~ Ven. S. Dhammika ~
A tradição cristã de cruzada moral não combina bem com as atitudes buddhistas com respeito à moral. O Buddhismo tradicionalmente ensinou e recomendou os seus valores éticos e, então, deixou aos indivíduos a decisão de respeitá-los ou não, só indo além disso quando o comportamento prejudicasse aos outros. As leis que criminalizam a homossexualidade na Birmânia e no Sri Lanka devem-se mais às atitudes coloniais britânicas do que ao pensamento legal tradicional. A recente campanha, um tanto mal-pensada e aleatória deve-se dizer, contra os pervertidos “gays” no Sri Lanka tem suas origens no recente aumento de um nacionalismo chauvinista, que vê a homossexualidade como “estrangeira”. Ela também pode ter sido incentivada em algum grau pela preocupação recente e compreensível com o turismo sexual generalizado no país.
O Sri Lanka tem sido predominantemente buddhista, mais do que qualquer outro país, e tem uma história que remonta a séculos antes de Cristo. E até à chegada dos europeus no século 16, há uma única referência à homossexualidade. No século 5 da era de Cristo, Buddhaghosa escreveu comentários sobre as escrituras buddhistas, nos quais ele explica pandakas, embora de maneira confusa e estereotipada [2]. Não se encontra uma única referência nos lugares onde mais se esperaria encontrar pelo menos uma nota sobre homossexualidade. O Upāsakajanalankara, por exemplo, texto do Sri Lanka do século 14 para pessoas laicas, inclui uma longa e detalhada seção sobre a má conduta sexual, mas nem uma referência a homossexualidade [3]. Amizades intensas entre pessoas do mesmo sexo, tais como aquela entre o Príncipe Manavamma e o Rei Narasiha, foram registradas no Cullavamsa e eram reconhecidas e celebradas, mas não há qualquer sugestão de eroticismo. Provavelmente a primeira menção à homossexualidade veio de um observador português, no início do século 16. “O pecado da sodomia é tão presente… que nos deixa amedrontados de morar aqui. E se questionamos os homens mais importantes do reino se não têm vergonha de fazer tal coisa, tão suja e feia, a isso respondem que eles fazem tudo que veem o príncipe fazer, porque assim é o costume entre eles”. Embora essas alegações possam ser verdadeiras, devem ser tratadas com cuidado. Missionários cristãos tinham o hábito de descrever as culturas não cristãs como moralmente degeneradas e licenciosas para justificar-se e ganhar apoio aos seus esforços para convertê-las. Talvez um observador mais objetivo do Sri Lanka pré-moderno tenha sido John Knox, um inglês do século 17 que morou por vinte anos no país e falava um cingalês fluente. Sobre o rei de Kandy na época, ele escreveu: “A maioria de seus Criados é composta de Meninos e Jovens, abastados e de boa família. Para conseguir esses Criados, ele ordena a seus Dissavas ou Governadores das regiões que identifiquem e selecionem Meninos decentes e de boa estirpe e os enviem à Corte. Esses Meninos têm a cabeça raspada e só um chumaço de cabelos compridos desce por suas costas. Não que ele seja culpado de Sodomia e a palavra Pecado jamais chega a ser mencionada entre eles” [6].
No que concerne o monasticismo contemporâneo no Sri Lanka, o antropólogo H. L.Seneviratne escreve sobre o “abuso homossexual de jovens nos monastérios’, alegando que isso “geralmente é tomado como uma certeza, sem que se tenha notícia que isso seja praticado por monges ou leigos” [7]. Eu posso apenas dizer que durante minhas duas décadas de experiência como monge no Sri Lanka, eu vi poucas evidências de homossexualidade na Sangha e nunca percebi que isso “era tomado como certo”.
Notas
- Veja Passions of the Cut Sleeve: The Male Homosexual Tradition of China, Bret Hinsch 1992; and The Love of the Samurai: A Thousand Years of Japanese Homosexuality, by Tsuneo Watanabe, 1972
- Homosexuality as Seen in Indian Buddhist Texts’, Leonard Zwilling, in Amala Prajna: Aspects of Buddhist Studies, ed. N.H. Samtani and H. S. Prasad, 1989
- Upasakajanalankara: A Critical Edition and Study, by H. Saddhatissa, 1965
- Cullavamsa LXXIX, 1-60
- Kingship and Conversion in Sixteenth Century Sri Lanka, A. Strathern, 2007, p.122
- Robert Knox, An Historical Relation of the Island of Ceylon, 1681, reprint 1958, p. 35
- The Work of Kings, 1999
Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
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Nota: Este artigo é parte da série Buddhismo e as questões LGBT que está sendo traduzida e cujas partes serão publicadas aqui no site.
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