Buscando em todas as direções
Com a própria consciência,
Não se encontra ninguém mais querido
Que a si mesmo.
Da mesma maneira, os outros
São fervorosamente queridos a si mesmos.
Assim, ninguém deveria machucar os outros
Se ama a si mesmo.
– Samyutta Nikāya 3.8

~ Gil Fronsdal ~

A compaixão é um dos valores centrais e ideais da prática buddhista. No entanto, vendo-a como um ideal torna-se fácil ignorar as circunstâncias difíceis em que ela surge. A compaixão não surge como algo abstrato. Ela surge quando estamos em contato direto com o sofrimento real, o suficiente para ser movido por ela, sendo o nosso próprio sofrimento ou o sofrimento dos outros.

Podemos lidar com o sofrimento com ou sem resistência. Resistir ao sofrimento é ceder ao medo, ao desespero, à censura, ao nervosismo ou à projeção. E se projetarmos os nossos problemas e dores nos outros que estão a sofrer, não só estaremos numa posição enfraquecida para providenciar ajuda, como também podemos facilmente cair na dor, na piedade ou na ansiedade.

Quando encaramos o sofrimento sem resistência, o sofrimento não nos torna vítimas. Pelo contrário, pode ser motivador de duas maneiras. Por um lado, pode inflamar o desejo, talvez até mesmo a paixão, para a prática espiritual que resolva as raízes do sofrimento dentro de nós mesmos. Isto significa ter a motivação para esclarecer as nossas resistências, apegos e medos, bem como nossas alegrias e pontos fortes. Por outro lado, o nosso contato com o sofrimento pode despertar o desejo compassivo por aliviar esse sofrimento. A palavra buddhista para compaixão, karunā, significa mais do que apenas a empatia; ela inclui o desejo e a motivação para dar um fim ao sofrimento. Mesmo quando não temos a capacidade de ajudar diretamente, tal inquietação pode oferecer conforto.

Como um ideal, karunā significa estar presente no sofrimento, sem negação, atitude de defesa ou aversão. No entanto, na atual confusão de nossas vidas, podemos simplesmente aprender a sermos compassivos para com as nossas próprias tendências de negação, atitude de defesa e aversão, bem como a dor da qual elas nascem. A boa vontade para sentar (em meditação) em meio à nossa vida é o que iniciará o processo de dissolver os espaços ocupados pela tensão, medo e afins. Com honestas presença e compaixão, o ressentimento se dissolve em perdão, o ódio em cordialidade e a raiva em gentileza. No entanto, quando estamos perdidos em nossos afazeres, ambições, fugas ou fantasias, a compaixão não tem chance de surgir.

À medida que ficamos mais propensos a nos aceitarmos e a aceitarmos nosso próprio sofrimento, começamos a sentir de maneira mais completa o sofrimento dos outros. A prática da vigilância nos ajuda a nos conectarmos com os outros como iguais. Isso, por sua vez, nos guarda de confundirmos uma errônea pena sentimental (sentindo, ao mesmo tempo, pena dos outros e separado deles) com compaixão.

O sofrimento é uma experiência humana universal; ir a seu encontro com compaixão é uma das capacidades mais nobres que temos como seres humanos.


Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
revisão: Ricardo Sasaki
em acordo com o Autor

© 2015-2016 Gil Fronsdal

Nota: “Tocar o Coração do Assunto” é uma compilação de ensaios editados sobre a prática buddhista da observação vigilante. Muitos destes capítulos começaram como palestras dadas aos grupos de meditação da noite de segunda-feira ou da manhã de domingo do Insight Meditation Center em Redwood City, Califórnia. Alguns dos capítulos foram escritos especificamente para a publicação em jornais, em revistas ou em boletins de notícias buddhistas. Este livro é uma oferenda do Dhamma.


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