~ Ven. S. Dhammika ~
A homossexualidade já existia e foi reconhecida como um tipo de sexualidade dentro de todas as culturas buddhistas, bem como em todos outros lugares. Embora geralmente tenha sido considerada com uma mistura de reprovação, escárnio ou, por vezes, simpatia, tem sido raramente sujeita a graves restrições sociais ou legais. Nenhum dos códigos jurídicos das tradições do Sri Lanka, Birmânia, Tailândia, Laos ou Camboja, criminaliza a homossexualidade. Atração pelo mesmo sexo é frequentemente mencionada em documentos chineses e japoneses, mas raramente ou nunca recebe uma menção na história do sul e do sudeste asiático até o século 19.
A tradição cristã de cruzada moral não combina bem com as atitudes buddhistas com respeito à moral. O Buddhismo tradicionalmente ensinou e recomendou os seus valores éticos e, então, deixou aos indivíduos a decisão de respeitá-los ou não, só indo além disso quando o comportamento prejudicasse aos outros. As leis que criminalizam a homossexualidade na Birmânia e no Sri Lanka devem-se mais às atitudes coloniais britânicas do que ao pensamento legal tradicional. A recente campanha, um tanto mal-pensada e aleatória deve-se dizer, contra os pervertidos “gays” no Sri Lanka tem suas origens no recente aumento de um nacionalismo chauvinista, que vê a homossexualidade como “estrangeira”. Ela também pode ter sido incentivada em algum grau pela preocupação recente e compreensível com o turismo sexual generalizado no país.
O Sri Lanka tem sido predominantemente buddhista, mais do que qualquer outro país, e tem uma história que remonta a séculos antes de Cristo. E até à chegada dos europeus no século 16, há uma única referência à homossexualidade. No século 5 da era de Cristo, Buddhaghosa escreveu comentários sobre as escrituras buddhistas, nos quais ele explica pandakas, embora de maneira confusa e estereotipada [2]. Não se encontra uma única referência nos lugares onde mais se esperaria encontrar pelo menos uma nota sobre homossexualidade. O Upāsakajanalankara, por exemplo, texto do Sri Lanka do século 14 para pessoas laicas, inclui uma longa e detalhada seção sobre a má conduta sexual, mas nem uma referência a homossexualidade [3]. Amizades intensas entre pessoas do mesmo sexo, tais como aquela entre o Príncipe Manavamma e o Rei Narasiha, foram registradas no Cullavamsa e eram reconhecidas e celebradas, mas não há qualquer sugestão de eroticismo. Provavelmente a primeira menção à homossexualidade veio de um observador português, no início do século 16. “O pecado da sodomia é tão presente… que nos deixa amedrontados de morar aqui. E se questionamos os homens mais importantes do reino se não têm vergonha de fazer tal coisa, tão suja e feia, a isso respondem que eles fazem tudo que veem o príncipe fazer, porque assim é o costume entre eles”. Embora essas alegações possam ser verdadeiras, devem ser tratadas com cuidado. Missionários cristãos tinham o hábito de descrever as culturas não cristãs como moralmente degeneradas e licenciosas para justificar-se e ganhar apoio aos seus esforços para convertê-las. Talvez um observador mais objetivo do Sri Lanka pré-moderno tenha sido John Knox, um inglês do século 17 que morou por vinte anos no país e falava um cingalês fluente. Sobre o rei de Kandy na época, ele escreveu: “A maioria de seus Criados é composta de Meninos e Jovens, abastados e de boa família. Para conseguir esses Criados, ele ordena a seus Dissavas ou Governadores das regiões que identifiquem e selecionem Meninos decentes e de boa estirpe e os enviem à Corte. Esses Meninos têm a cabeça raspada e só um chumaço de cabelos compridos desce por suas costas. Não que ele seja culpado de Sodomia e a palavra Pecado jamais chega a ser mencionada entre eles” [6].
No que concerne o monasticismo contemporâneo no Sri Lanka, o antropólogo H. L.Seneviratne escreve sobre o “abuso homossexual de jovens nos monastérios’, alegando que isso “geralmente é tomado como uma certeza, sem que se tenha notícia que isso seja praticado por monges ou leigos” [7]. Eu posso apenas dizer que durante minhas duas décadas de experiência como monge no Sri Lanka, eu vi poucas evidências de homossexualidade na Sangha e nunca percebi que isso “era tomado como certo”.
Notas
- Veja Passions of the Cut Sleeve: The Male Homosexual Tradition of China, Bret Hinsch 1992; and The Love of the Samurai: A Thousand Years of Japanese Homosexuality, by Tsuneo Watanabe, 1972
- Homosexuality as Seen in Indian Buddhist Texts’, Leonard Zwilling, in Amala Prajna: Aspects of Buddhist Studies, ed. N.H. Samtani and H. S. Prasad, 1989
- Upasakajanalankara: A Critical Edition and Study, by H. Saddhatissa, 1965
- Cullavamsa LXXIX, 1-60
- Kingship and Conversion in Sixteenth Century Sri Lanka, A. Strathern, 2007, p.122
- Robert Knox, An Historical Relation of the Island of Ceylon, 1681, reprint 1958, p. 35
- The Work of Kings, 1999
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Nota: Este artigo é parte da série Buddhismo e as questões LGBT que está sendo traduzida e cujas partes serão publicadas aqui no site.
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