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Centro de Estudos Buddhistas Nalanda, os primeiros anos

 

1989

O Centro de Estudos Buddhistas Nalanda foi fundado por Upāsaka Dhanapāla na lua cheia de maio de 1989 com o objetivo de promover o estudo e a prática dos ensinamentos da tradição buddhista em solo brasileiro. Localizado no bairro Anchieta, em Belo Horizonte, seu início foi a precipitação de um processo já de vários anos, sob a inspiração de diversos professores. A cidade de Belo Horizonte/MG tinha agora um local para a conversa sobre o Dhamma, vinda de fontes diretas asiáticas, um espaço de prática da meditação samatha/vipassana, estudo e colaboração.

Desde o início, nosso foco era propiciar um espaço de encontro; sem interesse por formar instrutores ou professores, criar círculos esotéricos de iniciados e não-iniciados, nem estabelecer hierarquias de gurus e discípulos, ou antigos e novos. Nosso objetivo era o de poder transmitir fielmente aquilo aprendido, e nesse processo, incentivar a existência de amigos dispostos a se ajudarem mutuamente no entendimento e prática dos ensinamentos primevos do Buddha.

As palavras definidoras de um ‘estudante do Dhamma’, nas palavras do mestre Ajahn Buddhadasa, serviram de síntese de nossa motivação:

Um ‘estudante do Dhamma’ deve:

♦ desenvolver compaixão por si e por todos os outros seres;

♦ manter uma atenção calma e focada diante dos assuntos a enfrentar;

♦ buscar o abandono temporário, de forma relaxada, das crenças e teorias passadas, mesmo quando nominalmente ‘buddhistas’, para assim estar melhor preparado para ver as coisas como elas realmente são;

♦ ter a disposição de pensar por si mesmo;

♦ estimular a discussão amigável com outros buscadores;

♦ engajar-se na experimentação prática na vida diária, a fim de testar as conclusões a que suas leituras e ponderações o levem;

♦ ter humildade e fervorosa honestidade.

 

Nosso primeiro ano de existência foi de ‘sentir’ o solo onde pisávamos. Recentemente de volta ao Brasil, importava-nos re/conhecer o povo brasileiro, sua cultura e possibilidades, e ficamos satisfeitos de que em breve um pequeno grupo se formou interessado nessa nova perspectiva. Na época, a cidade de Belo Horizonte havia sido exposta a apenas outro tipo de Buddhismo, o Zen. Com o Nalanda, inaugurávamos um local em que se podia não apenas meditar, mas também estudar os ensinamentos mais antigos, primevos, do Buddha, e tentar praticá-los em conjunto. Foi o primeiro Centro Theravada de Minas Gerais, o segundo Centro Theravada da América do Sul, e o primeiro Centro Theravada fundado no Brasil desde a década de 70.

Paralelamente à prática e estudos buddhistas, nosso espaço também oferecia yoga, massagem tailandesa, e orientação psicológica. Aqui se iniciou também um período de intensa escrita e tradução. Os primeiros textos de Ajahn Chah e Ajahn Buddhadasa foram traduzidos ao português pela primeira vez no Brasil. Também uma tradução a partir de fontes orientais e com comentário próprio detalhado foi feita do Sūtra do Coração, com o nome ‘A Mensagem do Coração’, consistindo da tradução do Mahā Prajñā Pāramitā Sūtra, um dos mais importantes sūtras da tradição buddhista em uma nova versão com extensas notas explicativas. O sūtra era apresentado em suas duas versões, a longa e a curta, com uma introdução sobre a sua história, apresentação dos originais e notas para cada uma das palavras-chaves, juntamente com seus equivalentes em pāli, sânscrito, chinês e japonês.

Ainda neste ano mudamos nosso local de prática para o bairro do Gutierrez. Com a mudança, aproveitamos para definir o nome do grupo, que nos primeiros meses atuou sob o nome “Núcleo Buddhista de Estudos e Terapia Integrada”, e que agora passava a ser denominado “Nalanda – Casa de Dharma e Estudos Tradicionais”, nome que usaríamos por alguns anos até modificarmos para o oficial “Centro de Estudos Buddhistas Nalanda”.

