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Ajahn Chah~ Ven. Ajahn Chah ~
Buddha ensinou a ver o corpo no corpo. O que significa isso? Todos conhecemos as partes do corpo tais como o cabelo, as unhas, os dentes, a pele. Então como vermos o corpo no corpo? Se reconhecermos essas coisas como impermanentes, insatisfatórias e não-eu, isto é o que é chamado de “ver o corpo no corpo”. Dessa forma, não é necessário entrar em pormenores e meditar sobre as partes em separado. É como ter fruta num cesto. Se já tivermos contado as peças de fruta, então sabemos o que há lá e, quando precisarmos, podemos pegar o cesto e levá-lo, e todas as peças vêm com ele. Sabemos que a fruta está toda lá, assim não precisamos contá-la outra vez.

Tendo meditado nas trinta e duas partes do corpo, e reconhecido-as como algo não estável ou permanente, não precisamos nos fatigar separando-as dessa forma e ficar meditando tão detalhadamente. Como com a cesta de frutas – nós não temos que despejar todas as frutas e contá-las de novo e de novo. Mas nós levamos a cesta até nosso destino, caminhando vigilante e cuidadosamente, tomando cuidado para não tropeçar e cair.

Quando vemos o corpo no corpo, ou seja, vemos o Dhamma no corpo, sabendo que nosso corpo e o dos outros são fenômenos impermanentes, então não precisamos de explicações detalhadas. Sentando aqui, temos a vigilância constantemente sob controle, conhecendo as coisas como elas são e então a meditação se torna bastante simples. É a mesma coisa quando meditamos sobre Buddho – se entendemos o que Buddho realmente é, então não precisamos repetir a palavra Buddho. Isso significa ter completo conhecimento e conscientização firme. Isso é meditação.

Entretanto, a meditação não é geralmente bem entendida. Praticamos em um grupo, mas muitas vezes não sabemos do que se trata realmente. Algumas pessoas pensam que a meditação é realmente difícil de fazer. “Venho ao mosteiro, mas não posso sentar-me. Não tenho muita paciência. As minhas pernas doem, as minhas costas doem, estou com dores por todas as partes”. E então eles desistem e não vêm mais, pensando que eles não conseguem meditar.

Mas, na verdade, samādhi não é se sentar. Samādhi não é andar. Não é estar deitado ou ficar de pé. Sentar, andar, fechar os olhos, abrir os olhos, essas são simples ações. Ter os olhos fechados não significa necessariamente que você está praticando samādhi. Poderia apenas significar que você está sonolento e em torpor. Se você está sentado com os olhos fechados, mas você está adormecido, sua cabeça balançando para todo lado e sua boca aberta, isso não é sentar em samādhi. É apenas sentar com os olhos fechados. Samādhi e os olhos fechados são duas coisas distintas. Samādhi real pode ser praticado com os olhos abertos ou com os olhos fechados. Você pode estar sentado, caminhando, em pé ou deitado.

Samādhi significa que a mente está firmemente focada, com vigilância ampla, restrição e cuidado. Você está constantemente consciente de certo e de errado, constantemente observando todas as condições surgirem na mente. Quando ela dispara um pensamento, com sentimento de aversão ou de saudade, você está consciente disso. Algumas pessoas ficam desencorajadas: “Eu simplesmente não consigo fazer isso. Tão logo eu sento, minha mente começa a pensar em casa. Isso é ruim (thailandês: bahp)”. Ei! Se apenas esse tanto é ruim, o Buddha nunca teria se tornado Buddha. Ele passou cinco anos lutando com sua mente, pensando em sua casa e em sua família. Foi só depois de seis anos que ele despertou.

Algumas pessoas acham que esses pensamentos que surgem repentinamente são errados ou maldosos. Você pode ter um impulso para matar alguém. Mas você está atento e no instante seguinte, você se dá conta de que matar é errado, então você para e abstém-se. Há mal nisso? O que você acha? Ou você tem um pensamento sobre o roubo de alguma coisa, mas é seguido por uma forte sensação de que isso é errado e assim você se recusa a agir de acordo com esse pensamento – isso é kamma ruim? Não é certo pensar que cada vez que você tem um impulso, instantaneamente acumula kamma ruim.

De resto, como poderia haver alguma forma de libertação? Impulsos são apenas impulsos. Pensamentos são apenas pensamentos. Em primeiro lugar, vocês não criaram qualquer coisa ainda. Em segundo lugar, se agirem sobre isso com o corpo, a fala ou a mente, então estarão criando algo. Avijjā (ignorância) assumiu o controle. Em vez disso, se têm o impulso de roubar e, em seguida, ficam conscientes de si mesmos e cientes de que isso seria errado, isso é sabedoria, e há vijjā (conhecimento). O impulso mental não é consumado.

Essa é a consciência oportuna, de sabedoria ascendente e informando a nossa experiência. Se houver o primeiro momento mental de querer roubar algo e então agimos a partir dele, isso é o dhamma da ilusão; as ações do corpo, fala e mente que seguirem os impulsos trarão resultados negativos.

Essa é a forma como isso é. Apenas ter pensamentos, isso não é kamma negativo. Se nós não tivermos nenhum pensamento, como a sabedoria se desenvolverá? Algumas pessoas querem simplesmente sentar com uma mente vazia. Esse é entendimento incorreto.

