Centro de Estudos Buddhistas Nalanda

Origens

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A gratidão é uma virtude fundamental. É nesses gigantes do não-sectarismo e do espírito inquiridor que nosso pequeno Nalanda se inspira, se renova e bebe do Dharma, esperançosamente sob o olhar benevolente do mestre de todos, o Bem-Aventurado, Valoroso, Desperto, Buddha:

De Onde Viemos

– princípios e filosofia diretora da Comunidade Buddhista Nalanda

Apesar de após praticar em diversas escolas buddhistas eu acabar por focar meus esforços na escola Theravada do Sudeste Asiático, e daí o Centro Nalanda ser conhecido como pertencente a essa escola, isso não implica em uma visão sectária ou separatista do Buddhismo. Por vezes, as pessoas olham para um centro buddhista e pensam: “Ah, tal centro é de tal linhagem e portanto deve ensinar tal e qual coisa” e projetam toda sorte de preconceitos e expectativas sobre ele. Nem sempre, entretanto, nossas idéias pré-concebidas encontram respaldo na realidade. Além disso, mesmo no Theravada, há várias linhagens, vários tipos de práticas e abordagens. Apesar de receberem a mesma denominação geral, dois centros Theravada podem ser muito diferentes. O mesmo ocorre com centros que genericamente são conhecidos como seguindo o Zen, Terra Pura ou Buddhismo Tibetano. No período que antecedeu minha entrada formal no Buddhismo, um intenso estudo de filosofia e religiões comparadas deu a tônica das iniciativas futuras.

Conhecer profundamente as várias religiões e compreendê-las desde dentro e a partir de suas maiores expressões espirituais, ao invés da geral superficialidade que estudos populares comumente revelam, foi o que aprendi do estudo sistemático de René Guénon, Ananda Coomaraswamy, Frithjof Schuon, Marco Pallis, Titus Burckhart, Seyyed Nasr e outros da corrente de pensamento variadamente conhecida como tradicionalista ou philosophia perennis. A conexão é grande com o perenialismo, na acepção em que o termo é definido pelos nomes acima, e no sentido de que acredito profundamente que certas religiões antigas da humanidade efetivamente manifestam num espaço e tempo delimitados, e numa linguagem apropriada e particular àquela cultura, uma via única e santa em direção à realidade incondicionada e um desdobrar dessa realidade no mundo, manifestando-se em conhecimento, método e graça.

fotos: René Guénon, Ananda Coomaraswamy, Frithjof Schuon, Marco Pallis, Titus Burckhart, Seyyed Nasr

Em meu caminho pelas escolas do Buddhismo, percebo que sempre fui atraído por iniciativas abrangentes, não-sectárias e renovadoras. No Zen, fui atraído particularmente para o Buddhismo Coreano e Vietnamita, que apresentam uma singular abertura a diversos caminhos. Ambos combinam práticas da Terra Pura e do Zen, devoção e austeridade, fé e meditação. Na Terra Pura, aproximei-me dos ensinamentos do Rev. Gyomay Kubose, um pioneiro heróico em quebrar a rigidez nipônica propondo um novo tipo de Buddhismo, que ele chamou de “buddhismo americano” ou “Caminho dda Unidade”, uma iniciativa de combinar os melhores e mais humanos aspectos dos ‘ensinamentos originais de Gautama Buddha, Jodo Shinshu, Buddhismo Zen e Buddhismo Engajado, numa abordagem não-dualista e pan-sectária’. Kubose-sensei, com o qual tive o prazer de conviver, assim como com seu filho e sucessor no Dharma, veio de uma linhagem de pensadores corajosos e brilhantes (Kiyozawa Manshi e Haya Akegarasu) aos quais a filosofia ‘teológica’ japonesa têm uma dívida inegável. Pela primeira vez ele trouxe o zazen (o sentar-se em meditação) a um templo da Terra Pura, algo inovador no Buddhismo Shin japonês e abriu seu templo para o ‘buddhismo primordial’.

fotos: Rev. Kiyozawa Manshi, Rev.Haya Akegarasu, Rev. Gyomay Kubose, Rev. Koyo Kubose