Por que escolher o nome Nalanda? Nalanda significa “o lugar que oferece o lótus”. A flor de lótus é um símbolo oriental que se refere ao conhecimento espiritual, o caminho de investigação e descoberta interior. Outro significado da palavra, mencionado pelo peregrino chinês Hsuang-tsang, é o de “generosidade sem fim”. Nalanda também é o nome da localidade onde se situava uma das mais famosas universidades buddhistas de antigamente, a qual floresceu entre os séculos V e XII na Índia. Segundo a tradição, Nalanda foi visitada muitas vezes pelo Buddha, sendo também o lugar de nascimento de um de seus principais discípulos, o venerável Sariputta. Com o nome Nalanda queríamos expressar o desejo de que não apenas pudéssemos oferecer esse caminho de investigação e descoberta, mas também que o pudéssemos fazer no mesmo espírito da Antiga Nalanda.

 

1990

Em 1990, além das práticas regulares de meditação e estudo, nosso trabalho de escrita estava ‘de vento em popa’. Nosso ‘Núcleo Editorial’ tinha como propósito “prestar um serviço de informação à sangha, referente aos ensinamentos do Buddha e outras tradições orientais, através de um trabalho de divulgação de escritos e traduções que pretende ser o mais fiel possível ao espírito das tradições espirituais tratadas”.

Eis uma lista daquilo publicado até então:

♦ Prece e Meditação na Era Nuclear: um resumo de uma conferência ecumênica sobre a Paz no mundo, realizada em um centro zen dos EUA e reunindo representantes de diversas tradições como o Vedanta, Judaísmo, tradição nativa dos índios norte-americanos, Buddhismo, etc., os quais se reuniram para discutir o papel da prece e da meditação.

♦ Símbolo & Arte – dois artigos que tratam do papel simbólico das formas de arte no caminho espiritual. O primeiro deles, ‘Símbolo’ de Ananda Coomaraswamy, e o segundo, ‘Princípios e Métodos da Arte Sacra’ de Titus Burckhardt.

♦ Nosso Verdadeiro Lar – por Ajahn Chah. Uma conversa de um dos mais importantes mestres de meditação da Thailândia com uma discípula leiga em seu leito de morte. Foi o primeiro texto de Ajahn Chah publicado no Brasil.

♦ Shin Buddhismo – por Ryosetsu Fujiwara. Um sumário dos ensinamentos da Verdadeira Escola da Terra Pura (Jodo Shin Shu), a escola buddhista que mais adeptos tem no Japão. Pela primeira vez se publicava no Brasil um texto dessa tradição fora dos templos específicos da escola da Terra Pura.

♦ Breve Introdução ao Buddhismo – por Kenryu Tsuji. Uma coletânea de quatro artigos, sendo o primeiro aquele que aparece no título. Os demais foram: ‘Os Princípios da Libertação’ por Jean Eracle, ‘A Prática no Buddhismo’ pelo 14º. Dalai Lama, e ‘O Espírito do Buddhismo’, pelo lama Anagarika Govinda.

♦ Esboço de uma Antropologia Espiritual – por Frithjof Schuon. Neste trabalho o autor procura mostrar como a verdade, a virtude e a liberdade, podem ser descobertas dentro do homem sob a forma de Inteligência, Sentimento e Vontade, outorgando, assim, à subjetividade humana, uma nova dimensão.

♦ Um Breve Guia da Meditação Buddhista – por Ricardo Sasaki. Composto de duas partes, este trabalho primeiramente apresenta uma visão geral dos vários tipos de meditação existentes no Buddhismo, tais como o Satipatthana e o Zen, servindo como um guia para a compreensão das semelhanças e diferenças entre as diversas práticas. A segunda parte é uma coletânea de vários autores, consistindo em uma introdução à prática e ao significado da meditação.

♦ Felicidade e Fome – por Ajahn Buddhadasa. Uma palestra de outro dos mais importantes mestres da Thailândia, onde é abordado o tema da felicidade, seus vários tipos, qual delas nós queremos e o que fazer para consegui-las. Uma leitura fundamental para o correto entendimento da mensagem do Buddha. Foi o primeiro texto a aparecer no Brasil desse grande mestre.

