por Akincano Bhikkhu
Direcionamos nossa atenção ao ar que respiramos, buscando o movimento de toda a respiração; sentindo, talvez, como esse ar toca todos os nossos órgãos, como ele toca o espaço interior.
Aprecie esse bem-estar. Fique confortável, assuma uma boa postura. Permita-se deixar de lado tudo o que você experienciou hoje, sem temer que essas experiências desapareçam. Não precisamos mais nos apegar a elas, podemos nos permitir deixá-las de lado, mas sem negá-las; abandonando-as, simplesmente, ao momento presente. Quando nos liberamos voluntaria e deliberadamente em relação ao conhecido, isto é, das imagens que criamos hoje, do conjunto de nossos estados, dos nossos encontros, talvez de algumas ideias, preciosas, com certeza, isto nos permite penetrar mais conscientemente no agora. Permita-se que tudo isso se vá, por enquanto. Se for realmente precioso, retornará, não tema.
E, liberando-se de tudo isso, você entrará mais conscientemente nesta situação, aqui, agora.
Perceba o funcionamento de seus sentidos: o que você sente, o que ressente, o que escuta, suas experiências táteis. Constate como você está agora: repleto de energia, sonolento, entediado, ansioso, seja o que for, perceba-se sem se analisar, sem se envolver.
E, depois, perceba o ar como objeto, perceba o ir e vir das sensações no ventre, a dilatação, a contração do peito, talvez a sensação de quando a inspiração começa nas narinas. Eleja como região de sua atenção, um lugar, seja ele qual for – nariz, tórax, barriga – onde a sensação seja mais concreta, mais tangível. Permita que usa mente esteja lá. A sua atenção continua viva e as sensações vêm, as sensações vão, você permanece com isso, você constata o surgimento delas, a mudança, as pequenas alterações e depois o desaparecimento. Perceba a profundidade, o ritmo, a textura, a vitalidade escondida dentro dessas sensações.
Uma imensa simplicidade em tudo isso!
Permita à mente se reunificar, proteja-a de todas as distrações, de tudo o que se distancia do presente, do conjunto de sensações corporais ligadas à respiração. Seja claro, seja determinado a guardá-la, a protegê-la, permita que ela esteja presente. Note bem que não somos nós que a trazemos para nós, ela compreende o que deve fazer. Quando a protegemos, quando a impedimos de se misturar aos sentidos, às imagens, quando nós a protegemos de tal maneira, ela sabe muito bem o que fazer para se unificar, ela sabe muito bem como se acalmar, como tranquilizar-se, como tornar-se transparente.
Este simples movimento de uma inspiração, de se abrir a esta inspiração, e, em uma expiração, de permitir que o ar que nos nutre nos abandone, representa os grandes movimentos universais. Abrir, aceitar, depois devolver, deixar, deixar passar.
Se você observa um pouco ao seu redor, você vê que toda forma de experiência na sua vida requer certa atitude, requer que você esteja pronto para se abrir, para arriscar alguma coisa, para tornar-se vulnerável, para que outra coisa possa se apresentar, possa se manifestar, possa tocar você. E depois, normalmente, sem que você tenha muito a dizer sobre o assunto, há um momento em que você precisa deixá-la ir. Embora boa, embora seja uma experiência feliz, há um determinado momento em que essa experiência passa. Há algo que muda, e é preciso que você a deixe passar! Você pode lutar um pouco, mas, mesmo que você lute bastante, aquilo será retirado de você! Devemos aprender a desapegar antes que as coisas nos sejam tiradas à força.
Os movimentos de inspiração e de expiração simbolizam a experiência fundamental de nossa vida.
Da mesma forma, na nossa dependência da respiração, podemos reconhecer a característica da condicionalidade. Dependemos das coisas, dependemos desta respiração. As coisas não são estáveis, são essas condições que mudam e das quais nós dependemos bastante. Este aspecto pode ser visto na respiração: o ar que nós respiramos, enquanto elemento, nos demonstra a impessoalidade deste processo. Não é o meu ar que eu inspiro e expiro, eu compartilho o que inspiro e expiro, eu compartilho este oxigênio com todo mundo, mesmo com aqueles de quem não gosto!
Quase todos os seres, quase todas as formas de vida neste planeta trocam um pouco de gás com o seu ambiente; nós não estamos sós de forma alguma. Podemos reconhecer, neste fato, o elemento da impessoalidade.
E, finalmente, no vai e vem da respiração, do ar, nós reconhecemos a impermanência, o fato de que nós vivemos uma troca contínua. Não importa o quão perfeita seja a sua inspiração, você não pode parar neste momento; o processo continua, com uma expiração inevitável. Podemos, também, reconhecer que a medida de bloqueio existente em nossa respiração está, de certa forma, em correlação com os bloqueios e intervenções que apresentamos em nossas vidas. Podemos reconhecer os obstáculos que se apresentam em nossa vida como, em grande parte, os obstáculos que se apresentam em nossa respiração. Existem grandes laços entre os dois.
Fiquemos atentos a este movimento, a este movimento primordial, a este movimento universal e o tomemos como refúgio. Devemos tomá-lo como base de nosso exercício, de nossa prática, para nos colocar em contato com nós mesmos, para cuidar de nós. Fazendo contato com nossa respiração, ela vai nos dizer se estamos animados, se estamos ansiosos, se estamos estressados.
Se estivermos calmos, nossa respiração vai nos contar. E depois ela nos dá os meios para transformarmos tudo o que experienciamos. É possível ficar mais calmo, mais transparente, mais relaxado, mais claro, por meio da respiração, pelo simples mimetismo de que, quando nós estamos assentados e calmos, a respiração se acalma. Quando prestamos atenção a este movimento que nos acalma, a mente vai se acalmar da mesma forma.
Consideremos esta respiração como uma corda, para depois nos permitirmos nos pacificar, deslizar e, vagarosamente, sem empurrar, sem forçar, sermos verdadeiramente guiados por esta corda, para irmos a fundo na verdadeira natureza das coisas.
[wc_divider style=”solid” line=”single” margin_top=”” margin_bottom=””]
Trecho dos ensinamentos do retiro de novembro de 2002 no departamento de Drôme.
Transcrito por Le REFUGE – Mas de Fabrègues – 13510 EGUILLES – França
Traduzido do francês por Igor Barca para o Centro de Estudos Buddhistas Nalanda
[wc_divider style=”solid” line=”single” margin_top=”” margin_bottom=””]
* Se você tem ‘habilidades linguísticas’ e gostaria de traduzir e dispor suas traduções em nossa sala de estudos para que mais pessoas possam ter acesso aos ensinamentos do Dhamma, nós o/a convidamos para entrar em contato conosco. Precisamos de tradutores do espanhol, inglês, alemão e outras línguas.
Belíssimo texto! Grata.
Comments are closed.