Estou falando sobre samādhi que é acompanhado pela sabedoria. Na verdade, Buddha não desejou muito samādhi. Ele não quis jhāna e samāpatti. Ele via samādhi como um fator componente do caminho. Sīla, samādhi e paññā são componentes ou ingredientes, como ingredientes usados para cozinhar. Nós usamos temperos para cozinhar para dar sabor à comida. O objetivo não são os temperos, mas a comida que comemos. Praticar samādhi é o mesmo. Os professores de Buddha, Uddaka e Ālāra enfatizavam bastante a prática de jhāna e a obtenção de vários tipos de poderes como a clarividência. Mas se você vai tão longe, é difícil de desfazer. Alguns locais ensinam esta profunda tranquilidade, sentar-se com prazer na quietude. Os meditantes, então, ficam intoxicados por seu samādhi. Se eles têm sīla, ficam intoxicados por ela.  Se percorrem o caminho, tornam-se intoxicados pelo caminho, deslumbrados pelas maravilhas e belezas que experimentam, e não alcançam o verdadeiro objetivo.

O Buddha disse que este é um erro sutil. Ainda assim, é algo correto para aqueles em um nível grosseiro. Mas, na verdade, o que o Buddha queria era que nós tivéssemos uma medida adequada de samādhi, sem ficarmos presos nele. Depois de treinarmos e desenvolvermos samādhi, então o samādhi deveria desenvolver a sabedoria.

O samādhi que está no nível de samatha – tranquilidade – é como uma pedra sobre a grama. No samādhi que é seguro e estável, mesmo quando os olhos estão abertos, a sabedoria está presente. Quando a sabedoria nasce, ela abrange e conhece (“rege”) todas as coisas. Então, o professor não quer aqueles refinados níveis de concentração e cessação, porque eles se tornam uma distração e o caminho é esquecido.

Assim, o que é necessário é não estar apegado ao sentar ou a qualquer outra postura em particular. Samādhi não está presente em ter os olhos fechados, em sentar, ficar em pé, andar ou deitar. Samādhi permeia todas as posturas e atividades. Pessoas mais velhas, que normalmente não conseguem sentar muito bem, podem contemplar particularmente bem e praticar samādhi facilmente; elas também podem desenvolver muita sabedoria.

Como podem elas alcançar sabedoria? Tudo as incita. Quando abrem os olhos, não vêm as coisas tão claramente como costumavam. Os dentes dão-lhes problemas e caem. Têm dores no corpo a maior parte do tempo. Exatamente aí é o lugar para o estudo. Então, realmente, a meditação é fácil para as pessoas mais velhas. A meditação é mais difícil para os novos. Os seus dentes são fortes, podem apreciar a comida. Dormem bem. As suas faculdades estão intactas e o mundo é divertido e excitante para eles, por isso ficam frustrados facilmente.

Pois os mais velhos, quando mastigam algo duro ficam logo com dores. Ali mesmo, os  devadūta (mensageiros divinos) falam com eles, ensinam-nos todos os dias. Quando eles abrem os olhos a sua vista é difusa. De manhã as suas costas doem. À noite as suas pernas doem. É isso! Este é realmente um excelente tema para estudar. Alguns de vós mais velhos dirão que não conseguem meditar. O que querem vocês para meditar? Com quem aprenderão a meditar?

Isto é ver o corpo no corpo e sensação na sensação. Você está vendo isto ou você está fugindo? Dizer que você não pode praticar porque é muito velho é apenas devido a um entendimento errado. A questão é: as coisas estão claras para você? Pessoas idosas têm muitos pensamentos, muitas sensações, muito desconforto e dor. Tudo aparece! Se elas meditarem, poderão, de fato, comprovar isto. Assim, eu digo que meditação é fácil para pessoas idosas. Elas podem fazê-la melhor. É como todo mundo diz: “Quando eu ficar velho, vou para o mosteiro”.

Se você entende isso, é verdade certamente. Você precisa vê-lo dentro de si mesmo. Quando você se senta, é verdade; quando você se levanta, é verdade; quando você anda, é verdade. Tudo é um incômodo, tudo está apresentando obstáculos – e tudo isto está lhe ensinando. Não é isso mesmo? Pode você simplesmente se levantar e ir embora tão facilmente agora? Quando você se levanta, é “Oi!” Ou você não percebeu? E é “Oi!”’ quando você anda. Está cutucando você.

Quando você é jovem, pode simplesmente se levantar e caminhar, seguindo seu caminho. Mas, de fato, você não sabe nada. Quando você é velho, cada vez que você levanta é um “ai”, não é isso que se diz? “Ai, ai!”. Cada vez que você se move, você aprende algo. Assim, como você pode dizer que é difícil meditar? Onde mais há para olhar? Tudo está correto. Os devadūta estão dizendo algo a vocês. É bem claro. Sankhāra está dizendo a vocês que eles não são estáveis ou permanentes, nem você ou o que é de vocês. Eles estão dizendo a vocês neste exato momento.

Mas nós pensamos de forma diferente. Nós não achamos que isso é o certo. Entretemo-nos com uma visão errada e nossas ideias estão longe de ser a verdade. Mas, realmente, as pessoas de idade podem ver o sofrimento, a impermanência e a ausência do eu, e dão origem ao desapego e desencanto – porque a prova está ali dentro o tempo todo. Eu acho que isso é bom.

Ter a sensibilidade interior que sempre conhece o certo e o errado é chamado Buddho. Não é necessário ficar repetindo sempre “’Buddho”. Você contou as frutas em sua cesta. Cada vez que se senta, você não precisa ter o trabalho de derramar as frutas e contá-las novamente.

