Este relato vem de um praticante do zen que fez um retiro de meditação conosco alguns anos atrás. Fica aqui como um depoimento sobre o que é participar de um retiro:
“Várias pessoas têm me perguntado sobre minha experiência no retiro theravada em BH deste carnaval. Algumas são colegas de outros retiros dos quais participei, notadamente da tradição zen, outras são leigas, nunca tendo participado de qualquer retiro ou são mesmo de fora do meio budista, outras ainda têm experiências em outras tradições. Estou escrevendo esta espécie de relato, conforme prometi a alguns, para tentar dividir um pouco com todos como foi esta nova experiência. Assim depois posso discutir individualmente com cada pessoa os pontos que forem mais do interesse de cada um. Como já disse a alguns, foi um retiro da tradição theravada, que é o budismo predominante nos países do sudeste asiático.
Sendo a tradição budista de origem mais remota ainda presente nos dias de hoje, tem práticas e costumes bastante ortodoxos, sendo também conhecida como a tradição da floresta, onde os primeiros monges discípulos viviam. As escrituras usadas para estudo, etc. também se limitam ao chamado cânone pali, que consiste basicamente no pacote de sutras que foi fechado nos primeiros concílios budistas (se não me engano o terceiro), sendo considerados discursos diretos do Buda. O monge que veio para presidir o retiro é birmanês e atualmente abade do monastério theravada de Birmingham, na Inglaterra. Falava em inglês e sempre tinha um tradutor.
A rotina
A rotina do retiro foi muito semelhante a um retiro zen, consistindo basicamente de meditação sentada, meditação andando, trabalho manual e palestras do dharma. Entrevistas individuais com o monge não fazem necessariamente parte deste tipo de retiro, mas também foram incluídas, conforme a necessidade de cada pessoa. Também houve momentos para perguntas e respostas. O silêncio lá é completamente respeitado. Não deve acontecer qualquer tipo de comunicação mesmo nas horas de intervalo e durante o trabalho manual, a não ser com os organizadores em caso de qualquer dificuldade, pequena ou grande, primando assim pela introspecção e pelo desenvolvimento do poder de concentração. Início e fim das atividades eram sempre marcados com toques de sinos, como no Zen. Levantávamos às 5 para iniciar a rotina de mediação às 5h30, só depois de cuja sessão vínhamos a tomar o café da manhã. E depois do almoço às 11h15, vegetariano, não havia mais refeição alguma, apenas um chá e leite de soja às 17h, segundo costume monástico da tradição theravada.
Para este retiro em particular estudamos o Satipatthana Sutta, onde estão descritas as principais formas de meditação ensinadas pelo Buda, e um pouquinho do Culakammavibhanga, um pequeno sutra sobre o karma. As instruções para meditação foram sendo dadas aos poucos nas instruções da manhã, conforme o sutra citado, quando já estávamos sentados na sala para meditar. As instruções para a meditação sentada não me pareceram muito diferentes das instruções que se costuma dar para os meditantes zen, principalmente principiantes, como por exemplo prestar atenção no fluxo do ar ou contar as respirações, prestar atenção às sensações do corpo, etc. No entanto toda aquela “etiqueta do zendô”, como entrar por determinado lado da sala, fazer reverências antes e depois de se sentar, caminhar e girar para determinado lado, manter as mãos em “shasshu” enquanto se caminha, que existe no Zen japonês, não teve nenhum equivalente. Bastava chegar na hora conforme os toques do sino e ir se sentando. Alguns praticantes, em geral antigos, costumavam fazer três prostrações antes de se sentar em sinal de reverência e respeito. Depois da primeira sessão de meditação sentada de manhã, sempre havia cânticos em língua pali, entoados apenas pelo monge, neste retiro. Já a meditação andando, ao contrário do chamado “kin hin” no Zen japonês, que é feito sempre em fila indiana e em geral dentro da sala de meditação, no Theravada é feita de forma individual, em geral num pequeno trecho de alguma trilha escolhida pessoalmente nas redondezas. Consiste em caminhar cerca de vinte passos em “câmera lenta” prestando total atenção ao movimento de cada pé, em vários níveis possíveis. Por exemplo: 1. “Direito… direito… direito…” (enquanto se movimenta o pé direito); “esquerdo… esquerdo… esquerdo…” (enquanto se movimento o pé esquerdo); 2. “Levantando… levantando… levantando…”, “passando… passando… passando”, “descendo… descendo… descendo….”, (o outro pé) “levantando… levantando… levantando…”; 3. “Pensando em levantar…”, “levantando… levantando… levantando…” etc. Chegando ao final dos vinte passados, gira-se em câmera lenta (“girando… girando… girando…”) e volta-se para o mesmo lugar de onde se começou e assim vai até se completar o tempo destinado a esta meditação.
