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A Ordem das Monjas

No começo da Ordem, apenas homens eram admitidos à Sangha, já que o Buddha relutava em admitir mulheres. Mas havia muitas mulheres devotas entre os seguidores leigos que tinham um forte desejo por uma vida de renúncia enquanto monjas. Levada por sua força de vontade, Pajāpati Gotami, a mão adotiva do Buddha, em companhia de muitas damas nobres, aproximou-se do Buddha, solicitando a ele que lhes concedesse a ordenação. Mas o Buddha ainda hesitava em aceitá-las. Notando a frustração delas, e levado por seu zelo, o Venerável Ānanda aceitou aquela causa e intercedeu com o Buddha em prol delas. O Buddha finalmente cedeu ao apelo, colocando, entretanto, oito regras cardinais quanto à ordenação de mulheres. Assim foi estabelecida, no quinto ano após sua iluminação, a Ordem das Monjas, a Bhikkhunī Sāsana, pela primeira vez na história; pois nunca antes houvera uma Ordem onde a mulher podia levar uma vida de renúncia em celibato. Mulheres de todos os tipos juntaram-se à Ordem. Acima de todas na Ordem destacavam-se Theris Khemā e Uppalavannā. As vidas de um grande número dessas nobres monjas, seus esforços extenuantes para conseguir o objetivo da liberdade e seus hinos de alegria à libertação da mente são descritos minuciosamente no Therigāthā, os Salmos das Irmãs [1].

Em Kapilavatthu

Enquanto estava em Rājagaha, o Bem-Aventurado ouviu que seu pai desejava vê-lo, e partiu para Kapilavatthu. Contudo, ele não foi diretamente ao palácio mas, de acordo com os costumes, parou num arvoredo do lado de fora da cidade. No dia seguinte o Buddha, com sua tigela, foi mendigar comida de casa em casa nas ruas de Kapilavatthu. O rei Suddhodana, impressionado com as notícias, correu até o Buddha e disse: “Por quê, Mestre, você nos envergonha? Por quê mendigar comida? Nenhum de sua raça jamais o fez”. O Buddha replicou assim: “Você e sua família podem alegar descendência dos reis; minha ascendência é dos Buddhas de antigamente; e eles, mendigando por comida, sempre viveram de esmolas”. Então, explicando o Dhamma, o Mestre disse: “Seja alerta, seja atento, viva uma vida correta. Os justos vivem uma vida feliz tanto neste mundo quanto no outro”. E assim o rei se firmou no Caminho, ele percebeu o Dhamma. O Buddha foi então conduzido ao palácio, onde todos vieram render-lhe respeito, mas não a princesa Yasodharā. O Buddha foi até ela, e a princesa, sabendo do abismo intransponível entre eles, caiu ao chão e o saudou. Nisso, relatando o Candakinnara Jātaka, uma história de seu nascimento prévio [2], revelando quão grande havia sido sua virtude naquela vida anterior, ele fez dela uma adepta da Doutrina. Mais tarde quando o Buddha foi levado a estabelecer uma Ordem para mulheres, Yasodharā tornou-se uma das primeiras monjas e alcançou o estado de arahat, a mais alta santidade.

Quando o Buddha estava no palácio, a Princesa Yasodharā vestiu seu filho Rāhula com seus melhores trajes e o enviou ao Bem-Aventurado, dizendo: “Esse é seu pai, Rāhula, vá e lhe peça sua herança”. O príncipe Rāhula foi ao Buddha, ficou perante ele e disse: “Agradável de fato é a sua sombra, sábio”. E quando o Bem-Aventurado havia terminado sua refeição e deixado o palácio, o príncipe Rāhula o seguiu dizendo “Dê-me minha herança, sábio; dê-me minha herança”. Nisso o Bem-Aventurado falou ao Venerável Sāriputta: “Bem então, Sāriputta, leve-o à Ordem”. Então o Venerável Sāriputta deu ao Príncipe Rāhula a ordenação [3]. No Majjhima Nikāya, uma das cinco coleções originais em pāli contendo os discursos do Buddha, há três discursos (Nos. 61, 62, 147) intitulados Rāhulovāda ou exortações a Rāhula, pronunciados pelo Bem-Aventurado para ensinar o Dhamma ao pequeno Rāhula. Os discursos são todos voltados a conselhos quanto a disciplina e meditação. Aqui está um excerto da exortação do Mestre no Mahā Rāhulovāda Sutta [4]: “Cultive a meditação da bondade amorosa (mettā), Rāhula; pois ao cultivar a bondade amorosa, a má vontade é banida. Cultive a meditação da compaixão (karunā), Rāhula, pois ao cultivar a compaixão, a crueldade é banida. Cultive a meditação da alegria apreciativa (muditā), Rāhula, pois ao cultivar a alegria apreciativa, a aversão é banida. Cultive a meditação da equanimidade (upekkhā), Rāhula, pois ao cultivar a equanimidade, o ódio é banido. Cultive a meditação da impureza (asubha), Rāhula, pois ao meditar na impureza, a luxúria é banida. Cultive a meditação do conceito de impermanência (anicca-sañña), Rāhula, pois ao meditar no conceito de impermanência, o orgulho de si (asmi-māna) é banido. Cultive a meditação da vigilância por meio do inspirar-e-expirar (ānāpānasati), Rāhula, pois a vigilância por meio da respiração, cultivada e frequentemente praticada, gera muitos frutos e é de grande vantagem”.

Mulheres no Buddhismo

Em termo gerais, durante o tempo do Buddha, devido à influência brahmāṇica, as mulheres não recebiam muito reconhecimento. Às vezes eram tratadas com desprezo e tidas servilmente em relação aos homens. Foi o Buddha quem elevou o status das mulheres e houve casos de mulheres mostrando erudição em termos de filosofia. De coração grande e magnânimo, ele sempre tratava as mulheres com consideração e civilidade, e apontava a elas, também, o caminho da paz, pureza e santidade. Disse o Bem-Aventurado: “Uma mãe é a amiga no lar de alguém. Uma esposa é a maior amiga do marido”. O Buddha não rejeitou o convite para uma refeição embora Ambapāli [5] tivesse má reputação. Qualquer comida que ela oferecesse ele aceitava, e em retorno, ele lhe dava o Dhammadāna, o presente da verdade. Ela se convenceu imediatamente pelo ensinamento e deixando de lado sua frívola vida leiga, entrou na Ordem das Monjas. Ardente e incansável em suas práticas religiosas, ela então se tornou uma arahat. Kisāgotami era também outra mulher a quem o Buddha deu o auxílio de sua grande compaixão. Sua história é uma das mais pungentes registradas em nossos livros. Muitos outros são os exemplos em que o Buddha ajudou e consolou mulheres que sofriam das vicissitudes da vida.

 


[1] Psalms of the Early Buddhists – The Sisters, trad. por C. A. F. Rhys Davids (PTS Translation Series)..

[2] Jātaka No. 485

[3] Vin. I, 82-83. Ver Piyadassi Thera e J. F. Dickson, Ordination in Theravāda Buddhism, Wheel No. 56.

[4] MN 62. Para uma tradução completa ver Advice to Rāhula (Wheel No. 33).

[5] C. A. F. Rhys Davids, Psalms of the Early Buddhists – The Sisters, p. 120.

 

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