Você pode deixar isso no cesto. Mas alguém com o apego equivocado continuará contando. Ele vai parar sob uma árvore, tirar, contar e por de volta no cesto. Então ele vai caminhar até a próxima parada e fazer de novo. Mas ele está apenas contando as mesmas frutas. Isso é apego. Ele teme que se não contar, haverá algum tipo de erro. Temos medo de que se não continuarmos a dizer “Buddho”, cometeremos um erro. Como estamos errados? É apenas a pessoa que não sabe quantas frutas existem que precisa contar. Uma vez que você saiba, pode ficar tranquilo e simplesmente deixá-las no cesto. Quando você está sentado, você apenas senta. Quando está deitado, você apenas deita porque suas frutas estão todas lá com você.

Praticando a virtude e criando mérito, dizemos: “Nibbāna paccayo hotu”’ – possa isto ser uma condição para concretizar o Nibbāna. Como condição para concretizar o Nibbāna, fazer oferendas é bom. Manter os preceitos é bom. Ouvir os ensinamentos do Dhamma é bom. Possa tudo isso ser condições para concretizar o Nibbāna.

Mas, afinal, o que é o Nibbāna? Nibbāna significa não agarrar. Nibbāna significa não atribuir um propósito às coisas. Nibbāna significa deixar ir. Fazer ofertas e realizar atividades meritórias, observar os preceitos morais e meditar na bondade amorosa, tudo isso serve para nos livrarmos das impurezas e do desejo sedento, para tornar a mente vazia – vazia de autovalorização, vazia de conceitos de eu e de outro, e para não ter desejos pelas coisas – não desejar ser ou tornar-se algo.

Nibbāna paccayo hotu: faça isso se tornar uma causa para o Nibbāna. Praticar a generosidade é abandonar, deixar ir. Ouvir os ensinamentos é para o objetivo de adquirir conhecimentos para abandonar e deixar ir, para arrancar o apego ao que é bom e ao que é ruim. No começo, meditamos para nos tornarmos conscientes do errado e do mal. Quando reconhecemos isso, deixamos isso ir e praticamos o que é bom. Então, quando algum bem é alcançado, não se apegue a esse bem. Permaneça a meio caminho do bem, ou acima do bem – não habite sob o bem. Se estivermos sob o bem, então o bem nos empurra ao redor, e nós nos tornamos escravos dele. Tornamo-nos escravos, e isso nos obriga a criar todos os tipos de kamma e demérito. Isso pode nos levar a qualquer coisa, e o resultado será o mesmo tipo de infelicidade e circunstâncias infelizes em que estávamos antes.

Desista do mal e desenvolva mérito – abandone o negativo e cultive o positivo. Desenvolvendo mérito, permaneça acima do mérito. Permaneça acima do mérito e do demérito, acima do bem e do mal. Continue a praticar com uma mente que desiste, solta e se está a libertar. Seja o que for que estiver a fazer, se o fizer com uma mente solta, então isso é uma causa para compreender Nibbāna. Livre de desejo, livre de impurezas, livre de desejo sedento, então tudo converge com o caminho, ou seja, a Nobre Verdade, ou saccadhama. São as quatro Nobres Verdades, tendo a sabedoria que conhece taṇhā, que é a fonte de dukkha.

Kāmatanhā, bhavatanhā, vibhavatanhā (desejo sensual, desejo por tornar-se, desejo de não ser): essas são a origem, a fonte. Se você for lá, se desejar qualquer coisa ou quiser ser qualquer coisa, você está alimentando dukkha, dando vida a ele, porque é isso que o faz nascer. Essas são as causas. Se criamos as causas de dukkha, então ele se manifestará. A causa é vibhavatanhā: essa inquietação, esse desejo ansioso. A pessoa torna-se escrava do desejo e cria todas as formas de kamma e de erros por causa dele, e assim nasce o sofrimento. Falando de maneira simples, dukkha é a criança do desejo. Desejo é o pai de dukkha. Quando existem pais, dukkha pode nascer. Quando não há pais, dukkha não pode surgir – não haverá prole.

Esse é o lugar onde a meditação deve ser focada. Devemos ver todas as formas de taṇhā, as quais nos levam a ter desejos. Mas, conversar sobre desejos pode ser confuso. Algumas pessoas têm a ideia de que qualquer tipo de desejo, tais como desejo por comida ou por requisitos materiais para a vida, é taṇhā. Mas nós podemos ter esses tipos de desejo de um modo simples e natural. Quando você está com fome e deseja comida, você pode fazer sua refeição e ficar satisfeito com ela. Isso é bastante simples. Esse é o desejo que está dentro dos limites e não tem efeitos nocivos. Esse tipo de desejo não é sensualidade. Se for sensualidade, então isso se tornará algo mais que desejo. Haverá a cobiça por mais coisas para consumir, em busca de sabores, em busca de prazeres que trazem dificuldades e problemas, tais como beber demasiadamente licor e cerveja.

Alguns turistas me contaram sobre um lugar onde as pessoas comem cérebros de macacos vivos. Eles colocam um macaco no meio da mesa e abrem seu crânio. Em seguida, eles comem o cérebro com uma colher. Isso é comer como demônios ou fantasmas famintos. Não é comer de uma forma natural ou ordinária. Ao fazer esses tipos de coisas, o comer se torna taṇhā. Eles dizem que o sangue de macacos os tornam fortes. Assim, eles tentam se apossar desses animais e quando eles os comem, acompanham isso também com licores e cerveja. Essa não é uma alimentação normal. É a forma dos fantasmas e demônios atolados em desejo sensual. Isso é comer brasas, comer fogo, comer de tudo em todos os lugares. Esse tipo de desejo é o que é chamado de taṇhā. Não há moderação. Falar, pensar, vestir, tudo que tais pessoas fazem é em excesso. Se o nosso comer, dormir e outras atividades necessárias são feitas com moderação, então não há mal em si. Então, vocês devem estar cientes de si mesmos em relação a essas coisas, então elas não vão se tornar uma fonte de sofrimento. Se souber como ser moderados e econômicos em nossas necessidades, poderemos ficar confortáveis.

