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Ajahn Chah~ Ajahn Chah ~

[1] Nós escutamos algumas partes dos ensinamentos e não as entendemos realmente.  Pensamos que eles não devem ser como são, então nós não os seguimos, mas, realmente, há uma razão para todos os ensinamentos. Talvez pareça que as coisas não deveriam ser daquela forma, mas são. Primeiramente, eu sequer acreditava em meditação sentada. Eu não via qual uso teria apenas sentar com meus olhos fechados. E meditação andando… caminhar desta árvore até aquela árvore, fazer a volta e caminhar de volta novamente… “Por que se importar?” Eu pensava: “Qual é o sentido de toda essa caminhada?” Eu pensava assim, mas, verdadeiramente, meditação andando ou sentada tem um grande sentido.

Algumas tendências das pessoas levam-nas a preferir meditar caminhando, outros preferem se sentar, mas você não pode prosseguir sem alguma delas. Nas escrituras se fala sobre as quatro posturas: de pé, andando, sentado e deitado. Nós vivemos com essas quatro posturas. Podemos preferir uma à outra, mas devemos usar todas elas.

Dizem para equilibrar essas quatro posições, para fazer a prática equilibrada em todas as posições. A princípio não conseguia perceber o que significava isto: torná-las equilibradas. Talvez signifique que dormimos duas horas, ficamos de pé duas horas e depois andamos duas horas… será assim? Eu tentei – não consegui, era impossível! Não era isso que significava tornar as posições equilibradas. ‘Tornar as posições equilibradas’ refere-se à mente, à nossa conscientização. Isto é, dar lugar à sabedoria na mente, iluminar a mente. Essa nossa sabedoria deve estar presente em todas as posições; devemos saber ou compreender constantemente. De pé, andando, sentados ou deitados, conhecemos todos os estados mentais como impermanentes, insatisfatórios e vazios. Tornar as posições equilibradas desse modo pode ser feito, é possível. Quer o gosto ou o não gosto estejam presentes na mente, não nos esquecemos da nossa prática, estamos conscientes.

Se apenas focalizarmos nossa atenção na mente de forma constante teremos a essência da prática. Se experimentarmos estados mentais que o mundo conhece como bons ou maus, não esqueceremos de nós, não ficaremos perdidos no bom ou no mau. Apenas seguiremos em frente. Fazendo as posturas constantes dessa forma é possível.

Se tivermos constância em nossa prática, quando somos elogiados, então é simplesmente elogio: se somos censurados, é apenas censura. Não ficamos orgulhosos ou deprimidos em relação a isto, ficamos exatamente aqui. Por quê? Porque vemos perigo em todas essas coisas, vemos seus resultados. Estamos constantemente atentos em relação ao perigo tanto do elogio quanto da censura. Normalmente, se estamos de bom humor, a mente também está bem, nós os vemos como algo também bom, se estamos de mau humor a mente também fica ruim, não gostamos disso. Essa é a maneira como as coisas são, essa é uma prática desequilibrada.

Se tivermos constância até o ponto de conhecer nossos estados de ânimo, e saber que estamos nos envolvendo neles, isso já é melhor. Quer dizer, estamos conscientes, sabemos o que se passa, mas ainda não conseguimos abandonar. Vemos a nós mesmos nos envolvendo com o bom e o ruim, e sabemos disso. Envolvemo-nos com o bom e sabemos que isso ainda não é a prática correta, mas ainda não podemos abandonar. Isso já é 50% ou 70% da prática. Não é ainda libertação, mas sabemos que se abandonássemos, isso seria o caminho para a paz. Continuamos a ver as consequências igualmente dolorosas de todas as nossas preferências e aversões, de elogios e culpas, continuamente. Quaisquer que sejam as condições, a mente é constante nesse caminho.

Mas para as pessoas mundanas, se elas são culpadas ou criticadas, elas aborrecem-se realmente. Se são elogiadas, elas se animam, dizem que isso é bom e ficam realmente felizes. Se sabemos a verdade sobre nossos vários humores, se sabemos sobre as consequências do agarrar o elogio e a censura, sobre o perigo de se apegar a qualquer coisa, ficaremos sensíveis aos nossos humores. Saberemos que aderir a eles realmente causa o sofrimento. Começamos a ver as consequências do agarrar e se prender ao bom e ao ruim, pois o fizemos e vimos o resultado: nenhuma verdadeira felicidade. Agora procuramos o caminho de abandonar.

Onde está esse “caminho para abandonar”? No Buddhismo nós dizemos: “Não se apegue a nada”. Nunca deixamos de ouvir sobre esse “não se apeguem a nada!” Isso significa segurar, mas não se apegar. Como esta lanterna. Nós pensamos: “O que é isto?” Então nós a seguramos: “Ah, é uma lanterna”, e então nós a soltamos de novo. Seguramos as coisas dessa forma.

