por Oxford Sayadaw Venerável Prof. K. Dhammasami, DPhil (Oxford).
As pessoas dão as boas-vindas ao Novo Ano de formas diferentes. Algumas simplesmente dançam no último dia do ano sob a influência do álcool, enquanto outras refletem sobre o passado, lamentando seus fracassos e fazendo promessas de remediá-los com as resoluções do Ano Novo. Outras ainda são levadas pela excitação da estação festiva, frequentemente associada com as férias ou as compras. E ainda há pessoas que temem pelo ano que chega simplesmente porque não conseguem deixar para trás a sombra do ano que passou.
Acredito que é preciso uma visão equilibrada entre o modo como dizemos adeus ao ano velho e damos boas-vindas ao ano novo. E uma visão equilibrada somente pode ser obtida quando somos capazes de ver o ano que passou objetivamente. Objetivamente! A palavra usualmente é usada em muitos debates e seu uso frequente ameaça caírmos na complacência. Aqui, por ‘objetivo’ quero dizer que precisamos tomar em consideração tanto as alegrias quanto os desapontamentos dos doze meses que se passaram e considerá-los de maneira estável. Ver apenas as deficiências do passado não é objetivo nem equilibrado, especialmente do ponto de vista psicológico. Ao pensar apenas nos fracassos do passado promovemos uma visão negativa em nossa memória de longo termo. As memórias são muito frequentemente associadas com a emoção, o que significa que nossa memória de longo termo armazenará não apenas uma visão negativa, mas também uma emoção negativa. Com tais hábitos repetidos ano após ano, é difícil para as pessoas estimularem a energia positiva no momento de necessidade. Como descobriram os neurologistas e psicólogos da Universidade de Wisconsin e outras grandes universidades do Reino Unido e dos Estados Unidos que comparam os cérebros de meditantes e não-meditantes, a emoção influencia os neurônios no cérebro, que por sua vez comanda o sistema nervoso central de todo o corpo. A emoção positiva ajuda o cérebro a refazer a rede neuronal a fim de melhorar seu funcionamento, e de acordo com essas novas descobertas sintetizadas na recentemente descoberta teoria da neuroplasticidade, os neurônios positivos podem ajudar a corpo a curar a si próprio.
Isto significa que para se curar das decepções do passado temos que começar com algo positivo. Significa dizer que temos de primeiro celebrar e nos alegrarmos com as coisas boas do ano que passou. É preciso revistar os muitos momentos positivos dos últimos doze meses e fazê-lo de forma consciente. Ponderando sobre eles de maneira frequente e vigilante, podemos assegurar que os bons momentos tenham um lugar na memória de longo termo. Aqui é preciso também relembrar as boas ações dos membros da família no ano que passou e mesmo estender este exercício de alegria aos amigos e outras pessoas. Na tradição pāli do buddhismo essa é uma das muitas práticas meditativas reflexivas chamadas de anussati.
Esse ponto simples, mas crucial, é frequentemente ignorado ou desconsiderado. Muitos não são capazes de genuinamente sentir alegria pelas obras bem sucedidas ou benéficas que ocorreram no ano que passou. A não ser por meio da excitação eles não saberiam como se relacionar com o lado luminoso do passado recente. Uma vez que a excitação desvanece, não há conexão emocional com suas boas ações.
Sem uma energia positiva habitualmente presente na memória de longo termo uma visão e uma emoção negativas podem ser as únicas forças dominantes na memória do ano passado. Isso certamente dará forma ao como você se preparará para o ano seguinte. Isso não significa que você deva ignorar os fracassos do ano que passou. Ao contrário, é preciso começar com uma nota positiva mesmo quando se tenha que confrontar com a realidade do lado mais sombrio na vida. Enfatizo a emoção e a visão positivas porque as pessoas normalmente têm uma poderosa energia negativa e menos da positiva.
Aqui gostaria de mencionar uma tradição de como as pessoas se relacionam uns com os outros na prática buddhista theravada no Estado Shan do leste da União de Myanmar. Há uma fórmula pāli que as pessoas recitam, especialmente quando encontram pessoas mais velhas. A fórmula pode ser traduzida grosseiramente assim: “Eu o saúdo com respeito. Perdoe-me se você nota minhas deficiências; também se alegre com as boas obras que faço. Eu me alegro também com suas boas obras”.
Essa fórmula breve contém uma abordagem equilibrada para o gerenciamento das emoções, se dirigindo tanto aos pontos positivos quanto negativos de si mesmo; e no tocante aos outros, ela dirige a atenção para seu lado bom, pois usualmente nos tornamos conscientes apenas das falhas dos outros, e não de seu lado luminoso.
Acredito que se tivermos uma abordagem equilibrada da emoção, poderemos de maneira confiante reconciliar as decepções do ano que passou e olhar para o Ano Novo com um coração que não mais está em dor devido a uma emoção e uma visão desequilibradas. Com nosso próprio coração em paz, estaremos melhor preparados para fazer o melhor do próximo ano.
Que todos possamos ser capazes de nos ajudarmos uns aos outros a encontrar a paz em nosso próprio coração.