessar a verdade: elas se escondem da verdade. Esta rigidez da mente significa que suas faculdades essenciais ficam prejudicadas. E isso pode aumentar a obstinação – uma incapacidade de tolerar ou ouvir as opiniões dos outros. Isso leva a crenças sem fundamento, fé cega e comportamento irracional. Pessoas se agarram a essas crenças ingênuas, porque lhe falta autoconfiança e porque elas têm apenas um fraco entendimento dos objetos de sua fé. [93] Ao mesmo tempo, elas estão preocupadas com o falso e fabricado “si mesmo”, com medo de que ele possa morrer a qualquer momento. Elas assim se agarram a qualquer segurança que possa estar ao seu alcance, no entanto o objeto de sua fé permanece obscuro para elas. A ignorância faz crescer um “si mesmo” subjetivo, que deve ser apreendido, carregado, protegido e preservado. A vida se torna restrita e o bem-estar de uma pessoa é moldado pelos destinos deste ‘si mesmo’. Essas repercussões não apenas afetam o indivíduo: o conflito e sofrimento se estendem para o exterior, causando conflito social. Todos os problemas sociais criados por seres humanos brotam de uma vida de ignorância e apego.

A exposição detalhada da Originação Dependente delineia a origem da vida do sofrimento; ela delineia a origem do senso de si mesmo, que inevitavelmente resulta em sofrimento. Quebrar a cadeia da originação dependente é terminar uma vida de sofrimento, erradicar todo o sofrimento que surge do ‘si mesmo’. Isso conduz a uma vida de sabedoria, não apego, liberdade e harmonia com a natureza.

Uma vida de sabedoria – de conhecimento direto da verdade – implica ter um benefício de nosso relacionamento com a natureza, que é equivalente a viver em harmonia com a natureza. Viver em harmonia com a natureza é viver livre e sem apego: uma escapatória do desejo e apego. E uma vida sem apego depende de um conhecimento da condicionalidade, juntamente com uma relação adequada com as coisas.

Os ensinamentos buddhistas não reconhecem uma entidade sobrenatural que exista acima da natureza e tenha controle sobre ela. Se alguma entidade existir para além da natureza, que transcenda a natureza, então, por definição, não pode ter influência na natureza. O que quer que esteja envolvido na natureza é parte da natureza. Fenômenos naturais existem de acordo com causas e condições; eles não nascem atabalhoadamente e não podem surgir exceto de causas e condições. Todas as ocorrências excepcionais que aparecem como milagres ou maravilhas surgem e progridem de acordo com causas e condições. Chamamos a esses eventos de milagres porque as causas e condições permanecem escondidas; assim que essas causas e condições são descobertas, a sensação de maravilha desaparece. Os termos ‘sobrenatural’ e ‘preternatural’ são meramente maneiras de falar; eles não se referem a coisas que existam separadas da natureza. [94]

Uma questão relacionada a isso é a distinção entre ‘homem’ e ‘natureza’. As expressões ‘homem e natureza’ ou ‘o homem controla a natureza’ são simplesmente formas de se falar. De fato, os seres humanos são uma parte da natureza, e os seres humanos podem controlar a natureza apenas na medida em que eles existem como uma condição da natureza, influenciando as condições posteriores e dando origem a resultados particulares. O que é único, no caso da interação do ser humano, é o envolvimento de condições mentais, incluindo a volição, e, por conseguinte, o termo ‘criação’ é utilizado para as atividades humanas. Mas todos os elementos do ato de criação são, sem exceção, fatores condicionais. Os seres humanos são incapazes de criar qualquer coisa ‘do nada’, ou isoladamente como algo separado do processo condicional. Quando os seres humanos compreendem as condições necessárias que conduzem aos resultados almejados, eles entram no processo como um fator determinante, moldando outras condições para chegar ao fim esperado. Há dois estágios para essa interação bem-sucedida: o primeiro é o conhecimento e, o segundo, é agir conforme uma condição para as condições subsequentes. A fase inicial, que equivale à sabedoria, é essencial. Com sabedoria, uma pessoa pode interagir com as coisas de acordo com seus desejos. Um sábio envolvimento com as coisas implica beneficiar sua relação com a natureza, ou, até mesmo, controlar a natureza, e este benefício se estende tanto à relação da pessoa com as coisas materiais como com a mente. Porque os seres humanos e a natureza existem em uma relação mútua, viver com sabedoria é viver em harmonia com a natureza. Com sabedoria, uma pessoa tem controle sobre suas faculdades mentais, controla sua mente e controla a si mesmo.

Uma vida de sabedoria tem duas dimensões: internamente, pessoas sábias são calmas, claras e alegres. Quando encontram objetos agradáveis, elas não ficam seduzidas ou descuidadas. Quando se separam de objetos agradáveis, elas não ficam chateadas ou deprimidas. Elas não confiam sua felicidade às coisas materiais, permitindo que essas coisas governem suas vidas. Externamente, elas são fluentes e ágeis; elas estão preparadas para se relacionar com as coisas de modo apropriado e razoável. Não há apegos internos ou fixações que causem obstrução, preconceito ou confusão.