Se nunca segurássemos nada, o que poderíamos fazer? Não poderíamos praticar meditação andando nem fazer coisa alguma, então primeiro precisamos segurar as coisas. É desejo, sim, é verdade, mas mais tarde nos levará  aos pāramī (virtudes ou perfeições). Como querer vir aqui, por exemplo…O Venerável Jagaro [2] veio ao Wat Pah Pong. Ele teve que querer vir primeiro. Se ele não tivesse sentido que queria vir, ele não teria vindo. É igual para qualquer pessoa, elas vêm aqui por causa do desejo. Mas quando o desejo surge não se apegue a ele! Você vem e depois você volta…O que é isto? Nós pegamos, olhamos e vemos. “Ah, é uma lanterna”, então nós a soltamos de novo. Isso se chama segurar sem se apegar, deixamos passar. Conhecemos e depois soltamos. Resumindo: “Conheça e, então, solte”. Continue olhando e deixando passar. “Isto, eles dizem que é bom; isto, eles dizem que não é bom”… conheça e depois deixe. Bom e mau, conhecemos tudo, mas a ambos nós soltamos. Nós não cometemos a tolice de nos apegarmos às coisas, mas nós as “seguramos” com sabedoria. A prática dessa “postura” pode ser habitual. Você precisa manter essa atitude constantemente. Faça com que a mente aprenda desta maneira, deixe que a sabedoria surja. Quando a mente possui sabedoria, o que há além disso para buscar?

Devemos refletir sobre o que estamos fazendo aqui. Por que razão estamos vivendo aqui, pelo que estamos trabalhando? No mundo, as pessoas trabalham por esta ou aquela recompensa, mas os monges ensinam algo um pouco mais profundo que isto. Nós não buscamos retorno por nada que fazemos. Não trabalhamos por recompensa. Pessoas mundanas trabalham porque querem isto ou aquilo, porque querem um ou outro ganho, mas o Buddha ensinou trabalhar apenas por trabalhar, nós não buscamos nada além disso.

Se você faz algo apenas para conseguir algo em retorno, isso causará sofrimento. Tente por si mesmo! Você quer tornar sua mente pacífica, então você se senta e tenta torná-la pacífica – você sofrerá! Nossa forma é mais refinada. Fazemos e, então, soltamos; fazemos e, então, soltamos.

Veja o brāhmaṇa que faz um sacrifício: ele tem algum desejo na mente, então ele faz um sacrifício. Essas suas ações não o ajudarão a transcender o sofrimento porque ele está agindo a partir do desejo. No começo, praticamos com algum desejo na mente; praticamos de novo e de novo, mas não alcançamos nosso desejo. Assim, praticamos até atingirmos um ponto no qual praticamos sem esperar um retorno, estamos praticando para nos desapegarmos.

Isso é algo que precisamos descobrir por nós mesmos, é muito profundo. Talvez pratiquemos porque queremos alcançar o Nibbāna – lá, você não terá o Nibbāna! É natural querer paz, mas não é realmente correto. Devemos praticar sem querer coisa alguma. Se não queremos coisa alguma, o que teremos? Nada! O que quer que você tenha é uma causa para o sofrimento, então praticamos para não termos coisa alguma.

Apenas isso é chamado de ‘esvaziar a mente’. Está vazia, mas ainda há o fazer. Esse vazio é algo que as pessoas geralmente não entendem, só aqueles que o alcançam que veem o valor real dele. Não é o vazio de não ter nada, é o vazio das coisas que estão aqui. Tal como esta lanterna: devemos ver esta lanterna como vazia, por haver esta lanterna que existe o vazio. Não é o vazio onde nós não podemos ver nada, não é assim. Pessoas que entendem assim entenderam tudo errado. Você deve entender o vazio com as coisas que estão aqui.

Aqueles que ainda estão praticando por causa de alguma ideia de ganho, são como o brāhmaṇa fazendo um sacrifício apenas para satisfazer algum desejo. Como as pessoas que vem me visitar para serem aspergidas com ‘água benta’. Quando eu lhes pergunto: “Por que vocês querem essa água benta?”, elas dizem: “Queremos viver felizes e de forma confortável, e não ficarmos doentes”. Aí está! Elas nunca transcenderão o sofrimento desse modo.

A forma mundana é fazer as coisas com uma razão, para ter algum retorno, mas no Buddhismo nós fazemos as coisas sem nenhuma ideia de ganho. O mundo precisa do entendimento comum em termos de causa e efeito, mas o Buddha nos ensina a ir acima e além da causa e efeito. Sua sabedoria era ultrapassar a causa, ultrapassar o efeito; ultrapassar o nascimento e ultrapassar a morte; ultrapassar a felicidade e ultrapassar o sofrimento.

Pense nisso… Não há nenhum lugar para ficar. Nós vivemos em um “lar”. Sair desse lar e ir para onde não há lar… Não sabemos como fazê-lo, porque sempre vivemos com o vir-a-ser, com o apego. Se não podemos nos apegar, não sabemos o que fazer.

Assim, a maioria das pessoas não quer ir para o Nibbāna, pois não há nada lá. Olhe para o teto e o piso aqui. O extremo superior é o teto, é uma “morada”. O extremo inferior é o chão, e esse é outra “morada”. Mas no espaço vazio entre o piso e o teto não há lugar para ficar. Pode-se ficar no teto ou no chão, mas não neste espaço vazio. Onde não existe uma morada, é onde há o vazio, e o Nibbāna é esse vazio.