O local
O Nalanda Arama, lugar onde aconteceu o retiro, de forma conveniente para a “tradição das florestas”, é uma gleba de mata nativa localizada num loteamento que fica no distrito de Casa Branca, vizinho do Parque Rola Moça, cercado por montanhas nas cercanias de Belo Horizonte. Há duas construções no local: a casa de meditação, onde também está a cozinha e acomodações do monge e pessoa encarregada de auxiliá-lo, e o alojamento, onde dormimos. Uma trilha no meio da mata liga os dois prédios. As instalações ainda são bastante simples, mesmo rústicas, mas fornecem todo o conforto necessário para o fim a que se destina o centro de retiros.
Os participantes
Eram cerca de 20 pessoas. Algumas eram de BH e frequentadores, antigos ou não, do Centro Nalanda de BH. Também havia várias pessoas do interior de Minas e também de fora do Estado: eu, de SP, um que viera do Rio, outro de Manaus, outro de Florianópolis… Eu particularmente acho essas pessoas que procuram fazer esses retiros sempre muito agradáveis e cheias de boa-vontade de uma forma geral. Isto com certeza se aplica a este grupo mas não há muito mais o que acrescentar pois pudemos conversar para nos conhecermos melhor apenas antes e depois do retiro. Tive grata surpresa a encontrar várias pessoas que eu até então apenas conhecia através do meio virtual, algumas eu sabia que estariam lá, mas outras foi mesmo uma surpresa – muito mais simpáticas ao vivo, quando podem sorrir, fazer piadas e coisas do tipo. 🙂 Sei que alguns eram praticantes antigos mas também havia pessoas que estavam fazendo o primeiro retiro de meditação budista de suas vidas.
Experiência pessoal
Devido talvez a um momento pessoal difícil, a despeito de experiências anteriores, este retiro foi para mim mais duro que os que eu fizera anteriormente. Me senti bastante cansado e tive muitas dores, principalmente no joelho direito. As sessões de meditação nos primeiros dias foram marcadas por fortes perturbações mentais como alucinações e dificuldade extrema de concentração, o que foi sendo aliviado com o passar do tempo. Tudo isso me deixava muito cansado. Porém, com o passar dos dias essas sensações foram se amenizando e ao final do retiro já estava me sentindo muito bem, sensação que perdura. Vejo, portanto, todas essas dificuldades como prova da força que é praticar em grupo. Apesar de toda minha condição física e mental desfavorável consegui acompanhar todas as longas sessões de meditação a contento. Pessoalmente entendo como os mais benéficos os momentos difíceis de meditação, pois talvez seja nestes momentos que temos a oportunidade de limparmos mais profundamente nossas impurezas mentais.
Deste modo encorajo todos que ainda não tentaram a se entregar sem medo a esta experiência”.
Metta, Emerson
sou praticante vajraiana….tenho um forte desejo de participar de um retiro destes…sinto muita falta de praticar no meu dia-a-dia, até mesmo porque tenho uma familia muito tradicional no catolicismo…eles nem podem ouvir de ficar minha filhinha para que eu possa fazer um retiro budista…..o tempo é tudo…agora com ela indo para a escola pretendo fazer algo sozinha…..portanto a descriçao de sua rotina pra mim foi de IMENSA ajuda…muito legal….
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