Igualmente, meus melhores mestres no Theravada foram aqueles menos “sectariamente” theravadas, no sentido de que não olhavam o Theravada com uma visão exclusivista. Theravada, para mim, aponta fundamentalmente para um caminho que tem apreço pelas palavras do Buddha – no melhor que possamos compreender e descobrir de seu sentido – e que cuida por sua preservação. E não apenas no Theravada, enquanto escola que se manteve até os dias de hoje, podemos encontrar os resquícios dos ensinamentos originais. É sempre triste encontrar duas atitudes: 1. seguidores do Theravada que são evidentemente fundamentalistas e sectários, prontos a defender aquilo que acreditam ser o ‘verdadeiro’ ensinamento, usando assim, pervertidamente, o Theravada como canal de expressão de sua própria rigidez e estreiteza mental; e 2. seguidores do Mahayana ignorantes de história e que como papagaios repetem o mito dos três giros da roda considerando que tudo o que não leva o nome “mahayana” estampado em letras grandes, evidentemente só poderá ser ‘hinayana’ (o caminho vil e pequeno), caindo assim numa atitude mental das mais opostas ao verdadeiro espírito mahayana de não ofender nem ser obscurecido pela ignorância. Estas duas atitudes, infelizmente comuns em alguns meios, tornam difícil a convivência com seus promulgadores.

Tan Ajahn Buddhadasa, o querido mestre com o qual tive a honra de conviver foi o primeiro monge theravada na história da Thailândia a traduzir um texto mahayana (O Sutra de Huang-po) e comentá-lo ativamente. Em seus ensinamentos e atitudes, trazia exemplos do zen; escreveu sobre terra pura; incentivou a ler os significados mais profundos que jaziam intocados nas escrituras originais; exortou os praticantes do theravada, imersos no estudo de comentários posteriores do Abhidhamma, a voltarem-se para o estudo dos suttas e a buscar as palavras do Buddha mais do que a de comentadores. Inovador, renovador, polêmico, Tan Ajahn e a criação de seu mosteiro Wat Suan Mokkh (Jardim da Libertação) são frequentemente mencionados como “o maior evento da história buddhista desde Buddhaghosa (o famoso comentador do Buddhismo Theravada)” e é dito ser o mestre buddhista mais influente da história da Thailândia. Dialogou e fomentou conferências com cristãos e muçulmanos; recebeu visitas de líderes religiosos de todo o mundo – inclusive do Dalai Lama -, os quais reconheceram seu espírito singular.

Maha Ghosananda, Supremo Patriarca do Buddhismo Cambojano e o primeiro monge theravada com quem tive contato pessoal, era inegavelmente trans-denominacional. Dele era a religião do amor, da paz, passo a passo. Líderes buddhistas de todas as escolas o chamavam de ‘bodhisattva’, e outros de “Gandhi do Camboja”. Suas Dhamma Yetra (caminhadas pela paz) – meditações andando com centenas de pessoas de todo o mundo caminhando pelos campos minados do Camboja – chamavam ambos os lados da guerra, para andar lado a lado.

Sayadaw Rewata Dhamma, o querido mestre que tanto carinho teve por nós e por nossa comunidade no Brasil, foi outra dessas pessoas únicas que não se deixam amarrar pelo exclusivismo caduco, mas corajosamente representam uma ponta de lança a mostrar o caminho da liberdade em relação aos conceitos. Conhecido como um dos Três Leões do Abhidhamma pela comunidade theravada mundial (juntamente com U Silananda e Bhikkhu Bodhi), renomado Aggamahapandita por seu profundo conhecimento do Tipitaka e comentários, professor autorizado nas linhagens de Mahasi Sayadaw, Mogok Sayadaw e U Ba Khin, o Ven. Rewata Dhamma também era um profundo estudioso do Mahayana e do Buddhismo Tibetano. Foi companheiro de casa e amigo pessoal de nomes como Kalu Rinpoche e Tarthang Tulku. Quando o XVI Sakyapa partiu da Inglaterra, o nome que indicou para sucedê-lo como diretor espiritual de sua comunidade não foi um tibetano, mas o monge theravada Rewata Dhamma, seu amigo.