Praticar meditação e realizar mérito e virtude não são coisas tão difíceis de se fazer, contanto que nós os entendamos bem. O que é agir mal? O que é mérito? Mérito é o que é bom e bonito, aquilo que não prejudica a nós mesmos ou prejudica os outros, com nosso pensamento, fala e ação. Então há felicidade. Nada que seja negativo está sendo criado. Mérito é assim. Habilidade é assim.

É a mesma coisa com os atos de caridade e as oferendas. Quando damos, o que é que estamos tentando dar? Dar é para o propósito de destruir o autoapreço, a crença em um eu juntamente com o egoísmo. O egoísmo é poderoso, um sofrimento extremo. Pessoas egoístas sempre querem ser mais que as outras e ganhar mais do que os outros. Um simples exemplo é como, depois de comer, elas não querem lavar seus pratos. Deixam isso para outra pessoa fazer. Se comerem com um grupo deixarão isso ao grupo. Após a refeição elas somem. Isso é egoísmo, não ser responsável, e isso deixa um fardo para os outros carregarem. O importante nisso tudo é que esse tipo de pessoa não cuida de si mesma, não se ajuda e não se ama. Ao praticar a generosidade nós tentamos limpar nossos corações desse tipo de atitude. Isso é chamado de criar mérito através do dar, para se ter uma mente zelosa e de compaixão para com todos os seres vivos sem nenhuma exceção.

Se pudéssemos nos tornar livres apenas desta única coisa, o egoísmo, poderíamos então ser como o Senhor Buddha. Ele não viveu para si próprio, mas sim procurou o bem de todos. Se tivermos o caminho e o fruto emergindo em nossos corações dessa forma, certamente poderemos progredir. Com essa liberdade em relação ao egoísmo todas as atividades de atos virtuosos, generosidade, e meditação levar-nos-ão à libertação. Quem quer que pratique dessa forma tornar-se-á livre e irá além – além de todas as convenções e aparências.

Os princípios básicos da prática não estão além da nossa compreensão. Ao praticar a generosidade, por exemplo, se não temos sabedoria não há qualquer mérito. Sem entendimento, pensamos que a generosidade significa apenas dar coisas. “Quando eu sentir vontade de doar, doarei algo. Se sinto vontade de roubar, eu vou roubar. Então, se eu me sentir generoso, vou doar alguma coisa”. É como ter um barril cheio de água. Você retira um balde de água, mas depois você coloca tudo de volta. Retira novamente e despeja novamente, retira e despeja, e assim continua. Quando você irá esvaziar o barril? Você pode ver um fim nesse processo? Você pode ver tal prática se tornar uma causa para a realização do Nibbāna? O barril ficará vazio? Um balde pra fora, um balde pra dentro – você tem ideia de quando isso irá terminar?

O ir e vir como esse é vatta, o ciclo em si. Se estivermos realmente falando sobre o deixar ir, abandonando tanto o bem quanto o mal, então têm apenas que esvaziá-lo. Mesmo que seja apenas um pouco, vocês o esvaziam. Vocês não incluem nada mais e continuam esvaziando. Mesmo se dispuserem apenas de uma colherzinha, façam o que puderem e, dessa forma, chegará um momento em que o barril estará vazio. Se estiverem esvaziando o barril retirando um balde e o enchendo com um balde, esvaziando e enchendo – bem, pensem a respeito disso. Quando verão o barril vazio? Este Dhamma não é algo distante. Está aqui no barril. Podem fazer isso em casa. Tentem. Poderão esvaziar um barril de água dessa forma? Façam isso amanhã o dia todo e vejam o que acontece.

“Desfazer-se de todo o mal, praticar o que é bom, purificar a mente”. Desfazendo-nos dos erros em primeiro lugar, nós então começamos a desenvolver o bem. O que é o bom e meritório? Onde ele está? É como o peixe na água. Se jogarmos toda a água fora, nós vamos pegar o peixe – essa é uma maneira simples de abordagem. Se retirar e despejar de volta, o peixe permanece no barril. Se não removermos todas as formas de erro, não veremos o mérito e não veremos o que é verdadeiro e correto. Retirando e despejando de volta, retirando e despejando de volta, nós só nos mantemos como somos. Indo e voltando assim nós só perdemos tempo e tudo o que fazemos fica sem sentido. Ouvir os ensinamentos fica sem sentido. Fazer oferendas fica sem sentido. Todos os nossos esforços pela prática são em vão. Nós não entendemos os princípios do caminho do Buddha, assim as nossas ações não dão o fruto desejado.

