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De pernas cruzadas ele se sentou sob uma árvore, que mais tarde se tornou conhecida como a árvore Bodhi, a “Árvore da Iluminação” ou “Árvore da Sabedoria”, às margens do rio Nerañjara, em Gaya (agora conhecido como Buddhagaya), fazendo o esforço final com uma resolução inflexível: “Embora apenas minha pele, tendões e ossos permaneçam, e meu sangue e carne sequem e murchem, ainda assim nunca me erguerei deste assento até alcançar a iluminação completa (samma-sambodhi)”. Assim era ele, infatigável no esforço, perseverante na devoção e resoluto em perceber a verdade e alcançar a completa iluminação.
Aplicando a si mesmo à “observação vigilante da expiração e inspiração” (anapana sati), o Bodhisatta entrou e permaneceu na primeira absorção meditativa (jhana; skt. dhyana). Gradualmente entrou e permaneceu nos segundos, terceiros e quartos jh?nas. Assim, limpando sua mente das impurezas, com a mente assim serena, ele a dirigiu ao conhecimento da rememoração de nascimentos passados (pubbenivasanussatiñana). Esse foi o primeiro conhecimento que atingiu na primeira vigília da noite. Então, o Bodhisatta dirigiu sua mente para o conhecimento do desaparecimento e reaparecimento dos seres de formas variadas, em bons estados de experiência e em estados de miséria, cada qual seguindo conforme suas ações (cutupapatañana). Esse foi o segundo conhecimento atingido por ele na segunda vigília da noite. A seguir, dirigiu sua mente para o conhecimento da erradicação das máculas (asavakkhayañana) [1].
Ele compreendeu como realmente é: “Isto é sofrimento (dukkha), isto é o surgimento do sofrimento, isto é a cessação do sofrimento, isto é o caminho que conduz à cessação do sofrimento”. Ele compreendeu como realmente é: “Estas são as corrupções (asavas), este é o surgimento das corrupções, esta é a cessação das corrupções, este é o caminho que leva à cessação das corrupções”.
Sabendo disso, vendo isso, sua mente foi liberada das corrupções dos prazeres dos sentidos (kamasava), do vir-a-ser (bhavasava) e da ignorância (avijjasava) [2]. Quando sua mente foi assim libertada, veio o conhecimento, “libertado”, e ele compreendeu: “Destruído foi o nascimento, a nobre vida (brahmacariya) foi vivida, foi o que era para ser feito, não há mais disto para vir” (significando que não há mais continuidade da mente e do corpo, não mais vir-a-ser, renascimento). Esse foi o terceiro conhecimento alcançado por ele na última vigília da noite. Isso é conhecido como o tevijja (skt. trividya), o conhecimento triplo [3].
E assim falou estas palavras de vitória:
“Buscando sem achar o mestre-de-obras,
Percorri sucessões de nascimentos:
Ó mestre-de-obras, fostes contemplado;
Esta casa vós não mais erguereis.
Foram todos quebrados vossos caibros,
Também a viga mestre demolida.
Foi minha mente ao não-formado Nibbana
E foi atingido o término de todo anseio”. [4]
Assim o Bodhisatta [5] Gotama, na idade de trinta e cinco, em outra lua cheia de maio (vesakha, vesak), atingiu a Suprema Iluminação ao compreender em toda sua plenitude as Quatro Nobres Verdades, as Eternas Certezas, e ele se tornou o Buddha, o Grande Curador e o Mestre-Médico Consumado que pode curar os males de todos os seres. Essa é a grande vitória imperturbável.
As Quatro Nobres Verdades são a mensagem inestimável que o Buddha deu à humanidade sofredora, para ajudá-la a se libertar dos grilhões de dukkha, e alcançar a absoluta felicidade, a realidade absoluta – Nibbana.
Essas verdades não são sua criação. Ele apenas redescobriu sua existência. Assim, temos no Buddha alguém que merece nosso respeito e reverência não apenas como um professor mas também como um modelo de vida nobre, meditativa e disposta ao auto-sacrifício que devemos seguir se quisermos nos aperfeiçoar.
