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~ Ven. Thanissaro Bhikkhu ~

No Theravāda, o relacionamento entre professor e aluno é como aquele entre um mestre artesão e seu aprendiz. O Dhamma é uma habilidade, como carpintaria, arco ou culinária. O dever do professor é transmitir a habilidade não apenas em palavras, mas também criando situações para promover a engenhosidade e os poderes de observação de que o aluno precisará para se tornar habilidoso. O dever do aluno é escolher um professor confiável – alguém cujas habilidades são sólidas e cujas intenções mereçam confiança – e observar o máximo possível.

Afinal, não existe maneira de você poder se transformar num hábil artesão apenas assistindo passivamente o mestre ou simplesmente por obedecer as suas palavras. Você não pode abdicar da responsabilidade das suas próprias ações. Você tem que prestar atenção tanto nas suas ações, quanto nos resultados delas, ao mesmo tempo usando sua criatividade e discernimento para corrigir os erros e superar obstáculos que possam surgir. Isso requer que você combine o respeito pelo seu professor com o respeito pelo princípio de causa e efeito, à medida que isso interage com os seus próprios pensamentos, palavras e ações.

Pouco antes de minha ordenação, meu professor – Ajahn Fuang Jotiko – disse-me: “Se você quer aprender, você tem que pensar como um ladrão e descobrir como roubar o seu conhecimento”. E logo eu soube o que ele queria dizer. Durante meus primeiros anos com ele, ele não tinha ninguém para atender às suas necessidades: limpeza de sua cabana, ferver a água para o banho, cuidar dele quando ele estava doente etc. Então, mesmo eu sendo um estrangeiro – com pouca fluência no tailandês e provavelmente o mais rude bárbaro que ele conheceu – rapidamente assumi o papel de seu assistente. Em vez de explicar onde as coisas deveriam ser colocadas ou quando certos deveres deveriam ser feitos, ele deixou para eu observar por mim mesmo.

Se eu captasse, ele não diria nada. Se não, ele apontaria o meu erro, mas ainda assim não explicaria totalmente o que estava errado. Eu tinha que observar por mim mesmo: Onde ele colocou as coisas quando ele endireitou sua cabana? E eu tinha que fazer isso com o canto do meu olho, porque se eu fosse muito óbvio em observá-lo, ele iria me afastar. Como ele disse: “Se eu tiver que explicar tudo, você vai se acostumar a ter as coisas entregues a você em uma bandeja. E então o que você vai fazer quando surgirem problemas em sua meditação e você não tiver nenhuma experiência em descobrir as coisas e experimentá-las por conta própria?”

Então engoli o meu orgulho e aprendi a encarar os meus erros como meus professores. No passado, não tolerava estar errado. Quando pude finalmente admitir que errava, encontrei os recursos interiores de que precisava para começar a pôr as coisas no seu devido lugar.

Mesmo assim, a questão de equilibrar o respeito era um problema. Ajahn Fuang era espantosamente íntegro, sábio e bondoso, sempre pude confiar nas suas intenções em relação a mim. Consequentemente, sentia um respeito enorme por ele. Contudo, era um ser humano com imperfeições humanas.

Como a minha criação cristã tinha-me ensinado reservar o meu respeito último a um ser supostamente infalível, fui desajeitado no manejo das ocasiões em que Ajahn Fuang foi menos perfeito do que de costume. Ao mesmo tempo, eu não sabia bem o que fazer com o meu pensamento fortemente tingido de independência. Um dia, Ajahn Fuang contou uma história sobre um tempo quando ele tinha tido uma discordância com o seu próprio professor, Ajahn Lee Dhammadharo.

Perto do fim de sua vida, Ajahn Lee havia construído um mosteiro em um manguezal na periferia de Bangcoc. Os mantenedores laicos queriam um hall de ordenação, de modo que essa foi a primeira construção permanente erigida no mosteiro. Ao assentar as bases, eles colocaram um cofre de concreto sob o local onde era para ser construída a imagem do Buddha, e encheram-no com objetos sagrados: relíquias do Buddha, imagens do Buddha, amuletos, partes das escrituras e assim por diante. Em seguida, selaram-no para a posteridade. Tradicionalmente na Tailândia, imagens do Buddha sempre estão de frente para a direção leste – direção em que estava o Buddha no dia de seu despertar – então o cofre foi colocado sob o lado oeste do prédio, sob o ponto onde a imagem principal do Buddha seria colocada.

No meio da construção, entretanto, Ajahn Lee mudou de ideia e decidiu colocar a imagem do Buddha na parte oriental do prédio, de frente para o ocidente. Embora ele nunca tenha dado uma explicação para essa mudança incomum, seus alunos costumam ser unânimes em sua interpretação do que ele queria representar: o Dhamma estava indo para o ocidente. Foi apenas quando o prédio foi concluído que as pessoas perceberam que o cofre não estava alinhado com a imagem. Isso significou que as pessoas que entrassem no prédio pela porta ocidental estariam pisando bem em cima dos objetos sagrados no cofre, quebrando um forte tabu tailandês. Então, uma noite, Ajahn Lee disse a Ajahn Fuang: “Reúna os monges e mova o cofre para o outro lado do edifício”. Ajahn Fuang pensou consigo mesmo: “Esse cofre está firmemente plantado no chão, e a área abaixo do salão de ordenação nada mais é do que lama”. No entanto, ele sabia que se ele dissesse que não poderia ser movido, Ajahn Lee diria: “Se você não tem a convicção para fazê-lo, eu vou encontrar alguém que tenha”. Assim, na manhã seguinte, após a refeição, Ajahn Fuang reuniu todos os monges e noviços fortes abaixo do prédio do mosteiro, com cordas para puxar o cofre para o lado oriental. Eles trabalharam o dia todo, mas não conseguiram movê-lo nem uma polegada.

Então, agora foi a vez de expressar uma opinião — e sugerir uma solução alternativa para o problema. Ajahn Fuang foi até Ajahn Lee naquela noite e disse: “O que acha de construirmos outro cofre de acordo com o modelo, abrir o cofre original, tirar todos os objetos sagrados de lá e guardá-los no cofre novo?” Ajahn Lee lhe deu um breve aceno, e assim o problema foi resolvido. “E assim”, Ajahn Fuang concluiu, “é como você mostra respeito por seu professor”.


 

Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
com a permissão do autor

© 2012 Edições Nalanda

Nota: “Cabeça & Coração” é uma coletânea de escritos do Ven. Ajahn Thanissaro, traduzidos com exclusividade pela equipe de tradução do Centro de Estudos Buddhistas Nalanda.


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Thanissaro Bhikkhu
Thanissaro Bhikkhu, também conhecido como Ajahn Geoff, nasceu em1949 e é um monge buddhista americano da Ordem Dhammayut (Dhammayutika Nikaya), da tradição das florestas da Tailândia. Atualmente é o abade do Metta Forest Monastery em San Diego. Thanissaro Bhikkhu é um prolífico autor e tradutor de muitos livros.