As seguintes palavras do Buddha demonstram a diferença entre uma vida de apego e uma vida de sabedoria:

Bhikkhus, a pessoa comum não instruída sente uma sensação prazerosa, uma sensação dolorosa, e uma sensação nem-dolorosa-nem-prazerosa [95]. O nobre discípulo instruído também sente uma sensação prazerosa, uma sensação dolorosa, e uma sensação nem-dolorosa-nem-prazerosa. Neste caso, bhikkhus, qual a distinção, a disparidade, a diferença entre o nobre discípulo instruído e a pessoa comum não instruída?

Bhikkhus, quando a pessoa comum não instruída entra em contato com uma sensação dolorosa, ela se entristece e lamenta; ela chora batendo em seu peito e se torna consternada. Ela sente duas sensações – sensação corporal e sensação mental. Suponha que um arqueiro atingisse um homem com um dardo e, então, o atingisse mais tarde com um segundo dardo, de modo que o homem sentiria uma sensação causada por dois dardos. Assim também, quando a pessoa comum não instruída entra em contato com uma sensação dolorosa… ela sente duas sensações – sensação corporal e sensação mental.

Ao ser tocada pela sensação dolorosa, ela guarda aversão a seu respeito. Quando ela guarda aversão em relação à sensação dolorosa, a tendência subjacente em relação à aversão pela sensação dolorosa está por trás disso. Ao ser tocada pela sensação dolorosa, ela busca deleite no prazer sensorial. Por qual razão? Porque quando a pessoa comum não instruída não conhece outro escape da sensação dolorosa a não o prazer sensorial. Quando ela busca o deleite no prazer sensorial, a tendência subjacente em relação à paixão por sensação prazerosa está por trás disso. Ela não entende como realmente é a origem e o desvanecimento, a gratificação, o perigo e o escape no caso das sensações. Quando ela não conhece tais coisas, a tendência subjacente em relação à ignorância pela sensação nem-dolorosa-nem-prazerosa está por trás disso.

Se ela sente uma sensação prazerosa, ela a sente com apego. Se ela sente uma sensação dolorosa, ela a sente com apego. Se ela sente uma sensação nem-dolorosa-nem-prazerosa, ela a sente com apego. Esta, bhikkhus, é chamada de uma pessoa comum não instruída que está presa pelo nascimento, envelhecimento e morte; que está presa pela tristeza, lamento, dor, pesar e desespero; que está presa pelo sofrimento, eu digo.

Bhikkhus, quando um nobre discípulo bem instruído entra em contato com uma sensação dolorosa, ele não se entristece ou lamenta; ele não chora batendo em seu peito nem se torna consternado. Ele sente uma sensação – uma sensação corporal, não uma sensação mental. Suponha que um arqueiro atingisse um homem com um dardo, mas um segundo dardo errasse o alvo, de modo que o homem sentiria uma sensação causada por apenas um dardo. Assim também, quando um nobre discípulo bem instruído entra em contato com uma sensação dolorosa… ele sente uma sensação – uma sensação corporal, não uma sensação mental.

Ao ser tocada pela sensação dolorosa, ele não guarda aversão a seu respeito. Por não guardar aversão em relação à sensação dolorosa, a tendência subjacente em relação à aversão pela sensação dolorosa não jaz por trás disso. Ao ser tocado pela sensação dolorosa, ele não busca deleite no prazer sensorial. Por qual razão? Porque o nobre discípulo bem instruído conhece outro escape da sensação dolorosa que não seja o prazer sensorial. Por não buscar o deleite no prazer sensorial, a tendência subjacente em relação à paixão por sensação prazerosa não jaz por trás disso. Ele entende como realmente é a origem e o desvanecimento, a gratificação, o perigo e o escape no caso das sensações.  [96] Por conhecer tais coisas, a tendência subjacente em relação à ignorância pela sensação nem-dolorosa-nem-prazerosa não jaz por trás disso.

Se ele sente uma sensação prazerosa, ele a sente com desapego. Se ele sente uma sensação dolorosa, ele a sente com desapego. Se ele sente uma sensação nem-dolorosa-nem-prazerosa, ele a sente com desapego. Este, bhikkhus, é chamado de nobre discípulo bem instruído que está livre do nascimento, envelhecimento e morte; que está livre da tristeza, lamento, dor, pesar e desespero; que está livre do sofrimento, eu digo.

Esta, bhikkhus, é a distinção, a disparidade, a diferença entre o nobre discípulo instruído e a pessoa comum não instruída.

A seção precedente enfatizou conhecer as coisas como elas são, saber o que erradicar e o que cultivar no coração, e saber o que é ganho por tal erradicação e cultivo. A conduta apropriada em relação à erradicação e cultivo é uma questão de aplicação prática, que será tratada a seguir.


Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
em acordo com Buddhadhamma Foundation
Para Distribuição Gratuita
© 2013 Edições Nalanda

Nota: “Escritos sobre o Buddha Dhamma” consiste de um conjunto de escritos de um dos mais respeitados monges da Thailândia contemporânea, Venerável Ajahn Payutto.

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