Gil Fronsdal
Gil Fronsdal

A sabedoria surge da prática;

Sem prática ela é perdida.

Conhecendo esses dois modos de ganho e perda,

Aja de maneira que a sabedoria cresça.

– Dhammapada 282

Algumas vezes, o Buddhismo é conhecido como uma tradição de sabedoria: a prática do despertar é apoiada e expressa num profundo entendimento da vida. Sabedoria também é uma das dez qualidades ou “perfeições” desenvolvidas na prática buddhista.

A tradição buddhista diferencia três formas de sabedoria, cada uma com seu lugar na prática espiritual: adquirida através do aprendizado, da reflexão e do desenvolvimento da meditação.

As pessoas algumas vezes colocam sabedoria em oposição ao conhecimento, subestimando o estudo. Mas, no Buddhismo, o conhecimento que vêm do aprendizado é apreciado como uma forma de sabedoria. Estudar os ensinamentos é uma fundação valiosa para a prática. Estudar inclui ler as palavras dos professores buddhistas e outros mestres espirituais. Pode incluir aulas. Tradicionalmente também inclui memorização dos textos buddhistas. Às vezes eu peço aos praticantes para memorizar textos curtos ou passagens, e coisas maravilhosas acontecem. Uma passagem memorizada parece ser processada internamente por meios sutis e variados além de nossa compreensão intelectual. Uma linha ou passagem aparecerá na mente no momento oportuno, provendo uma nova perspectiva sobre o ensinamento ou sobre a aplicação das palavras nas nossas vidas.

A segunda forma de sabedoria é a sabedoria reflexiva: usar nossos poderes de reflexão para pensar sobre temas importantes em nossas vidas. Isso inclui discussões com amigos, companheiros de prática e professores. Às vezes as pessoas pensam que a vigilância se opõe à reflexão –  pois sendo ela não-discursiva, a atividade discursiva deve ser de alguma forma não espiritual. A tradição, no entanto, não vê a reflexão e vigilância como opostas. Cada um tem a sua importância.

Qualquer tema pode ser objeto de uma reflexão cuidadosa. Na prática buddhista é valorizado o refletir, digerir e desafiar ensinamentos como as Quatro Nobres Verdades, o Caminho Óctuplo, impermanência, não-eu, karma e origem dependente. Um importante tema tradicional de reflexão é a morte. Há um ditado que diz que a idade traz sabedoria. Esta sabedoria pode vir de uma maior experiência de vida, mas talvez mais de uma sensação de proximidade da morte. Quando a realidade da morte se torna clara para nós, ela pode ser uma fonte de sabedoria. Pode esclarecer as nossas intenções e prioridades. Ao invés de uma preocupação mórbida, refletir sobre a morte pode ajudar-nos a viver a nossa vida conscientemente, apreciando o que é mais importante.

A terceira espécie de sabedoria é aquela desenvolvida pela meditação. Esta é a compreensão que surge do desenvolvimento das qualidades da mente – como a observação vigilante – que nos permite ver profundamente dentro da natureza de nossa experiência. A maioria das pessoas não valoriza suas experiências, relatando somente aparências superficiais. Nós tendemos a não questionar a verdadeira natureza da experiência em si mesma, e perdemos uma oportunidade de ver mais profundamente.

Uma vez que a investigação não discursiva da observação vigilante se torna mais forte, nossa visão é cada vez menos filtrada por nossas ideias. Começamos a ver as coisas mais claramente como o que elas são. Uma vez que a observação vigilante se torna mais penetrante, vemos as três características universais da experiência: todas as experiências são impermanentes, nenhuma é um refúgio satisfatório de felicidade duradoura e nenhuma experiência ou coisa conhecida por meio da conscientização pode ser qualificada como um self estável.

Conforme encontramos essas características diretamente, a sabedoria cresce. Começamos a compreender o sofrimento que vem da resistência em relação ao fluxo constante da experiência. Começamos a ver que a vigilância pode nos levar a uma felicidade que não depende de nossa experiência. E obtemos uma facilidade em nossas vidas. Encontramos um lugar de liberdade sem um eu para defender ou reforçar. Podemos ver nossos defeitos e nossas dores sem que eles nos limitem, sem acreditar que eles definem quem somos.

A perfeição da sabedoria, do insight, vem quando o coração e a mente não se apegam nem resistem a qualquer coisa. Ver as três características é um poderoso passo para a perfeição. Isso leva a uma consciência do que não é apropriado, do que não deve fazer parte de nossas experiências. A mente e o coração permitem que as experiências venham e passem assim como são. Deste ponto, decidimos mais sabiamente como agir, quando tomar uma posição e como dizer o que precisa ser dito. A arte da libertação é aprender a fazer o que precisamos na vida, sem a mente ou o coração tornando-se contraído ou tenso. Na quarta-feira de cinzas, T. S. Eliot expressa esta sabedoria lindamente: “Ensina-nos a cuidar e a não cuidar”. Cuidar e não cuidar ao mesmo tempo. Não é um ou o outro.

Mais frequentemente do que nos damos conta, temos uma alternativa para manter a oposição. Estudo, reflexão e o desenvolvimento em meditação reforçam a prática da vigilância. Eles nos ajudam no rumo da libertação e trazem harmonia para as nossas vidas e as dos outros.


Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
revisão: Ricardo Sasaki
em acordo com o Autor

© 2015-2016 Gil Fronsdal

Nota: “Tocar o Coração do Assunto” é uma compilação de ensaios editados sobre a prática buddhista da observação vigilante. Muitos destes capítulos começaram como palestras dadas aos grupos de meditação da noite de segunda-feira ou da manhã de domingo do Insight Meditation Center em Redwood City, Califórnia. Alguns dos capítulos foram escritos especificamente para a publicação em jornais, em revistas ou em boletins de notícias buddhistas. Este livro é uma oferenda do Dhamma.


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