A tais professores do único dharma e seus sinceros discípulos, somente posso agradecer por toda a ajuda em motivação, ensinamento, exemplo e amizade. Quando olho para trás em busca de outros mestres que conheci e com quem estudei diretamente e que me influenciaram diretamente no Dhamma do Buddha, vejo que eles igualmente compartilhavam desse espírito não-sectário e abrangente. Anagarika Munindra-ji viu além das linhagens de meditação, sendo considerado um dos avós de vipassana e metta no Ocidente, por ter sido o professor de algumas figuras instrumentais em trazer o Buddhismo para o mundo ocidental, tais como Joseph Goldstein, Sharon Salzberg e Lama Surya Das; Dipa-ma e Ajahn Ranjuan trouxeram a suavidade da verdadeira natureza feminina que vai além do conflito; Shinzen, o monge Shingon que se voltou à meditação theravada e ao qual devo algumas das melhores descobertas na meditação.

fotos: Anagarika Munindra-ji, Dipa-ma, Ajahn Ranjuan, Shinzen

Vejo-me abençoado por ter conhecido tais mestres. Eles, eu levanto sobre minha cabeça, pois o pouco que pude assimilar tem um valor insubstituível e inestimável para mim. E a Comunidade Nalanda intenta engatinhar sobre tais fundações, provendo um ambiente de abrangência, não-sectarismo, estímulo à investigação e prática responsável.

Em termos de comunidade, queremos incentivar a concepção que Tan Ajahn Buddhadasa tinha para seu mosteiro, Wat Suan Mokkh, de que: “Ao invés de uma pessoa tentar transformar a outra, deve-se permitir ao Dhamma-Natureza-Lei que atue, molde e transforme. Aqui, mesmo o egoísta e o imaturo encontram espaço para crescer em direção ao altruísmo. Os mais instruídos e experientes devem ser capazes de observar e encorajar com bondade, compaixão e equanimidade. Se demasiada importância é colocada no se ajustar a alguma forma externa, o coração nunca se ajustará ao Dhamma. Mais uma vez, isso está alinhado com o exemplo de Buddha. Ao invés de se colocar como professor ou mensageiro divino ou deus, ele se colocava simplesmente como um kalyana-mitta (amigo bom, nobre)“.

Da mesma forma, no Nalanda, o foco não é em formar instrutores ou professores, não é criar círculos esotéricos de iniciados e não-iniciados, ou estabelecer hierarquias de gurus e discípulos ou antigos e novos; mas, sim, incentivar a existência de amigos dispostos a ajudarem-se mutuamente no entendimento e prática dos ensinamentos primevos do Buddha. Para quem deseja entender o espírito que nos inspira, recomendo enfaticamente ler (várias vezes) o artigo Jardim da Libertação de Ajahn Santikaro, discípulo de Tan Ajahn, e nosso amigo e professor, que captou tão bem em palavras o ambiente vivido por aqueles que tiveram oportunidade de conviver em Suan Mokkh quando o mestre estava vivo.

Olhando para trás, penso que o nome ‘Nalanda’ é bastante apropriado para nossa comunidade. Lugar de nascimento de Sariputta, Nalanda traz à lembrança os discípulos do Buddha, o conhecimento dos Suttas e do Abhidhamma (o nome de Sariputta frequentemente é associado à transmissão do Abhidhamma). Enquanto Universidade – a antiga Nalanda se tornou posteriomente o mais importante centro educacional de toda a história antiga do Buddhismo (eu estava na Índia quando o Dalai Lama disse diante de nós [2006] que todas as manhãs se voltava para Nalanda para agradecer, pois toda a tradição tibetana surgiu de lá) – ela nos traz à lembrança a importância do estudo sério e profundo.

E qual era a característica principal de Nalanda? Na antiga Universidade Nalanda, professores, monges e alunos de *todas* as escolas e regiões eram recebidos e conviviam pacificamente. E não apenas o dharma buddhista era estudado, mas outros temas e religiões também. Lá, a cor do manto ou a denominação não eram o que importava, mas sim a sede por conhecimento e a devoção aos ensinamentos do Buddha, viessem sob que nome fosse. Investigar, inquirir, descobrir – foram marcas da antiga Nalanda. Não aceitar respostas prontas e superficiais ou modelos enrijecidos, e nunca cessar em buscar o cerne do que o Buddha nos quis ensinar.

É nesses gigantes do não-sectarismo e do espírito inquiridor que nosso pequeno Nalanda se inspira, se renova e bebe do Dharma, esperançosamente sob o olhar benevolente do mestre de todos, o Bem-Aventurado, Valoroso, Desperto.

.: reflexões de Dhanapala

Invocação dos Cinco Benfeitores

Que o Senhor Buddha repouse sobre nossa cabeça
Que o Dhamma repouse sobre nossa cabeça
Que a Sangha repouse sobre nossa cabeça
Que nossos pais repousem sobre nossa cabeça
Que nossos professores repousem sobre nossa cabeça
Inumeráveis são os benefícios que estes cinco nos conferem!

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