Quando o Buddha ensinou sobre a prática, ele não estava falando sobre algo somente para pessoas ordenadas. Ele estava falando sobre praticar bem, praticar corretamente. Supatipanno significa aqueles que praticam bem. Ujupatipano significa aqueles que praticam diretamente. Ñayapatipanno significa aquele que pratica para a realização do caminho, da fruição e Nibbāna. Sāmīcipatipanno são aqueles que praticam inclinados na direção da verdade. Esses poderiam ser qualquer um. Esses são a Sangha dos verdadeiros discípulos (sāvaka) do Senhor Buddha. Uma laica, vivendo em casa, podem ser sāvaka.  Um laico pode ser sāvaka. Trazer consigo essas qualidades para cumprir é o que torna alguém um sāvaka. Esse pode ser um verdadeiro discípulo de Buddha e realizar a iluminação.

A maioria de nós na comunidade buddhista não tem tal entendimento completo. Nosso conhecimento não chega tão longe. Realizamos várias atividades pensando que obteremos algum tipo de mérito com isto. Pensamos que escutar ensinamentos ou fazer oferendas são atos meritórios. Foi isso que nos disseram. Mas alguém que faz oferendas para obter méritos está construindo um mau kamma.

Isso é difícil de ser entendido. Alguém que dá com o objetivo de obter mérito, instantaneamente acumula kamma ruim. Se você dá com o objetivo de deixar ir e libertar a mente, isso traz mérito para você. Se você fizer isso para conseguir alguma coisa, isso é kamma ruim.

Ouvir os ensinamentos para realmente entender o caminho do Buddha é difícil. O Dhamma se torna difícil de entender quando a prática que as pessoas fazem – manter os preceitos, sentar em meditação, doar – é para conseguir algo em troca. Querendo mérito, nós queremos algo. Bem, se algo pode ser obtido, então quem ganha? Nós ganhamos. Quando isso é perdido, de quem é esse algo que está perdido? A pessoa que não tem algo, não perde nada. E quando está perdido, quem sofre por causa disso?

Não acham que viver suas vidas para obter coisas traz sofrimento a vocês? Caso contrário, podem continuar como antes, simplesmente tentando ter tudo. Contudo, se tornarmos a mente vazia, então ganhamos tudo. Estados mais elevados, Nibbāna e todos os seus atingimentos – ganhamos tudo. Fazendo oferendas, não temos qualquer apego ou objetivo; a mente está vazia e relaxada. Podemos deixar ir e largar. É como carregar um tronco e lamentarmo-nos que é pesado. Se alguém nos disser para largá-lo, vocês dizem: “Se o largo, não terei nada”. Bem, agora vocês têm algo – têm o peso. Mas não têm a leveza. Então, querem a leveza ou querem continuar a carregar? Uma pessoa diz para largá-lo, a outra diz que receia não ter nada. Elas estão falando coisas diferentes.

Queremos a felicidade, queremos facilidade, queremos tranquilidade e paz. Isso significa que queremos leveza. Carregamos o tronco e, então, alguém nos vê fazendo isso e nos diz para largá-lo. Dizemos que não podemos, porque, então, com o que ficaríamos? Mas, a outra pessoa diz que se nós o soltássemos, então, poderíamos conseguir algo melhor. Os dois têm dificuldades na  comunicação.

Se fizermos oferendas e praticarmos boas ações a fim de obter alguma coisa, não funciona. O que obtemos é vir-a-ser e nascimento. Não é uma base para a realização de Nibbāna. Nibbāna é desistir e deixar ir. Se estamos tentando obter, segurar, dar sentido às coisas, isso não é uma razão para a realização de Nibbāna. O Buddha queria que olhássemos o aqui, para este lugar vazio de desapegar. Isso é mérito. Isso é habilidade.

Quando praticamos qualquer tipo de mérito ou virtude, uma vez isso feito devemos sentir que nossa parte está feita. Não devemos levar isso além. Nós fazemos isso tendo em vista abandonar impurezas e desejos. Nós não fazemos isso tendo em vista criar impurezas, desejos e apego. Então, aonde iremos? Não vamos para lugar nenhum. Nossa prática é correta e verdadeira.

A maioria de nós, buddhistas, embora siga as formas de prática e aprendizagem, tem uma dificuldade para entender esse tipo de conversa. É porque Māra, que significa ignorância, desejo sedento – o desejo de obter para ter e para ser – encobre a mente. Nós só encontramos a felicidade temporária. Por exemplo, quando estamos cheios de ódio para com alguém, isso toma nossas mentes e nos tira a paz. Nós pensamos sobre a pessoa o tempo todo, pensando no que poderemos fazer para atacá-la. O pensamento nunca para. E, então, talvez um dia, tenhamos a chance de ir a casa dela e amaldiçoá-la, e dizer isso a ela. Isso nos dará algum alívio. Mas, isso dará um fim a nossas impurezas? Encontramos uma maneira de desabafar, e nos sentimos melhor com isso, mas não conseguimos nos livrar da aflição da raiva, conseguimos? Há alguma felicidade na impureza e no desejo, mas mesmo assim nós ainda armazenaremos em nosso interior a impurezas. Quando as condições forem adequadas, elas irão incendiar-se novamente, ainda pior do que antes. Voltaremos, então, a querer encontrar alguma liberação temporária de novo. Dessa forma, as impurezas terão fim algum dia?

Algo semelhante acontece quando morre a esposa ou os filhos de alguém, ou quando as pessoas sofrem uma grande perda financeira. Eles bebem para aliviar sua tristeza. Vão ver um filme para aliviar a tristeza. Mas isso realmente alivia a tristeza? A tristeza, na verdade, cresce; mas por um tempo eles podem esquecer o que aconteceu, então chamam isso de um caminho para curar sua angústia. É como se vocês tivessem um corte na sola do pé, que torna andar uma coisa dolorosa. Qualquer coisa que toca, machuca, então você sai por aí mancando e reclamando do desconforto. Mas se vocês veem um tigre vindo em sua direção, vocês começam a correr sem nem pensar no corte. O medo do tigre é muito mais poderoso do que a dor no pé, que é como se a dor tivesse desaparecido. O medo fez disso uma coisa pequena.

