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~ por Gil Fronsdal ~
Karma
Toda experiência é precedida pela mente,
Liderada pela mente, fabricada pela mente.
Fale ou aja com uma mente corrompida
E o sofrimento virá
Como a roda da carroça segue o casco do boi –
Toda experiência é precedida pela mente,
Liderada pela mente, fabricada pela mente.
Fale ou aja com uma mente tranquila
E a felicidade virá
Como uma sombra que nunca o deixa. – Dhammapada 1-2
Central para a prática espiritual buddhista é uma apreciação profunda do momento presente e das possibilidades que existem no presente para acordar e ser livre do sofrimento. O presente é o único lugar em que existe a nossa criatividade. A noção buddhista de karma está intimamente ligada a esta criatividade.
O conceito de karma não é uma ideia sobre vidas passadas; não é uma lei de predeterminação. Se você acredita que sua felicidade é predeterminada, isso deixa nenhum espaço para que você possa afetar a sua felicidade e seu sofrimento. A prática espiritual inclui a escolha. O Buddha enfatizou que, se você tem uma ideia demasiado estrita do karma, não há nenhum espaço para escolha.
O Buddha disse: “O que eu chamo de karma é intenção”. Em outras palavras, o ensinamento do karma é sobre escolhas intencionais que fazemos no presente. O momento presente é para ser apreciado com vigilância e nele se estar relaxado, como fazemos na meditação. Mas é também onde podemos escolher como proceder para o próximo momento. Quanto mais claramente vemos a escolha, tanto maior a liberdade e criatividade que temos para fazê-la.
O momento presente é parcialmente o resultado das nossas escolhas no passado e em parte o resultado de nossas escolhas se desdobrando no presente. Nossa experiência do momento seguinte, no dia seguinte, na próxima década, é moldada por escolhas que fazemos em relação a onde nos encontramos agora. Atos intencionais do corpo, fala e mente têm consequências; ter em conta essas consequências oferece uma orientação importante para nossas escolhas de ação.
Mas essas consequências não são fixas ou mecânicas. Ações intencionais tendem para determinadas consequências. Afinal, o campo interativo da causalidade é imenso. Às vezes, as consequências das nossas ações intencionais estão submersas no vasto oceano de causa e efeito. Mas, mesmo assim, o mundo tende a responder de uma determinada maneira, se agimos com intenções de ganância, ódio ou ilusão. Ele tende a responder de forma muito diferente se agirmos com motivações de cordialidade, generosidade e bondade.
Enquanto consequências no mundo externo podem ser variadas, as consequências interiores de nossas ações são frequentemente muito mais claras, oferecendo-nos um feedback confiável sobre nossas escolhas. Por exemplo, podemos experienciar os resultados de nossas intenções – consequências kármicas – em nossos corpos. Hábitos cumulativos de ganância, ódio ou medo afetam nossos músculos de uma forma, enquanto a generosidade, a compaixão e a reconciliação os afeta de forma muito diferente. Medo pode ser sentido como aperto e tensão, enquanto o corpo se comprime em proteção. Proteger-se é uma intenção, por vezes despercebida quando se torna crônica. Mas mesmo despercebida, a tensão pode eventualmente criar dificuldades físicas.
Na meditação, nós deixamos de responder ao mundo habitualmente. Em vez disso, vemos a dinâmica da mente: nossos desejos, sentimentos, pensamentos e intenções. Em vez de agir sobre ou reagir a eles, damos-lhes uma atenção cuidadosa. Quando nós não os reforçamos, eles se acalmam e não direcionam mais nossas vidas.
O mundo do sofrimento e da liberdade tem muito a ver com o como nós escolhemos responder ao que nos é dado, ao momento presente em si. Pode ser que o que é dado não seja do nosso gosto. Mas, mesmo assim, através da prática da vigilância nós podemos nos despertar ao potencial criativo de escolha de como responder. Optar por responder com aversão, raiva, medo ou apego continua a criação do sofrimento. Responder com mais atenção, ou sem referência a nossos apegos egoístas, interrompe os ciclos de sofrimento. Liberdade criativa não é possível se a escolha é enraizada em egoísmo.
Então, o mundo do karma é o mundo da intenção, e o mundo da intenção pertence ao mundo de agora; a nenhum outro momento. Com que intenção você encontra este momento? Com que intenção você faz o seu trabalho, ou dirige, mantém uma conversa, ou faz um favor a alguém? Se você cuida de suas intenções com amor e carinho, como se fosse um jardim, suas intenções irão florescer maravilhosamente e dar frutos em sua vida.
tradução: Patricia Gurgel Segrillo
revisão: Ricardo Sasaki
em acordo com o Autor
© 2011 Gil Fronsdal
Nota: “Tocar o Coração do Assunto” é uma compilação de ensaios editados sobre a prática buddhista da observação vigilante. Muitos destes capítulos começaram como palestras dadas aos grupos de meditação da noite de segunda-feira ou da manhã de domingo do Insight Meditation Center em Redwood City, Califórnia. Alguns dos capítulos foram escritos especificamente para a publicação em jornais, em revistas ou em boletins de notícias buddhistas. Este livro é uma oferenda do Dhamma.
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