Mas você já viu uma pessoa muito idosa com uma aparência bonita? Você já viu uma pessoa idosa com muita força ou cheia de felicidade? … Não… Mas dizemos: “Vida longa, beleza, felicidade e força” e estão todos muito satisfeitos, cada um diz: “sādhu!” Isso é como o brāhmaṇa que faz oferendas para obter o que quer.

Em nossa prática nós não fazemos ‘oblações’, não praticamos a fim de obter algum retorno. Nós não queremos nada. Se ainda quisermos alguma coisa, então, ainda há alguma coisa lá. Apenas torne a mente tranquila e realizada com isso. Mas se eu falar assim você pode não se sentir muito confortado, porque você quer ‘nascer’ novamente.

Todos vocês praticantes leigos devem se aproximar dos monges e ver a sua prática. Estar próximo dos monges significa estar próximo ao Buddha, estar próximo ao seu Dhamma. O Buddha disse: “Ānanda, pratique muito, desenvolva a sua prática! Quem vê o Dhamma vê a mim, e quem me vê, vê o Dhamma”.

Onde está o Buddha? Nós podemos pensar que o Buddha existiu e se foi, mas o Buddha é o Dhamma, a Verdade. Algumas pessoas gostam de dizer: “Ah, se eu tivesse nascido no tempo do Buddha eu iria para o Nibbāna”. Aqui, pessoas estúpidas falam assim. O Buddha ainda está aqui. O Buddha é a verdade. Independentemente de quem nasce ou morre, a verdade ainda está aqui. A verdade nunca abandona o mundo; ela está lá o tempo todo. Quer um Buddha nasça ou não, quer alguém saiba ou não, a verdade ainda está lá.

Assim, devemos nos aproximar do Buddha, devemos nos voltar para dentro e encontrar o Dhamma. Quando alcançarmos o Dhamma, alcançaremos ao Buddha; vendo o Dhamma, veremos o Buddha e todas as dúvidas se dissolverão.

Fazendo uma comparação, é como o professor Choo. No começo, ele não era um professor, ele era apenas o Sr. Choo. Quando ele estudou e passou em todos os exames necessários, ele se tornou um professor e ficou conhecido como professor Choo. Como ele se tornou um professor? Por meio do estudo das matérias obrigatórias, permitindo assim que o Sr. Choo se tornasse o professor Choo. Quando o professor Choo morrer, os estudos para se tornar um professor ainda permanecerão, e quem estudá-los irá se tornar um professor. Esse conjunto de estudos para se tornar um professor não desaparece, tal como a Verdade, e tal conhecimento possibilitou ao Buddha se tornar o Buddha.

Então o Buddha ainda está aqui. Quem quer que pratique e veja o Dhamma vê o Buddha. Hoje em dia as pessoas entendem isso errado, elas não sabem onde o Buddha está. Elas dizem: “Se eu tivesse nascido na época do Buddha eu teria me tornado um discípulo e me tornado um iluminado”. Isso é uma bobagem.

Não vão pensando que ao fim do retiro das chuvas vocês vão retirar o hábito de monge. Não pensem assim! Em um instante um pensamento ruim pode surgir na mente e vocês podem matar alguém. Do mesmo modo, leva apenas um segundinho para o bem relampejar na mente, e vocês já estarão lá.

E não pensem que precisam se ordenar por um longo tempo para serem capazes de meditar. Onde está a prática correta em um instante nós produzimos kamma. Em um segundo um pensamento maléfico surge… antes de perceberem já terão cometido um kamma pesado. E, da mesma forma, todos os discípulos do Buddha praticaram por um longo tempo, mas quando atingiram a iluminação foi meramente num único momento de pensamento.

Não sejam, então, displicentes, mesmo nas menores coisas. Tentem arduamente, se aproximem de monges, contemplem as coisas e, assim, saberão a respeito de monges. Bem, isso é suficiente, não? Já deve estar ficando tarde, algumas pessoas estão ficando com sono. O Buddha disse para não ensinar o Dhamma para pessoas sonolentas.

Notas:

[1] Uma palestra dada aos mognes, novices e laicos do Wat Pah Nanachat em uma visita a Wat Nong Pah Pong durante o retiro das chuvas de 1980.

[2] Ven. Jagaro: australiano, Segundo abade do Wat Pah Nanachat naquela época, que trouxe seu grupo de monges e laicos para ver Ajahn Chah.

[3] Sādhu é a tradicional palavra pāli usada para reconhecer uma bênção, ensinamento do Dhamma, etc., significando “bem-falado”.

 


 

Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
com a permissão dos detentores do copyright

© 2012 Edições Nalanda


Nota: Os Ensinamentos de Ajahn Chah” consiste de uma coletânea de ensinamentos dados por um dos mais importantes mestres da tradição das florestas da linhagem Theravada da Thailândia.

 


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