Vocês poderiam experienciar problemas, no trabalho ou em casa, que parecem grandes demais. Então vocês bebem e no estado de embriagues com ilusão mais poderosa, esses problemas não o incomodam tanto assim. Vocês pensam que isso resolveu os problemas e que isso causou um alívio à sua infelicidade. Mas quando vocês ficam sóbrios os problemas regressam. Então, o que aconteceu à sua solução? Vocês continuam a suprimir os problemas usando a bebida e eles regressam. Vocês podem apanhar uma cirrose do fígado e não resolvem os problemas; e por fim, um dia, vocês estarão mortos.

Há algum conforto e felicidade aqui; é a felicidade dos tolos. É a maneira que os tolos usam para parar seu sofrimento. Não há sabedoria aqui. Essas diferentes condições confusas são misturadas no coração, que tem uma sensação de bem-estar. Se permitimos à mente acompanhar seus humores e tendências, ela sente um pouco de felicidade. Mas essa felicidade sempre armazena infelicidade dentro dela. Cada vez que entra em erupção nosso sofrimento e desespero vão ser piores. É como ter uma ferida. Se tratá-la na superfície, mas no interior ainda estiver infectada, ela não estará curada. Parece bem por um tempo, mas quando a infecção se espalha temos que começar a cortar. Se a infecção interna nunca se cura, podemos estar operando na superfície de novo e de novo, sem fim à vista. O que pode ser visto de fora pode parecer bom por um tempo, mas por dentro é a mesma de antes.

Assim é o modo do mundo. Assuntos mundanos nunca estão terminados. Então as leis do mundo nas várias sociedades estão sempre a resolver questões. Novas leis estão sempre a ser estabelecidas para lidar com diferentes situações e problemas. Algo é tratado por algum tempo, mas há sempre necessidade de mais leis e soluções. Nunca existe a resolução interna, apenas melhorias na superfície. A infecção ainda existe internamente, portanto existe sempre a necessidade de cortar mais. As pessoas são boas apenas na superfície, nas suas palavras e na aparência. As suas palavras são boas e as suas faces parecem afáveis, mas as suas mentes não são tão boas.

Quando entramos num trem e vemos algum conhecido, dizemos: “Oh, que bom te ver! Estive pensando muito em você ultimamente! Estive planejando te visitar!” Mas é apenas conversa. Não queremos dizer isso de verdade. Estamos sendo bons na superfície, mas não tão bons por dentro. Dizemos palavras, mas tão logo fumamos um cigarro e tomamos um café com ele, nos separamos. Então se encontrarmos com ele no futuro, dizemos as mesmas coisas de novo: “Ei, que bom te ver! Como você está? Estava querendo te visitar, mas não tenho tido tempo”. É assim que as coisas são. As pessoas são superficialmente boas, mas elas geralmente não são tão boas por dentro.

O grande professor ensinou Dhamma e Vinaya. Isso é completo e abrangente. Nada o supera e nada nele precisa ser mudado ou ajustado, pois ele é final. Ele é completo, de modo que este é o lugar onde podemos parar. Não existe nada para adicionar ou subtrair, porque é algo da natureza e não deve ser aumentado ou diminuído. Ele é apenas correto. É a verdade.

Assim, nós, buddhistas, viemos para ouvir os ensinamentos do Dhamma e estudar para aprender essas verdades. Se as conhecemos, então nossas mentes entrarão no Dhamma; o Dhamma entrará em nossas mentes. Toda vez que a mente de uma pessoa entra no Dhamma, ela experimenta bem-estar, sua mente fica em paz. A mente, então, tem uma maneira de resolver as dificuldades, mas não de degenerar. Quando a dor e a doença afligem o corpo, a mente encontra muitas formas para lidar com o sofrimento. Isso pode acontecer naturalmente, entendendo isso como natural e sem cair em depressão ou ficar com medo. Ganhando alguma coisa, não nos perdemos em deleite.

Perdendo, não nos tornamos excessivamente chateados, mas antes entendemos que a natureza de todas as coisas é que, tendo surgido, elas então declinam e desaparecem. Com essa atitude, podemos seguir o nosso caminho no mundo. Somos lokavidū, conhecemos o mundo claramente. Então samudaya, a causa do sofrimento, não é criada, e taṇhā não nasce. Há vijjā, o conhecimento das coisas como elas realmente são, e ela ilumina o mundo. Ela ilumina elogios e críticas. Ele ilumina ganho e perda. Ele ilumina fama e descrédito. Ela claramente ilumina nascimento, envelhecimento, enfermidade e morte na mente do praticante.

Assim é alguém que atingiu o Dhamma. Essas pessoas já não lutam com a vida e não estão mais constantemente em busca de soluções. Elas resolvem o que deve ser resolvido, agindo como é apropriado. É assim que o Buddha ensinou: ele ensinou aqueles indivíduos que podiam ser ensinados. Aqueles que não podiam ser ensinados ele desconsiderou e os deixou ir. Mesmo se ele não os tivesse desconsiderado, eles ainda teriam descartado a si próprios – por isso ele deixou-os sair. Com isso, vocês podem ter a ideia de que o Buda estava carente de mettā para descartar pessoas. Ora! Se vocês jogarem fora uma manga podre vocês estarão carentes de mettā? Vocês não podem fazer qualquer uso dela, isso é tudo. Não havia maneira de chegar até essas pessoas. O Buddha é louvado como alguém com suprema sabedoria. Ele não se limitou a recolher tudo e todos juntos em uma bagunça confusa. Ele estava possuído do olho divino e podia ver claramente todas as coisas como elas realmente são. Ele era o conhecedor do mundo.