♦ O Simbolismo do Vajra – compõe-se de dois artigos sobre o simbolismo do Vajra, um instrumento simbólico em forma de tridente, presente em várias tradições espirituais e em particular no Buddhismo Tibetano. O primeiro é ‘A Árvore e o Vajra’ de René Guénon, onde se delinea a similitude entre os dois simbolismos. O segundo é ‘O Tridente’ de Louis Charbonneau-Lassay, o qual trata especificamente sobre a presença do tridente na simbologia cristã.

♦ Para Compreender A Tradição Islâmica – por Ricardo Sasaki. Uma compreensível introdução sobre o que é a tradição islâmica. Sua história, símbolos e ritos principais, o sufismo e o caminho espiritual, são alguns dos temas tratados.

♦ Tesouros do Buddhismo – por Frithjof Schuon. Uma seleção de quatro artigos escritos pelo autor. São eles: Tesouros do Buddhismo, A Originalidade do Buddhismo, Verdade e Presença na Tradição Buddhista e Nota sobre o Elemento Feminino no Mahayana.

♦ O Papel da Orientação na Experiência Meditativa – por Ricardo Sasaki. Aqui o simbolismo espiritual e cósmico da postura de meditação é abordado em vários de seus aspectos. A noção de eixo, os níveis de realidade e o aspecto orientador de sua prática para a parte psíquica do homem, com referência às várias tradições contemplativas e em particular o Buddhismo, terminando com uma apresentação da noção de Impermanência (anicca), um fator fundamental para a compreensão da mensagem búddhica.

♦ Existe um Zen sem Moral? – por Ricardo Sasaki. Um desenvolvimento sobre o papel da moralidade e da conduta na escola Zen do Buddhismo, com destaque para o caso dos “monges”.

Tudo isso era feito com máquina de escrever elétrica, bem antes de computadores surgirem por aqui. As apostilas eram impressas e montadas por nós. Ainda nesse ano mudamos nosso local de prática para o bairro Barroca em Belo Horizonte, passando a oferecer um espaço um pouco maior para a prática.

Cursos de Meditação eram dados regularmente tanto no Nalanda quanto na Sociedade Teosófica, cuja diretoria nos havia convidado para apresentar a meditação vipassana e buddhista em geral. Diversos cursos foram dados lá durante cerca de cinco anos.

 

1991

No ano de 1991 nosso carro-chefe em termos de cursos oferecidos continuava ser o de Introdução à Meditação, onde vipassana e outras técnicas da tradição Theravada eram amplamente tratadas e discutidas. No meio do ano estivemos na Thailândia, para um período de estudos e prática, onde aproveitamos para rever velhos amigos.

 

1992

No mês de janeiro desse ano foi realizado nosso primeiro retiro de vipassana de fim de semana. O retiro foi realizado no sítio de um dos participantes. No total, dez pessoas, a capacidade máxima do sítio, sendo todos alunos regulares, participaram desse ‘marco histórico’ dos retiros vipassana no Brasil.

Três livretos lançados nesse ano foram:

♦ Sasaki, Ricardo. Com que Direito nos dizem que esta é a Realidade? Belo Horizonte: Nalanda,  1992.

♦ Sasaki, Ricardo. O Antigo e o Novo. Belo Horizonte: Nalanda,  1992.

♦ Sasaki, Ricardo. As Ciências Tradicionais. Belo Horizonte: Nalanda,  1992

 

1993

No ano de 1993, com apresentação e tradução de Ricardo Sasaki, foi publicada no Brasil a primeira coletânea de suttas buddhistas da tradição pāli. Suttas Buddhistas, Belo Horizonte: Nalanda 1993, introduziu os suttas preservados pela tradição Theravāda para o público de língua portuguesa.

Um outro marco para o Buddhismo Theravada no Brasil também ocorreu neste ano, com a publicação pela Editora Vozes, do livro Passo a Passo: Meditações sobre a Sabedoria e a Compaixão do Venerável Mahā Ghosananda, patriarca e líder do Buddhismo cambojano, com tradução de Ricardo Sasaki.

Em novembro embarcamos novamente para a Thailândia para novo período de estudos.