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NagasenaExcertos de uma palestra dada em uma aula de meditação por Nagasena Bhikkhu

Sempre fico muito feliz em vê-los na aula de meditação. Ao virem, vocês demonstram o desejo de praticar. Talvez tenham ouvido dizer que meditar ajuda as pessoas a se livrarem da ansiedade, medo, agitação, estresse ou depressão. Admito que realmente ajuda e, claro, que vocês são bem-vindos por terem vindo por esse motivo. No entanto, como seu professor gostaria de destacar que Vipassana tem objetivo e recompensas muito maiores. Vipassana os capacita a entender os ensinamentos do Buddha, o Dhamma, e com isso, ver o que é real em todas as suas experiências. Vejam o seguinte exemplo com relação às limitações de usar a prática apenas para aliviar estresse, ansiedade, depressão, etc. Digamos que eu resolva que quero ir a Londres. Esse desejo terá pouco efeito se ficar apenas no querer ir. Preciso agir. Devo descobrir como chegar lá, qual a melhor forma de viajar – se de carro, trem ou ônibus -, quanto custará, os horários, qual é o jeito mais rápido. Sem fazer isso posso até partir, mas ficarei rodando e talvez nunca chegue lá. E caso chegue, terei desperdiçado muito tempo e dinheiro no caminho. O mesmo acontece com a prática de meditação: ação e sabedoria devem acompanhar o desejo para que se saiba qual é a ação correta.

No caminho espiritual, desejo sem sabedoria não é benéfico. Ignorância nunca levará à realização. Assim, é muito importante entender o quê os trouxe para esta aula. Se vocês entenderem claramente seu motivo, então através do conhecimento e da sabedoria vocês saberão qual é o esforço necessário para atingir sua meta. Vocês têm de decidir como querem usar sua vida, que caminho querem seguir. Se decidirem que não querem nada além de encontrar uma forma de relaxar, de alguma forma essa prática pode lhes ser útil em conjunto com outras técnicas disponíveis por aí, mas não acredito em seu benefício de longo prazo se não houver aspiração ou desenvolvimento espiritual. Se sua prática vem de seu desejo de dedicar sua vida para atingir a iluminação nesta existência, então vocês devem agarrar essa determinação. Mantenham sempre o desejo de iluminação em mente e façam com que todas as suas ações estejam de acordo com essa intenção.

Precisamos realizar muitas ações para alcançar a iluminação e algumas são muito difíceis. Nesta aula recitamos o Metta Sutta, que tem muito a ver com esse assunto. Incluído nesse sutta, em meio a todos os métodos para se atingir o estado de paz, encontramos: “Você não deve estar sempre ocupado” (Appakicco ca sallahukavutti). Sempre enchendo sua vida com trabalho e atividades que só lhe trazem estresse, ansiedade, exaustão e depressão, mas que impedem a manutenção da vigilância que é cultivada em sua meditação. Na verdade, há pessoas que me contam terem vivenciado a paz e a calma resultantes da prática, mas infelizmente, quando estão ocupados, têm muito o que fazer, muitos encontros com outras pessoas, perdem esse estado e sua mente torna-se agitada, toda a calmaria se vai e eles têm de correr e fazer muitas coisas. Eles conseguem ver o que acontece quando diminuem o ritmo, mas parecem incapazes de manter esse estado.

É óbvio que um tal nível de vigilância nunca atingirá objetivos. Agitados por meio de atividades e perdendo a sabedoria para fazer modificações, é difícil, senão impossível, controlar a mente. Vocês não conseguem ficar vigilantes quando estão apressados.

A resposta está na simplicidade, e é maravilhoso se viver dessa forma. Esse é o caminho para se desenvolver uma vida espiritual. Vocês não precisam se afastar do mundo, só precisam simplificar. Mesmo que não atinjam a iluminação nesta vida, vocês conseguirão mudá-la para melhor. Vão devagar, desenvolvam sua mente, sua compreensão e sua sabedoria e acreditem que será possível atingir o estágio de Sotapanna, Entrante-no-Fluxo. Esse é o primeiro estágio de realização no caminho para a iluminação e não o acho muito difícil.