Como conhecedor do mundo, ele viu perigo na roda do saṁsāra. Para nós, seus seguidores, é o mesmo. Se compreendermos todas as coisas como são, isso irá trazer-nos bem-estar. Onde estão exatamente essas coisas que nos causam felicidade e sofrimento? Pensem bem nisso. São apenas coisas que criamos nós próprios. Sempre que criamos a ideia de que alguma coisa é nós ou nosso, sofremos. As coisas podem prejudicar-nos ou beneficiar-nos, dependendo do nosso entendimento. Dessa forma, Buddha ensinou-nos a prestar atenção a nós próprios, às nossas próprias ações e às criações das nossas mentes. Sempre que sentimos amor ou ódio em extremo em relação a alguém ou a alguma coisa, sempre que nos sentimos particularmente ansiosos, isso irá levar-nos a grande sofrimento. Isso é importante, então examinem com muita atenção. Investiguem esses sentimentos fortes de amor ou ódio, e então recuem um pouco. Se se aproximarem muito, serão mordidos. Estão a ouvir isto?

Se você se agarra e acaricia essas coisas, elas mordem e dão pontapés. Quando você alimenta o seu búfalo, você tem que ter cuidado. Se você tiver cuidado ele não dará um pontapé em você. Você tem que alimentá-lo e cuidar dele, mas você deve ser bastante inteligente para fazer isto sem ser mordido. Amor por crianças, parentes, prosperidade e posses, podem morder você também. Você entende isto? Quando você alimenta o búfalo, não fique muito perto. Quando der água a ele, não fique muito perto. Puxe a corda quando você precisar. Isso é o caminho do Dhamma, reconhecendo a impermanência, insatisfatoriedade e falta de um eu permanente, reconhecendo o perigo, e empregando a prudência e restrição, em um caminho atento.

Ajahn Tongrat não ensinava muito; ele sempre nos dizia: “Fiquem bem alertas! Fiquem bem alertas!” Assim ele ensinava. “Fiquem bem alertas! Se vocês não estiverem bem alertas, vão levar uma no queixo!” E assim isso é. Mesmo se ele não tivesse dito isso, assim isso é. Se você não estiver bem atento você vai levar uma no queixo. Por favor, entendam isso. Não é um problema dos outros. O problema não está em ser amado ou odiado pelos outros. Os outros, em algum lugar distante, não nos obrigam a criar kamma e sofrimento. É nas nossas possessões, nossas casas, nossas famílias que temos que prestar atenção. Ou o que vocês acham? Nesses dias, onde vocês experienciam sofrimento? Onde vocês estão envolvidos em amor, ódio e medo? Controlem a si mesmos, tomem conta de si mesmos.

Cuidado para não serem mordidos. Se eles não morderem, eles podem chutar. Não pensem que essas coisas não mordem ou chutam. Se vocês forem mordidos, assegurem-se de que será apenas um pouco. Não sejam chutados e mordidos totalmente. Não tentem dizer a vocês mesmos que não há perigo. Posses, riqueza, fama, pessoas amadas, todos esses podem chutar e morder se vocês não forem cuidadosos. Se vocês forem cuidadosos, estarão em paz. Sejam cautelosos e contidos. Quando a mente começa a pegar as coisas e dar muito valor a elas, vocês devem pará-la. Ela vai discutir com vocês, mas vocês terão de manter seus pés no chão. Fiquem no meio enquanto a mente vai e vem. De um lado, descartem a indulgência sensorial. De outro, descartem o tormento pessoal. Amor de um lado, ódio de outro. Alegria de um lado, sofrimento de outro. Mantenham-se no meio sem deixar a mente ir para qualquer direção.

Como nossos corpos: terra, água, fogo e vento – onde está a pessoa? Não há qualquer pessoa. Essas coisas distintas são agrupadas e chamadas de pessoa. Isso é falso. Não é real, só é real na forma convencional. Quando o momento chega, os elementos retornam ao seu estado anterior. Nós só ficamos com eles durante um período, até termos que deixá-los retornar. A parte que é terra, volta a ser terra. A parte que é água, volta a ser água. A parte que é fogo, volta a ser fogo. A parte que é vento, retorna ao vento. Ou você tentaria ir com elas e manter algo? Nós contamos com elas por um tempo, quando é hora de deixar ir, deixe-as irem. Quando elas vierem, deixe-as virem. Todos estes fenômenos (sabhāva) aparecem e desaparecem. É tudo. Nós entendemos que todos esses elementos permanecem aparecendo e desaparecendo.

Fazer oferendas, ouvir os ensinamentos, praticar meditação, tudo o que fizermos deve ser feito com a finalidade de desenvolver a sabedoria. O desenvolvimento da sabedoria é com o propósito de libertação, liberdade de todas essas condições e fenômenos. Se formos livres, então não importa qual a nossa situação, não temos que sofrer. Se tivermos filhos, não temos que sofrer. Se trabalharmos, não temos que sofrer. Se tivermos uma casa, não temos que sofrer. É como um lótus na água. “Nasci na água, mas não sofro por causa da água. Não posso me afogar ou me queimar porque vivo na água”. O fluxo e o refluxo da água não afeta o lótus.  A água e o lótus podem coexistir sem conflito. Estão juntos, ainda que separados. Tudo o que está na água nutre o lótus e o ajuda a se tornar algo bonito.

