1. Buddha estava sempre acompanhado de um ajudante, cujo trabalho era entregar mensagens para ele, preparar seu assento e atender suas necessidades pessoais. Nos primeiros vinte anos de seu ministério, ele teve diversos ajudantes – Nagasamala, Upavana, Nagita, Cunda, Radha e outros -, mas nenhum deles mostrou que se adequava. Um dia, quando decidiu substituir seu ajudante do momento, ele juntou todos os monges e dirigiu-se a eles: “Estou ficando velho e quero ter alguém como ajudante permanente, que obedecerá meus desejos de todas as maneiras. Quem de vocês gostaria de ser meu ajudante?”. Todos os monges entusiasticamente ofereceram seus serviços, exceto Ananda, que sentou-se modestamente nos fundos, em silêncio. Mais tarde, quando perguntado porque não se voluntariou, ele replicou que o Buddha saberia melhor quem escolher. Quando o Buddha indicou que ele gostaria de ter Ananda como seu assistente pessoal, Ananda aceitou a posição, mas somente com algumas condições. As primeiras quatro condições foram que o Buddha não deveria jamais dar a ele qualquer comida que ele recebesse, nenhuma das suas roupas, ele não deveria ter nenhuma acomodação especial, e ele não precisaria acompanhar o Buddha quando ele fosse convidado para visitar a casa das pessoas. Ananda insistiu nessas quatro condições porque ele não queria que as pessoas pensassem que ele estava servindo o Buddha por causa de ganhos materiais. As últimas quatro condições eram relacionadas ao desejo de Ananda de ajudar na divulgação do Dhamma.

As condições eram as seguintes: se fosse convidado a participar de uma refeição, ele poderia transferir o convite ao Buddha; se pessoas da região viessem ver o Buddha, ele teria o privilégio de fazer as apresentações; se ele tivesse alguma dúvida sobre o Dhamma, poderia esclarecer suas dúvidas com o Buddha a qualquer momento e, se o Buddha fizesse um discurso em sua ausência, o repetiria em sua presença. O Buddha aceitou as condições com um sorriso no rosto e assim nasceu entre os dois homens um relacionamento que viria a perdurar pelos próximos vinte e cinco anos

  1. Ananda nasceu em Kapilavatthu e era primo de Buddha, sendo filho de Amitodana, o irmão do pai de Buddha, Suddhodana. Foi durante a primeira viagem de Buddha de volta a Kapilavatthu, após sua iluminação, que Ananda, junto com seu irmão Anuruddha, e seu primo Devadatta, se tornou um monge. Ele se mostrou um estudante diligente e disposto, e dentro de um ano ele se tornou um Entrante-na-Correnteza. A vida de monge deu grande felicidade à Ananda, e sua natureza tranquila e despretensiosa fez com que ele fosse pouco notado pelos outros, até que foi selecionado para ser o atendente pessoal de Buddha. Enquanto algumas pessoas desenvolvem as qualidades que levam à iluminação por meio da meditação ou do estudo, Ananda fez isso através do amor e da preocupação que ele tinha com os outros. Mesmo antes que Buddha atingisse o Nirvana final, Ananda começou a chorar, dizendo para si mesmo: “Ah, eu sou ainda um aprendiz com muito por fazer. E o professor está morrendo, ele que foi tão compassivo comigo”. Buddha chamou Ananda na sua presença e reassegurou-lhe que ele tinha desenvolvido sua mente a um grau muito alto por meio do seu desapego e do seu amor e que se ele fizesse somente apenas um pequeno esforço ele também poderia atingir a iluminação.

“Chega, Ananda, não comece a chorar. Já não disse que todas as coisas que são agradáveis e maravilhosas também são mutáveis, sujeitas a se separar delas e à impermanência? Então, como isto poderia não passar? Ananda, por um longo tempo você tem estado em minha companhia, mostrando a amorosidade com o corpo, fala e mente, prestativamente, abençoadamente, inabaladamente e sem mesquinhez. Você criou muito mérito, Ananda. Faça um esforço e muito em breve você estará [1] livre das impurezas”.

