~ por Gil Fronsdal ~
Não há fogo como o da paixão,
Não há prisão como a do ódio,
Não há rede como o da ilusão,
Não há rio como o do desejo sedento.
– Dhammapada 251
Trazer a consciência para as nossas emoções nos ajuda a ter emoções simples ou descomplicadas. Nenhuma emoção é inadequada dentro do campo da nossa prática de vigilância. Tentamos permitir que elas existam à medida que surjam, sem reação, sem as complicações adicionais de julgamento, avaliação, preferências, aversão, desejos, apegos ou resistência.
O Buddha certa vez perguntou a um aluno: “Se uma pessoa é atingida por uma flecha, isso é doloroso?” O estudante respondeu: “É”. O Buddha perguntou então: “Se a pessoa é atingida por uma segunda flecha, é ainda mais doloroso?”. O estudante respondeu novamente: “É”. O Buddha, então, explicou: “Na vida, nem sempre podemos controlar a primeira flecha. No entanto, a segunda flecha é a nossa reação à primeira. Essa segunda flecha é opcional”.
Enquanto estivermos vivos, podemos esperar experiências dolorosas – a primeira flecha. Condenar, julgar, criticar, odiar ou negar a primeira flecha, é como ser alvejado por uma segunda flecha. Muitas vezes, a primeira flecha está fora de nosso controle, mas a flecha da reatividade, não.
Muitas vezes, o sofrimento expresso associado a uma emoção não é a emoção em si, mas a maneira como nos relacionamos com ela. Nós a sentimos como sendo inaceitável? Justificada? Nós a odiamos? Sentimos orgulho dela? Nos envergonhamos dela? Nos sentimos tensos em relação a ela? Temos medo de como estamos nos sentindo?
A vigilância em si não censura nossas reações. Ao contrário, ela é honestamente consciente daquilo que nos acontece e como reagimos a isso. Quanto mais conscientes e acostumados estivermos com nossa reatividade, mais facilmente poderemos sentir, por exemplo, tristeza sem complicações ou alegria simples, não misturadas com culpa, raiva, remorso, vergonha, julgamentos ou outras reações. Liberdade no Buddhismo não é liberdade das emoções; é a liberdade para não complicá-las.
Há quatro aspectos da vigilância em relação às emoções: reconhecimento, nomeação, aceitação e investigação. Não há necessidade de praticar com todos os quatro toda vez que uma emoção se apresenta. Vocês podem experimentar entender como cada um deles encoraja uma atenção não-reativa quanto às emoções.
Reconhecimento: Um princípio básico da vigilância é que não podemos experimentar a liberdade e a amplitude, a menos que reconheçamos o que está acontecendo. Reconhecer certas emoções à medida que surgem, por vezes, pode ser difícil. Fomos ensinados que algumas emoções são inadequadas, temos medo delas, ou simplesmente não gostamos delas. Por exemplo, quando iniciei minha prática, me tornava raivoso quando minha prática no retiro não ia da forma como eu esperava que fosse. Mas eu tinha uma visão de mim como alguém que não estava com raiva, eu não reconhecia a raiva. Até eu reconhecer a raiva, o retiro não pode realmente começar para mim. Quanto mais aprendemos a reconhecer a gama de nossas emoções, incluindo as mais sutis, mais familiar e confortável nos tornamos em relação a elas. Quando isso acontece, o seu domínio sobre nós diminui.
Nomeação: Notas mentais firmes e relaxadas ou a nomeação da emoção do momento – “alegria”, “raiva”, “frustração”, “felicidade”, “tédio”, “contentamento”, “desejo” e assim por diante – encoraja-nos a permanecermos no presente com aquilo que é central em nossa experiência. Nomear é uma maneira poderosa de evitarmos nos identificar com fortes emoções. Há muitas maneiras pelas quais somos capturados pelas emoções: podemos nos sentir justificados nelas, sentir-nos condenados por elas, sentirmos vergonha delas ou encantados por elas. Nomear nos ajuda a sair da identificação para um ponto mais neutro de observação: “Isto é assim”. Contos de fada dizem que o dragão perde seu poder quando é nomeado. Da mesma forma, as emoções podem perder seu poder sobre nós quando são nomeadas.
Aceitação: na vigilância, simplesmente permitimos que as emoções estejam presentes, quaisquer que sejam elas. Isso não significa tolerar ou justificar nossos sentimentos. A prática formal de meditação oferece-nos a oportunidade extraordinária de praticar a aceitação incondicional das nossas emoções. Isso não significa expressar emoção, mas deixar que as emoções se movam em nós sem inibições, resistência ou encorajamento. Para facilitar a aceitação, podemos tentar ver que a emoção surge porque certas condições se unem. Por exemplo, se seu pneu esvaziasse no caminho para o seu trabalho e seu chefe lhe desse uma tarefa com um prazo apertado imediatamente depois que você tivesse chegado, você provavelmente se sentiria frustrado ou bravo. Se seu chefe tivesse lhe dado a mesma tarefa na manhã seguinte em que você tivesse tido uma boa noite de sono e ouvido ótimas notícias sobre suas ações na bolsa, você poderia se sentir estimulado ou desafiado. Se pudermos ver emoções como surgindo de um particular conjunto de ações, poderemos mais facilmente aceitá-las, e não tomá-las pessoalmente.
Investigação: Isso requer que sejam largadas quaisquer ideias fixas que possamos ter em relação a uma emoção, olhando-a de uma maneira nova. As emoções são eventos compostos, feitos de sensações corpóreas, pensamentos, sentimentos, motivações e atitudes. Investigação não é uma análise abstrata. Ao contrário, é mais como um exercício sensorial de conscientização: sentimo-nos adentrando a experiência no momento presente das emoções. Particularmente útil é a prática da investigação das sensações corporais de uma emoção. A correlação entre as emoções e a sua manifestação física é tão forte que quando resistimos ou suprimimos as nossas emoções, nós fazemos o mesmo com as sensações em partes do nosso corpo. Voltar a atenção para partes do nosso corpo por meio da vigilância desperta a nossa capacidade para sentirmos emoções. Se permitirmos ao corpo ser o veículo da emoção conseguiremos mais facilmente afastar os pensamentos sobre a emoção (isto é, as histórias), analisar ou tentar resolver a situação e simplesmente descansarmos no momento presente da experiência.
A vigilância em relação às emoções nos ajuda a chegar num posição em que não reagimos aos nossos impulsos e emoções interiores a partir da força do hábito. Tal posição é uma boa fundação a partir da qual olhar cuidadosamente para situações e tomar decisões sábias. O sentido da meditação buddhista não é se tornar emocionalmente neutro. A partir dela, podemos nos abrir para nossa total capacidade de sentirmos emoções e sermos sensíveis ao mundo ao nosso redor, mas, ainda assim, não sermos inundados por aquilo que sentimos.
Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
revisão: Ricardo Sasaki
em acordo com o Autor
© 2015 Gil Fronsdal
Nota: “Tocar o Coração do Assunto” é uma compilação de ensaios editados sobre a prática buddhista da observação vigilante. Muitos destes capítulos começaram como palestras dadas aos grupos de meditação da noite de segunda-feira ou da manhã de domingo do Insight Meditation Center em Redwood City, Califórnia. Alguns dos capítulos foram escritos especificamente para a publicação em jornais, em revistas ou em boletins de notícias buddhistas. Este livro é uma oferenda do Dhamma.
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