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por Venerável Khammai Dhammasami
Há muitas maneiras de se celebrar o Vesak, especialmente nos países de tradição Theravada, como é o caso da Thailândia, Sri Lanka, Birmânia (Myanmar), Laos e Cambodja. Na Thailândia, é comum ver as pessoas caminhando ao redor do pagode, cada qual com uma vela na mão. Na Birmânia, regar a Árvore Bodhi é a maneira como os buddhistas marcam essa importante data. Construir um pandol (espécie de painel eletrônico representando a vida do Buddha) e ilustrar a história do Buddha com maravilhosos murais eletrônicos é uma celebração própria do Sri Lanka. Em cada um desses países você pode presenciar as pessoas indo aos templos e pagodes para observar os Oito Preceitos; participar de uma palestra sobre o Dhamma ministrada por um monge; fazer doações aos mosteiros; e libertar peixes, pássaros e, em alguns casos, gado para abate. Os centros de meditação ficam lotados de devotos que participam de retiros de um dia. O Vesak é um feriado nacional em muitos dos países do sudoeste asiático – até mesmo na Indonésia que é um país oficialmente islâmico.
Na minha cidade natal, Shan, na Birmânia, as pessoas de fato participam de um retiro em todas as ocasiões em que há lua cheia, incluindo a data do Vesak. Elas passam o tempo em silenciosa meditação ou ouvindo os Jatakas (histórias da vida do Buddha) que são poeticamente compostos e lidos por um pregador laico treinado, chamado de sa-lay. Cada história normalmente leva de cinco a seis horas para ser contada. Ela é escrita dentro do contexto cultural de Shan de forma que as pessoas possam compreender o Bodhisattva (aquele que será um Buddha). Os suttas (discursos do Buddha) são incluídos sempre que forem relevantes para oferecer um conjunto completo de ensinamentos morais.
É perfeitamente compreensível que esses países tenham criado tais celebrações a fim de que haja o máximo envolvimento possível por parte da população.
As pessoas acendem as velas para simbolizar a sabedoria que acreditam ter sido obtida pelo Buddha neste dia. Na Thailândia, essa tradição é chamada de Wien-thien (ir em círculos com uma vela). Lembro-me que em Shan, quando eu era jovem, as pessoas acendiam uma imensa vela feita de tronco de pinheiro. Ela era queimada no chão e normalmente o processo durava muitas horas. Esses são os meios que as pessoas usam para nos lembrar da atenção plena – estar atento à sabedoria e à iluminação do Buddha. Isso já se tornou parte de sua cultura.
Sabedoria – a intuição que penetra a real natureza da vida – é essencial para superar o sofrimento. É isso que simbolizamos com as luzes ao honrarmos o Buddha por seu grande feito. Em seu primeiro discurso ele próprio comparou a sabedoria à luz.
Libertar peixes e outros animais serve para relembrar a grande compaixão do Buddha, que foi sua principal motivação para o seu empenho na busca pela iluminação.
Mas como iremos celebrar o Vesak aqui no Reino Unido? O Buddhismo é sempre aberto a diferentes possibilidades de se realizar um mesmo propósito. Flexibilidade é a palavra chave dessa postura.
Mas como?
Celebraremos o Vesak do mesmo modo como é celebrado o Natal? Realizando um encontro familiar?! Carne de peru é parte tradicional do modo britânico de se celebrar as festas natalinas. Você gostaria de fazer algo assim?!
Mesmo que essas reuniões natalinas ocorram apenas uma vez por ano, muitas pessoas reclamam afirmando odiá-las, pois não se dão muito bem com seus parentes. “Detesto encontrar com minha cunhada! Com minha sogra! Com meu irmão!” É comum que muitos resmunguem dessa maneira. Mais ainda: no dia seguinte a maioria dessas pessoas reclama também de indigestão.
Em todas as celebrações do Vesak nos focalizamos apenas na figura de Gotama Buddha. Ele é central a tudo que percebemos como Buddhismo pois foi ele quem descobriu o Dhamma e o ensinou aos outros. Por esta razão, hoje nos concentramos nele e em sua vida de modo que possamos entendê-lo melhor.
Entretanto, se minha visão geral de Tipitaka está correta, o próprio Buddha nunca falou sobre sua vida fora do contexto do Dhamma. Talvez ele tenha considerado desnecessário demorar-se demasiadamente nesse tema, embora nós desejemos saber mais e mais sobre sua vida. Tenho certeza de que o Buddha acreditava ser mais valioso discutir o Dhamma. Apesar de tudo, temos a oportunidade de aprender sobre a sua vida apenas por meio de referências passageiras presentes no Dhamma.
O Buddha chega a ponto de dizer que a menos que tenhamos entendido o Dhamma não chegaremos a conhecê-lo de fato. Você pode tornar-se o mais conceituado historiador e especializar-se na vida do Desperto, mas isso não fará de você, julgando pelas próprias palavras do Buddha, um verdadeiro expert em sua vida.
Por isso, percebemos então que o Dhamma, e não o Buddha, é o verdadeiro coração daquilo que hoje conhecemos como Buddhismo.
À medida que estudamos e refletimos cuidadosamente, compreendemos que a Verdade descoberta pelo Buddha é completamente impessoal. Na verdade, ele nunca tentou personalizá-la. O Dhamma na prática é muito subjetivo, algo compreendido individualmente de forma que não podemos compartilhá-lo com nossa família ou nação. Trata-se de algo individual na medida em que, na sua prática, uma pessoa pode ajudar à outra mostrando o caminho, mas não poderá nunca trilhá-lo em seu lugar.
Hoje iremos meditar para marcar o Vesak – o nascimento, a iluminação e a morte de Siddhattha Gotama, o Buddha. É relevante para nós nesse dia agir desse modo.
Aproveitando essa oportunidade, quero refletir sobre um dos dizeres do Buddha que traduz toda a sua preocupação por nós. Ele disse: “A vigilância leva à imortalidade enquanto a desatenção leva à mortalidade”. Estas foram as suas últimas palavras.
A vigilância é a base de toda a bondade. Não apenas isso, ela é também o principal elemento de nossa prática. Ela estabelece e mantém as qualidades da mente e do coração e equilibra os demais fatores do Caminho.
Aproveite a grande vantagem que é a vida. Reflita sobre o Dhamma. Aplique-o em sua vida diária. Viver significa aparecimento e desaparecimento, ir e vir, nascimento e morte. Esteja consciente disso. Esta é a maneira como devemos honrar o Buddha.
© Ven. Khammai Dhammasami, 1999
© Centro Nalanda, 2009 com a permissão do autor
Tradução de Guttemberg Lombardi Júnior para a Comunidade Buddhista Nalanda
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