  1. O altruísmo de Ananda se manifestava de três formas: pelo seu serviço ao Buddha, pela sua bondade extremamente generosa com os demais discípulos, ordenados ou laicos, e também com as futuras gerações por seu papel crucial na preservação e transmissão do Dhamma.
  2. Como assistente pessoal do Buddha, Ananda esforçou-se por libertar o Buddha de tantas atividades mundanas quanto possível para que pudesse concentrar-se em ensinar o Dhamma e ajudar as pessoas. Para isso, ele lavava e remendava a túnica de Buddha, limpava os seus aposentos, lavava os seus [62] pés, massageava as suas costas e, quando ele estava meditando ou falando, permanecia atrás dele, mantendo-o refrescado com um leque. Ele dormia perto do Buddha, para estar sempre à mão, e o acompanhava quando fazia a sua ronda pelos mosteiros. Ele chamava monges que o Buddha desejava ver e mantinha as pessoas afastadas quando o Buddha desejava descansar ou ficar sozinho. No seu papel de ajudante, secretário, intermediário e confidente, Ananda foi sempre paciente, incansável e discreto, geralmente antecipando as necessidades do Buddha.
  3. Ainda que a principal tarefa de Ananda fosse cuidar das necessidades de Buddha, ele sempre tinha tempo de estar a serviço de outros. Ele frequentemente falava sobre o Dhamma e, de fato, tinha tal habilidade de professor que às vezes Buddha perguntava se ele podia falar em seu lugar, ou terminar a fala que tinha começado. Dizem-nos que quando Buddha tinha a tarde livre, Ananda aproveitava o tempo livre para visitar pessoas doentes, falar para elas, animá-las ou tentar medicá-las. Uma vez ele ouviu que uma família muito pobre lutava para cuidar de seus dois jovens filhos. Sabendo que os meninos enfrentariam um futuro muito sombrio e sentindo que tinha que fazer alguma coisa para ajudá-los, Ananda pediu permissão a Buddha para ordená-los, daí dando-lhes uma chance na vida.
  4. A vida na Sangha nem sempre foi fácil para as monjas. A maioria dos monges se mantinha longe delas, não querendo ser tentados. Alguns até mesmo as discriminavam. Ananda, por outro lado, estava sempre pronto para ajudá-las. Foi [63] ele quem encorajou o Buddha a ordenar as primeiras monjas, ele estava sempre pronto para falar sobre o Dhamma com as monjas e seguidoras laicas, e incentivá-las em sua prática, e elas, por sua vez, muitas vezes o procuravam por causa de sua simpatia a [4] elas.
  5. O Buddha uma vez disse que de todos os seus discípulos, Ananda era o melhor entre aqueles que tinham ouvido muito o Dhamma, aquele que tinha uma boa memória, que tinha dominado a ordem gradual do que ele tinha se lembrado e que era [5] cheio de vigor. O Buddha não podia escrever, com certeza; embora a escrita já fosse conhecida naquele tempo, ela era pouco utilizada. Tanto durante a sua vida como por vários séculos após o seu Nirvana final, suas palavras foram confiadas à memória e transmitidas de uma pessoa para outra. A memória extremamente desenvolvida de Ananda, mais o fato de ele estar constantemente ao lado do Buddha, significava que ele, mais do que qualquer outra pessoa, era responsável por preservar e transmitir os ensinamentos do Buddha. Com isso, não se pretendia que Ananda se lembrasse das palavras do Buddha textualmente – isso não teria sido nem possível nem necessário, pois entender o Dhamma não depende do arranjo das palavras e sentenças, mas sim da compreensão do significado das palavras. Ao invés disso, Ananda lembrou-se da essência do que o Buddha havia dito, a quem ele disse, frases particularmente importantes ou proeminentes, símiles ou parábolas que foram usados e também a sequência em que todas as ideias foram apresentadas. Ananda podia repetir o que ouvira e lembrara aos outros e, gradativamente, desenvolveu-se um grande conjunto de ensinamentos orais. Isso significava que pessoas distantes da presença do Buddha poderiam ouvir seus ensinamentos sem a ajuda de livros ou a necessidade de ter que percorrer longas distâncias.
  6. Após o nirvāna final do Buddha, quinhentos monges iluminados convocaram um Concílio em Rājagaha com a finalidade de coletar todos os ensinamentos do Buddha e cometê-los à memória para que pudessem ser transmitidos às gerações futuras. Porque ele sabia quanto Dhamma existia e que era essencial que Ananda estivesse presente, mas ele ainda não estava iluminado. Agora que já não tinha que cuidar mais das necessidades do Buddha, ele tinha mais tempo para meditar e assim começou a praticar com excepcional diligência, esperando que pudesse alcançar a iluminação antes do Concílio começar.

À medida que o tempo do início do Concílio se aproximava, ele praticava cada vez mais. Na noite anterior ao Concílio, ele estava meditando, convencido de que não seria capaz de alcançar a iluminação na manhã seguinte. Então ele desistiu e decidiu deitar e dormir. À medida que sua cabeça tocou o travesseiro, ele se iluminou.

Ananda foi calorosamente recebido no Conselho no dia seguinte e, durante os meses subsequentes, ele recitou milhares de ensinamentos que tinha ouvido, começando cada recitação com as palavras: ‘Isto foi ouvido por mim’ (Evam me sutam).

Por causa de suas enormes contribuições para a preservação do Dhamma, Ananda foi às vezes conhecido como: ‘O Guardião do Repositório do Dhamma’ (Dhammabhandagarika).

Devido às suas qualidades de bondade, paciência e solicitude, Ananda foi uma daquelas raras pessoas que pareciam ser capazes de estar em harmonia com todos e de quem todos gostavam. Logo antes de seu nirvāna final, o Buddha louvou Ananda na companhia dos monges agradecendo-o por seus anos de amizade e serviço leais e amorosos.

“Monges, todos aqueles que foram Buddhas plenamente iluminados no passado, tiveram um atendente-chefe como Ananda, como terão os Buddhas plenamente iluminados do futuro. Ananda é sábio. Ele sabe quando é a hora certa para os monges, monjas, laicos e laicas, reis, ministros, lideres de outras seitas ou seus seguidores virem me visitar. Ananda tem quatro notáveis e maravilhosas qualidades. Quais quatro? Se um grupo de monges vem ver Ananda, eles se encantam ao vê-lo, quando eles aprendem o Dhamma com ele, se alegram e quando ele termina, eles se desapontam. E o mesmo acontece com monges, monjas e laicos e laicas”.

  1. Não se sabe ao certo quando ou onde Ananda faleceu, mas, de acordo com a tradição, ele viveu até bem idoso. Quando Fa-hien, o famoso monge chinês peregrino, visitou a Índia no século quinto d.C., ele relatou ter visto uma stupa contendo as cinzas de Ananda, e que em particular as monjas tinham uma alta consideração por ele.

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Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
em acordo com o autor
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Nota: Este artigo é parte da série O Buddha & Seus Discípulos que está sendo traduzida e cujas partes serão publicadas aqui no site.


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