Uma das notáveis características que distingue o Buddha de outros mestres religiosos é que ele era um ser humano sem ter qualquer conexão que fosse com um Deus ou outro ser “sobrenatural”. Ele não era nem Deus nem uma encarnação de Deus, nem um profeta, nem uma figura mitológica. Era um homem, mas um homem extraordinário (acchariya manussa), um ser único, um homem por excelência (purisuttama). Todos seus feitos são atribuídos a seus esforços humanos e sua compreensão humana. Pela experiência pessoal ele compreendeu a supremacia humana.
Dependendo de sua própria energia infatigável, sem o auxílio de professor algum, humano ou divino, ele alcançou os mais altos feitos mentais e intelectuais, chegou ao cimo da pureza, e foi perfeito nas melhores qualidades da natureza humana. Ele foi uma encarnação da compaixão e sabedoria, que se tornaram os dois princípios norteadores de sua Doutrina (sasana).
O Buddha nunca alegou ser um salvador que tentava resgatar “almas” por meio de uma revelação religiosa. Por sua própria perseverança e compreensão ele provou que há infinitas potencialidades latentes no homem e que deve ser o esforço do homem desenvolver e desdobrar essas possibilidades. Ele provou por sua própria experiência que libertação e iluminação estão plenamente dentro do alcance do esforço humano.
“Religião do mais alto e completo caráter pode coexistir com a completa ausência de crença em revelação em qualquer sentido direto da palavra, e no núcleo daquela religião de uma revelação, um Deus pessoal. Sob o termo Deus pessoal incluo todas as idéias de um assim chamado deus suprapessoal, da mesma natureza espiritual e mental como numa personalidade mas num nível superior, ou de fato em qualquer força ou existência espiritual sobrenatural”. (Julian Huxley, Religion Without Revelation, pp. 2 e 7).
Cada indivíduo deve fazer o esforço apropriado e romper os grilhões que o mantém preso, angariando liberdade das cadeias da existência pela perseverança, empenho e intuição. Foi o Buddha que pela primeira vez na história do mundo ensinou que a liberdade poderia ser alcançada independentemente de uma agência externa, que libertação do sofrimento deve ser forjada e moldada por cada um para si na bigorna de suas próprias ações.
Ninguém pode conceder libertação a outro que meramente suplica por ela. Outros podem nos oferecer uma mão ao nos guiar e instruir, e em outras formas, mas a maior liberdade é conseguida apenas através da auto-realização e auto-despertar para a verdade e não por intermédio de rezas e petições a um Ser Supremo, humano ou divino. O Buddha alerta seus discípulos contra alterar o fardo para uma agência externa, dirige-os aos caminhos do discernimento e da pesquisa, e os exorta a se ocuparem com a real tarefa de desenvolver suas forças e qualidades internas.
[1] Maha Saccaka Sutta, MN 36.
[2] Vê-se também, em outros lugares, a corrupção da visão falsa (ditth?sava) adicionada como a quarta corrupção.
[3] MN 36; I, 249.
[4] Dhp. 153-154. trad. por Ñanamoli Thera
[5] Um Bodhisatta (skt. Bodhisattva) é alguém que adere ou se submete (satta) ao ideal de iluminação, ou conhecimento das quatro nobres verdades (bodhi). Nesse sentido, o termo pode ser aplicado a quem quer que esteja empenhado na suprema iluminação (samma-sambodhi). Um Bodhisatta cultiva plenamente dez perfeições ou parami, que são qualidades essenciais de um padrão muito elevado principiado pela compaixão e sempre imiscuído de compreensão, livre de anseio, orgulho e visões falsas (tanha, ditthi e mana) que qualificam alguém para o estado de Buddha. São: dana, sila, nekkhamma, pañña, viriya, khanti, sacca, adhitthana, metta, e upekkha – generosidade, moralidade, renúncia, sabedoria, esforço, paciência, determinação, bondade amorosa e equanimidade.