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Caros Amigos,
É com pesar que informo o falecimento do querido mestre Munindra-ji, uma das luzes buddhistas e exemplo perfeito de sabedoria e virtude do século que passou. Munindra-ji influenciou toda uma geração de professores e praticantes do Dhamma.
Tive a graça de estudar com Munindra-ji em Calcutá e Sarnath, chegando a morar no quarto ao lado. De fato, Munindra-ji foi a primeira pessoa que encontrei em minha primeira viagem à Índia, recebendo-me com a bondosa hospitalidade que, sem dúvida, colaborou para que anos mais tarde eu pudesse falar que a Índia é como uma casa de família para mim, evocando as mais carinhosas imagens de hospitalidade e amizade desinteressada. Pela manhã, no caos adorável de Calcutá, saíamos, nós dois, para comprar bananas, junto ao parque Mahabodhi. Em hindi, ele barganhava os preços com o comerciante da esquina, enquanto eu observava, entre maravilhado e atônito, o fluir daquela língua tão estranha, os segredos da famosa arte da barganha, os transeuntes passando ao lado, as mulheres com seus saris esvoaçantes e os homens em seus lungis. De volta para seu quarto, enquanto ele mesmo preparava os ‘chapatis’ para nosso café da manhã, conversávamos sobre a mente, a meditação e os ensinamentos do Senhor Buddha, conversas que se estendiam por toda a manhã. Foi ele também que me apresentou Dipa-Ma, a nobre dama e realizada do Dhamma, que vivia também em Calcutá.
Munindra-ji era um Anagarika, que na Tradição Theravāda designa alguém que vive segundo dez preceitos, celibato e dedicado integralmente à vida espiritual e meditativa. Não sendo monge, ele vivia sozinho, num quarto simples, despojado de qualquer luxo. Nas ruas, sua aparência era de um indiano típico, porém com suas roupas sempre brancas e seu característico chapéu redondo e branco. Anagarika Munindra, no entanto, foi um dos mais brilhantes e mais altamente realizados dos discípulos de Mahasi Sayadaw, o grande mestre birmanês do século passado. Extremamente discreto e humilde, Munindra-ji foi instrumental na divulgação de vipassana na Índia e inspiração para muitos professores que hoje espalham o nobre Dhamma no Ocidente, tendo sido um dos mestres de Joseph Goldstein, Sharon Salzberg e Larry Rosenberg. Ele viveu nove anos na Birmânia, estudando todo o Tipitaka e seus comentários sob a orientação dos melhores mestres, tornando-se discípulo de Mahasi Sayadaw, mas praticando também nos grandes centros de Mingun, Sunlun e Ledi, entre outros. Ao mesmo tempo em que foi um scholar das escrituras e reconhecido kammatthanacariya (mestre de meditação), Anagarika Munindra também ajudou muitos outros mestres, sendo de muita importância para o estabelecimento de Goenka-ji na Índia.
Enquanto professor de meditação, ele sempre foi muito acessível, pronto para ouvir e responder perguntas até o aluno ficar satisfeito. Meu amigo Karl e eu passávamos muito tempo nas entrevistas, durante os retiros. E depois do final do período de treinamento discutíamos nossas descobertas, inspiradas pela bondosa presença de Munindra-ji, à sombra de uma árvore, não muito longe do lugar em que o Buddha proferiu seu primeiro discurso. Que a generosidade em compartilhar o sagrado Dhamma, e os infinitos méritos colocados em movimento pelo amado mestre, possa percorrer e penetrar nas dez direções e servir de exemplo imaculado para todos nós. ~ Ricardo Sasaki
* Parte desse depoimento foi publicado mais tarde (2010) no livro de Mirka Knaster, “Living This Life Fully: Stories and Teachings of Munindra”. Confira aqui.
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Traduzimos aqui uma página que notifica o acontecimento:
http://spiritrock.org/html/munindra-ji.html
Caros Amigos, a família de Munindra-ji nos comunicou que ele faleceu às 5h00 da manhã de 14 de outubro de 2003, hora de Calcutá.
Conversei com Shubra, sua sobrinha, uma hora atrás. Ela disse que Munindra-ji lhe disse um dia antes de morrer: “Amanhã, eu estarei terminado, curado completamente”. Pouco antes de falecer, ele estava consciente de sua família começando os cânticos, após a meditação da manhã, e disse ao seu atendente pessoal: “Ah! Eles começaram a cantar”. Dez minutos depois, ele parou de respirar.
Shubra disse que ele estava calmo e sua mente estava clara, mesmo com as dores no corpo desde o último mês. A aparência de Munindra-ji ainda permanece serena… ele ainda está na casa da família. Amanhã eles o trarão para o mosteiro, onde haverá visitantes, e então, será cremado.
Segue-se o endereço da família, caso queiram enviar um cartão ou dana para ajudar nos serviços memoriais. O cheque pode ser feito para Sri. G.P. Barua, 13/6 Janata Road, New Santoshpur, Calcutta, West Bengal 700075 India. Que todos possam compartilhar o mérito de nossa prática do Dhamma com nosso amado Ancião, Mestre e grande kalyana mitta. O mérito que ele compartilhou com todos nós é imensurável. Por favor, divulguem esta informação para outros que queiram saber.
Com muito metta, Kamala (Kamala Masters)
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Um professor especial e benfeitor do Spirit Rock, Anagarika Munindra-ji faleceu nesta manhã (14 de Outubro, 2003). Munindra-ji teve um profundo impacto em nossa comunidade do Dhamma e no espírito do Spirit Rock. Ele foi o primeiro professor de Joseph Goldstein, e também o professor principal de Dipa Ma (cuja história é contada no livro Knee Deep in Grace) e de muitos professores da grande comunidade vipassana. Para aqueles que nunca se encontraram com Munindra-ji, ele foi um professor sábio, gentil, brincalhão e entusiasmado, com uma curiosidade insaciável, uma paixão inspiradora pelo Dharma, um profundo conhecimento do Canon Pali e uma bondade e generosidade de espírito que era capaz de traduzir os ensinamentos de uma maneira prática e acessível.
O grande presente de Munindra-ji foi o de ter trazido um espírito de maravilha e leveza de coração à sabedoria profunda que aprendeu de seu professor, o grande mestre birmanês Mahasi Sayadaw. Mahasi, um inovador brilhante e mestre de meditação que desenvolveu a técnica da notação mental e técnicas de prática frequentemente ensinadas em Spirit Rock, tinha um comportamento muito sério, reservado e sóbrio. Durante os primeiros anos de prática de Joseph, quando praticava em Bodhgaya, sob a orientação de Munindra-ji, a prática foi apresentada de maneira tanto profunda quanto vasta. As instruções de Munindra-ji incluíam frases como “simples e fácil”, “tudo é simplesmente fenômenos vazios se desenrolando”, compartilhados com cadência, um sorriso e um zelo que tornava possível se abrir com grande fé e confiança. Foi essa vastidão, juntamente com a profundidade de entendimento que tornou Joseph um professor particularmente inspirador para mim e para muitos outros.
James Baraz, Dezembro 2003
~ Publicado originariamente no Boletim Nalanda Informa, número 70, de 29 de outubro de 2003