~ Um relato sobre ensinamentos de Ajahn Fuang Jotiko ~ 

Normalmente, Ajahn Fuang era um homem de poucas palavras, que respondia a circunstâncias: se as circunstâncias justificavam, podia dar explicações longas e detalhadas. Se não, dizia somente uma ou duas palavras – às vezes, nada em absoluto. Se atentava à máxima de Ajahn Lee: “Se vai ensinar o Dhamma a pessoas que não se esforçam para escutar, ou que não estão prontas para o que você tem a dizer, então não importa quão fantástico seja o Dhamma que esteja tentando ensinar, pois igualmente será conversa furada, insubstancial, já que não terá nenhum propósito.

Fico constantemente maravilhado com sua determinação – às vezes mesmo sua gana – de ensinar meditação ainda que estando doente. Uma vez ele me disse o seguinte: “Se as pessoas realmente querem ouvir, percebo que eu também sinto grande vontade de ensinar, e não me importa o quanto eu tenha que falar, eu nunca me canso. Na verdade, eu geralmente termino com mais energia do que tinha no início. Mas se elas não desejam ouvir, eu me canso na segunda ou terceira palavra”.

“Antes de dizer algo, pergunte a si mesmo se é necessário ou não. Se não é, não diga. Este é o primeiro passo no adestramento da mente —porque se você não é capaz de controlar sua boca, como espera ser capaz de controlar sua mente?”

Às vezes, sua maneira de ser amigável consistia em instigar – ainda que tivesse sua própria maneira de fazê-lo. Ele nunca levantava a voz ou usava uma linguagem desagradável, mas ainda assim suas palavras podiam queimar no coração. Certa vez, quando comentava sobre isso, lhe perguntei: “Por que você diz palavras que ferem, que vão direto ao coração?”

Ele respondeu: “É para que você se lembre. Se as palavras não tocam o centro da pessoa que as escuta, também não tocam o centro da pessoa que as diz”.

Para ficar zangado com seus discípulos, partia da base de quanto este discípulo era dedicado. Quanto mais dedicado o discípulo, mais crítico ele era, com a ideia de que essa classe de discípulo usaria suas palavras da melhor forma.

Uma vez, uma discípula laica –  que não compreendia isso – passou um tempo ajudando a cuidar dele enquanto ele estava doente em Bangkok. Apesar de ela se esforçar ao máximo para atender suas necessidades, ele sempre a criticava, até o ponto em que ela começou a pensar em deixar tal atividade. Entretanto, um dia, outro discípulo veio visitar Ajahn Fuang e comentou por alto que: “Um mestre critica seus discípulos por duas razões: ou para fazer com que fiquem ou para fazer com que se vão”. A discípula, ao ouvir isso, compreendeu repentinamente e decidiu ficar.

Uma  história que ele gostava de contar – com suas próprias reviravoltas – era o conto dos Jatakas da tartaruga e os cisnes.

Era uma vez um casal de cisnes que parava todos os dias na mesma lagoa para beber água. Com o tempo fizeram amizade com uma tartaruga que vivia ali e começaram a lhe contar algumas das muitas coisas que viram enquanto voavam de um lugar a outro. A tartaruga ficou fascinada pelas suas histórias, mas depois de um tempo começou a ficar deprimida, porque sabia que nunca poderia contemplar o vasto mundo como os cisnes. Quando ela comentou isso, eles lhe disseram: “Mas isso não é nenhum problema, logo encontraremos uma maneira de lhe levar conosco”. E então buscaram um pedaço de pau. O cisne macho segurou a extremidade do pau no bico e a cisne fêmea a outra extremidade, e disseram à tartaruga que se prendesse com a boca no meio do pau. E quando tudo estava pronto, alçaram voo.

Enquanto subiam, a tartaruga conseguiu ver muitas, muitas coisas com as quais jamais havia sonhado quando em terra, e passava por um grande momento. Mas enquanto sobrevoavam um povoado, algumas crianças que estavam brincando abaixo os viram e começaram a gritar: “Olhem! Aqueles cisnes levam uma tartaruga! Aqueles cisnes levam uma tartaruga!” Isso incomodou muito a tartaruga, até que lhe ocorreu uma resposta inteligente: “Não! É a tartaruga que leva os cisnes!” Mas no momento em que abriu a boca, caiu até o chão e morreu.