Não se iludam, porém, que com essa realização a pessoa elimina o ego. Não, o ego é muito poderoso e apenas quando atingirem a iluminação total e final é que o ego se dissolverá. Podemos diminuir o ego ao desenvolvermos a sabedoria e o conhecimento sobre a lei do kamma, causa e efeito. Ao vivermos de acordo com o processo do kamma e, principalmente, ao vivermos com a mente purificada, nos desenvolveremos no caminho. Não acreditem em ritos e rituais para purificar sua mente. Isso só pode acontecer por meio da prática de meditação, da ação correta, do conhecimento e da vigilância. Não se deixem levar por conceitos de alma eterna e um redentor. Não confiem em ninguém ou qualquer coisa externa além de si mesmos. Nada disso é compatível com os ensinamentos buddhistas. O próprio Buddha disse que a única coisa que podia fazer era nos mostrar o caminho; tínhamos de encontrar nossa própria salvação. Aceitar o conceito da existência de uma alma não é prejudicial em si mesmo, mas deve ser visto através da compreensão do caminho do meio entre os dois extremos formados por eternidade e aniquilação. Se vocês se livrarem do conceito de alma e criador desenvolvendo o entendimento do self, então tudo ficará claro com relação a causa e efeito, causa e conseqüência. Fé e confiança nos ensinamentos do Buddha, o Dhamma, vagarosamente purificarão sua mente através da meditação.

Assim, descubram a razão para sua prática. Qualquer que seja sua meta, relaxamento ou realização do desenvolvimento espiritual, diminuam suas atividades e pratiquem de forma apropriada. Como eu disse antes, se vocês têm certeza que querem ir a Londres e sabem a melhor forma para chegar lá, mesmo que demore, a viagem será concretizada e vocês chegarão lá. Entendam por que vocês vêm a este centro de meditação. Vocês estão interessados nos ensinamentos de Buddha? Pode parecer que vocês estejam interessados e gostem de alguns aspectos do Dhamma, mas não os praticam. Essa não é a forma de desenvolver espiritualmente. Vocês devem desenvolver compreensão e esforço correto. Devagar, passo a passo no caminho, com entendimento e intenção correta vocês podem achar muito fácil atingir o estado de Sotapatti, mesmo a iluminação total nesta vida, aqui e agora. Que todos vocês compreendam o Dhamma!

© Nagasena Bhikkhu

© Centro Buddhista Nalanda, 2005 – Traduzido por Amandina Morbeck para a Comunidade de Buddhismo Theravada Nalanda

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Nagasena Bhikkhu
Nagasena Bhikkhu faz parte de uma nova geração de monges, educados na Ásia, mas residindo no Ocidente. Monge desde 1992, ele é natural de Bangladesh, graduou-se na Mahachula Buddhist University, Thailândia e mestrado em Buddhismo e Filosofia Religiosa na Kalaniya University, Sri Lanka. Estudou pali em Bangladesh e em Myanmar.Nagasena Bhikkhu reside no Birmingham Buddhist Vihara.

6 COMMENTS

  1. Alegro-me bastante ao ler este texto! Sempre desconfiei que precisamos acreditar na possibilidade real de atingir a iluminação nesta vida para que a prática venha a se fortalecer e dirigir nossas ações.

    Em nossa cultura, existe a mania de nos depreciarmos por demais, de nos sentirmos eternos incapazes… Se não puder acreditar em mim mesma, quem poderá?

    C/ metta.

  2. Belo texto! Perguntar por nossas razões disto ou daquilo é um aprendizado diário. Por vezes é entrar num labirinto!

  3. Manter as coisas simples! Aí está a dificuldade, mas este texto ( de tão simples) relembra-nos: simplifica e pratica, momento a momento.
    Abraço, cristina.

  4. Texto completamente dotado de simplicidade e sabedoria. Toca-nos profundamente, reconhecendo nossas falhas na prática e o caminhor correto a ser perseguido.

  5. Concordo plenamente com Rosana Lucas.Conscientes de nosso valor, podemos agir em direções que venham a contribuir positivamente para a nossa auto-estima.

  6. Muito bom o texto, dizendo da importância dos nossos objetivos, da simplicidade e de nossa atenção em sempre buscarmos o caminho do meio.

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