Aqui é a mesma coisa para nós. Fortuna, lar, família e todas as impurezas da mente, elas já não nos contaminam, mas, ao invés disso, nos ajudam a desenvolver pārami, as perfeições espirituais. Em um bosque de bambu as folhas velhas se acumulam ao redor das árvores e, quando a chuva cai, elas se decompõem e tornam-se fertilizante. Brotos crescem e as árvores se desenvolvem por causa do fertilizante e nós temos uma fonte de alimento e renda. Mas isso não é algo absolutamente bom. Portanto, tenha cuidado – na época da seca, se você provocar incêndios na floresta, vai queimar tudo o que seria o fertilizante futuro, esse vai se transformar no fogo que queimará o bambu. Então, você não terá nenhum broto de bambu para comer. Se você queimar a floresta, queima o fertilizante do bambu. Se você queimar o fertilizante você queima as árvores e o bosque morre.

Vocês entendem? Vocês e seus familiares podem viver em felicidade e harmonia com suas casas e posses, livres do perigo de inundações ou fogo. Se uma família é inundada ou queimada é somente devido às pessoas daquela família. É exatamente como o fertilizante para bambu. As plantas podem ser queimadas por causa dele ou crescerem bonitas por causa dele.

As coisas crescerão de forma bela, depois nem tão belas e em seguida tornar-se-ão belas de novo. Crescendo e degenerando, então crescendo mais uma vez e degenerando de novo – essa é a maneira dos fenômenos do mundo. Se conhecemos o crescimento e a degeneração pelo que eles são, então podemos encontrar uma conclusão para eles. As coisas crescem e atingem seus limites. As coisas se degeneram e atingem seus limites. Nós, entretanto, permanecemos constantes. É como quando houve um incêndio na cidade de Ubon. As pessoas lamentaram a destruição e derramaram muitas lágrimas por causa disso. Mas as coisas foram reconstruídas após o fogo e os novos prédios são, na verdade, maiores e muito melhores do que eram antes e as pessoas desfrutam mais a cidade agora.

Assim é como acontece com os ciclos de perda e desenvolvimento. Tudo tem seus limites. Assim, o Buddha queria que estivéssemos sempre contemplando. Enquanto ainda vivemos, deveríamos pensar sobre a morte. Não a considere algo muito distante. Se você é pobre, não tente prejudicar ou explorar outros. Encare a situação e trabalhe duro para ajudar a você mesmo. Se você é bem de vida, não se perca em sua riqueza e conforto. Não é muito difícil perder tudo. Uma pessoa rica pode se tornar um mendigo em poucos dias. Um pobre pode se tornar uma pessoa rica. É tudo devido ao fato de que essas condições são impermanentes e instáveis. Assim, o Buddha disse: “Pamādo maccuno padam: a negligência é o caminho para a morte”. Os negligentes são como os mortos. Não seja negligente! Todos os seres e todos os sankhārā são instáveis e impermanentes. Não crie apego algum a eles! Feliz ou triste, progredindo ou caindo aos pedaços, no fim, tudo vem para o mesmo lugar. Por favor, entenda isso.

Vivendo no mundo, e tendo essa perspectiva, podemos ficar livres de perigo. O que quer que ganhemos ou realizemos no mundo por causa do nosso kamma bom ainda pertence ao mundo e está sujeito à decadência e à perda, portanto não se deixem levar por isso. É como um besouro arranhando a terra. Ele pode raspar e amontoar uma pilha muito maior que ele próprio, mas não passa de um amontoado de entulho. Se ele trabalhar muito, faz um buraco fundo no solo, mas é apenas um buraco no entulho. Se um búfalo deixar cair um monte de esterco ali, será maior que o amontoado de terra do besouro, mas não é nada que chegue ao céu. É apenas entulho. As realizações mundanas são assim. Não importa o quão duro os besouros trabalhem, eles apenas estão envolvidos em entulho, fazendo buracos e amontoados.

As pessoas que têm bom kamma mundano têm a inteligência para fazer o bem no mundo. Mas não importa quão bem elas façam, ainda estão vivendo no mundo. Todas as coisas que elas fazem são mundanas e têm seus limites, como o besouro cavando a terra. O buraco pode ser fundo, mas ele está na terra. A pilha pode ficar alta, mas é apenas uma pilha de entulho. Fazendo o bem, recebendo muito, só estamos fazendo o bem e recebendo muito no mundo.

Por favor, entendam isso e tentem desenvolver o desapego. Se vocês não ganham muito, estejam contentes, entendendo que é apenas experiência mundana. Se vocês ganham muito, entendam que é apenas experiência mundana. Contemplem essas verdades e não sejam descuidados. Ver os dois lados das coisas, não ficar preso em apenas um lado. Quando algo encanta vocês, mantenham parte de si em resguarda, porque essa alegria não vai durar. Quando vocês estão felizes, não se excedam para este lado, porque em breve vocês estarão de volta ao outro lado, com a infelicidade.

 


 

Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
com a permissão dos detentores do copyright

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Nota: Os Ensinamentos de Ajahn Chah” consiste de uma coletânea de ensinamentos dados por um dos mais importantes mestres da tradição das florestas da linhagem Theravada da Thailândia.

 


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