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– Um relato da primeira vinda da Mestra Zen Heila ao Brasil
Em 1983, o mestre zen Seung Sahn veio ao Brasil para uma palestra. Meus passos no Buddhismo estavam apenas começando e, na época, praticava o zen segundo a escola japonesa Sôtô, bem como a prática do nembutsu da Terra Pura. Fui à palestra do mestre Seung Sahn, e gostei de seu estilo. Soen Sa Nim, como afetuosamente é chamado por seus discípulos, deixou uma aluna americana para tentar iniciar um grupo de zen coreano em São Paulo. Diana Clark permaneceu aproximadamente dois anos, no qual tive o prazer de praticar até seu final. Quatro anos depois da visita de Soen Sa Nim ao Brasil, enquanto morava nos EUA, tive oportunidade de treinar no Providence Zen Center, Rhode Island, EUA, o centro principal da escola Kwan Um do mestre Seung Sahn no Ocidente. Mais de dois anos depois, tendo voltado ao Brasil e me mudado para Belo Horizonte, durante um retiro Sôtô Zen, tive a oportunidade de conhecer Tânia Lohmann, que, para minha surpresa, também conhecia o zen coreano, algo raro no Brasil. Nosso contato se desenvolveu a partir dali e acompanhei suas viagens para o Providence Zen Center e o início de suas viagens para a África do Sul, onde havia conhecido a mestra Heila Poep Sa Nim, discípula de Soen Sa Nim.
Heila Poep Sa Nim costuma dizer que causa e efeito são claros. Mas eu diria que as coisas ocorrem por caminhos muitas vezes misteriosos e inesperados. De volta para o ano de 1983, jamais pensaria que dezoito anos mais tarde estaríamos realizando um retiro de zen coreano em nosso próprio centro de retiros! A mestra Heila Poep Sa Nim e seu marido, o professor sênior de Dharma Rodney Downey, chegaram a meu convite em Belo Horizonte no dia sete de outubro de 2001 para ministrar um curso e dirigir um retiro na linhagem coreana. Heila e Rodney dirigem o Dharma Centre em Robertson, África do Sul, um centro para o zen contemporâneo na África, como costumam dizer. Inicialmente filiados a Philip Kapleau Roshi, em 1991 eles se sentiram inspirados pelo estilo energético do mestre Seung Sahn e se filiaram à escola Kwan Um. O Dharma Centre de Robertson é o único centro zen completamente residencial de toda a África, havendo também o centro de cidade em Rondebosch, Cape Town, fundado também por eles.
Por três noites Heila PSN e Rodney ministraram um seminário sobre ‘Zen e a Arte de Viver Momento a Momento’. A média de participantes foi de 25 pessoas e todos ficaram encantados com a jovial e marcante presença dos dois. Então, no dia 11, dirigimo-nos pela manhã, para o Nalanda Arama, o centro de retiros e prática intensiva que estamos construindo a 40 minutos de Belo Horizonte, para servir de base para a prática buddhista comprometida com os princípios deixados pelo Buddha. O Nalandarama fica no pequeno vilarejo de Casabranca, logo ao sopé da Serra do Rolamoça, ao sul de BH. Lá, vinte praticantes, quase nossa capacidade total no momento, iriam passar quatro dias, neste que talvez tenha sido o primeiro retiro da linhagem coreana na América do Sul, sentando em meditação, cantando sutras, trabalhando em conjunto e fazendo as conhecidas prostrações do buddhismo coreano. Tivemos o prazer de contar neste retiro não apenas com praticantes do Centro Nalanda, acostumados com o estilo vipassana do Buddhismo Theravada, mas também com três praticantes da sangha Sôtô Zen de Belo Horizonte. Como lembrou a mestra Heila no final do retiro, o Centro Nalanda é, juntamente com o próprio Dharma Centre de Robertson, um dos poucos lugares do mundo, onde sanghas de duas escolas buddhistas diferentes têm a oportunidade de se sentar e praticar juntos. Na África do Sul, eles também têm laços estreitos com a comunidade Vipassana de lá.
Apesar das condições ainda básicas do Nalandarama, o retiro correu num espírito de tranqüilidade e animada energia. Junto com o casal de professores veio da África uma de suas alunas, a Ronel, que serviu de ‘Moktak Master’ durante o retiro, além de preciosa ajuda na cozinha. O monge Napoleão do grupo Sôtô Zen serviu de ‘Samu Master’, o chefe dos trabalhos comunitários, uma tarefa que cumpriu com perfeição. Imensa quantidade e qualidade de trabalhos foram feitos no terreno do Arama (mosteiro ou floresta de treinamento espiritual na língua pali), e todos ficaram impressionados com a mudança ocorrida do dia em que entramos para o dia em que saímos de lá. Quando pessoas trabalham unidas muito pode ser feito, e estes quatro dias serviram para todos verem isso. A presença sorridente e afetuosa de Heila PSN, bem como suas entrevistas muito ajudaram a prática de todos, e o professor Rodney foi inspirador na sala de Dharma, bem como no uso do kyosaku, o ‘bastão do encorajamento’.
A convite da Tânia, os três partiram dia quinze de outubro para Porto Alegre para um ciclo de palestras e um retiro de fim-de-semana. Esperamos que sua passagem pelo sul do Brasil seja tão frutificante quanto o foi pelas terras mineiras!
© 2001 Ricardo Sasaki