Moral: “Tenha cuidado com o que você fala quando visita lugares altos”.

“Lixo” é uma gíria da língua tai para se referir a algo insubstancial, e uma vez Ajahn Fuang utilizou este termo com efeito dramático.

Aconteceu em um entardecer quando ensinava em Bangkok. Três jovens mulheres que eram amigas há muito tempo se encontraram por acaso, no lugar onde ele ensinava, mas ao invés de se unirem ao grupo que já estava meditando, elas procuraram um cantinho separado para colocar a fofoca em dia. Estavam tão imersas na conversa que não notaram que Ajahn Fuang havia se levantado para esticar as pernas e estava passando ao seu lado, com um cigarro sem acender em uma mão e uma caixa de fósforos em outra. Ele parou um segundo, acendeu um fósforo e, ao invés de acender o cigarro, jogou-o no meio do grupinho de mulheres. Elas deram um salto, surpreendidas, e uma delas lhe disse: “Than Phaw!”, Por que você fez isso? Você quase me queimou!

“Eis que vi uma pilha de lixo”, respondeu ele, “e me senti em chamas”.

Um dia Ajahn Fuang casualmente ouviu dois discípulos a conversar, um deles fez uma pergunta e o outro começava a responder, dizendo: “Bem, eu acho …” Imediatamente Ajaan Fuang lhe cortou: “Se você na verdade não sabe, diga que não sabe e pronto. Por que espalhar a sua ignorância?”

“Todos temos duas orelhas e uma boca – o que demonstra que temos que dedicar mais tempo a escutar que a falar”.

“Seja o que for que aconteça durante a meditação, não o conte a ninguém mais que a seu mestre. Caso se conte a outros, é vaidade. E isso é ou não é corromper-se?”

“Quando alguém anuncia o bom que é, na realidade, está anunciando o tonto que é”.

“Se algo é bom  de verdade, não é necessário anunciá-lo”.

A Tailândia tem muitas revistas de monges – que são um pouco como as de estrelas de cinema – que publicam histórias e ensinamentos de monges, monjas e mestres laicos célebres e outros não tão célebres. Mas as historias às vezes estão tão carregadas de acontecimentos sobrenaturais e milagrosos que é difícil tomá-las em sério. Pelo contato ocasional que teve com os editores e jornalistas dessas publicações, Ajahn Fuang sentia que suas intenções eram pouco mais que mercenárias. Em suas próprias palavras: “Os grandes mestres de meditação se enfrentaram com a natureza e puseram as suas vidas em jogo para encontrar o Dhamma. E quando o encontraram e regressaram, o ofereciam gratuitamente. Mas essas pessoas se sentam nos seus escritórios com o ar condicionado ligado, escreve o que lhes passa pela cabeça e depois as vendem”.

Como consequência, nunca colaborou com eles quando tentaram incluí-lo nas suas revistas.

Uma vez, um grupo de jornalistas de uma revista chamada “Gente Além do Mundo” veio visitá-lo, armados de câmeras e gravadores. Depois de haver prestado seus cumprimentos, perguntaram a ele sobre sua prawat ou história pessoal. Acontece que a palavra tai ‘prawat’ também pode se referir a ficha policial e, portanto, Ajahn Fuang respondeu que nunca havia feito nada de ruim e que não tinha nenhuma. Mas aqueles jornalistas não se deram por vencidos facilmente. Se não queria contar-lhes a sua história, disseram, poderia pelo menos ensinar-lhes um pouco do Dhamma. Este pedido nenhum monge pode recusar e assim Ajahn Fuang pediu-lhes que fechassem os olhos e meditassem na palavra buddho – desperto. Eles ligaram os gravadores e se sentaram para meditar, esperando uma conversa sobre o Dhamma, mas foi isto o que ouviram:

“Este é o Dhamma de hoje: duas palavras – bud e dho. Mas se vocês não são capazes de manter em mente essas duas palavras, seria um desperdício de tempo tentar ensinar-lhes algo mais”.

Fim do sermão. Quando eles perceberam que aquilo era tudo, os jornalistas – visivelmente exasperados – recolheram câmeras e gravadores e se foram para nunca mais voltar a incomodá-lo.


Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
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