Palestra do Dr. A. T. Ariyaratne na Celebração de Vesak das Nações Unidas ( B.E.2553 ) 2010
Ayutthaya and Bangkok – Tailândia – 22 à 26 de Maio
Gostaria de prestar meu profundo respeito ao Supremo Concílio da Sangha da Tailândia e minha admiração ao Governo Real Tailandês pelas bênçãos de terem sustentado a Sétima Celebração de Vesak das Nações Unidas na Tailândia, como o fizeram em cinco ocasiões prévias. Também agradeço sinceramente os organizadores, a saber, Universidade da Tailândia Mahachulalongkornrajavidyalaya e a InnerTrip Reiyukai Internacional of Japan por me convidar para discursar neste evento auspicioso sobre o tema: Recuperação Global – Uma perspectiva buddhista.
Nós, como buddhistas no mundo, em minha opinião, temos maior responsabilidade neste momento para com a sustentação da vida no planeta do que seguidores de qualquer outra fé. Nos ensinamentos do Buddha, por exemplo, como ensinado no Kalama Sutta, não somos obrigados a aceitar nada ou ninguém como uma autoridade. É uma prática fundamental no Buddhismo inquirir sobre o funcionamento de nossa mente através de investigação e questionamento e, então, resolver problemas por ações apropriadas em nosso mundo. Somos a autoridade última quando se trata de aceitação ou rejeição de qualquer coisa. Portanto, como seres humanos, devemos primeiramente encontrar o que tem havido de errado com o mundo antes de buscar por ações corretivas, as quais nós mesmos possamos implementar sem apelar pela intervenção de uma autoridade externa. A responsabilidade da recuperação global está inteiramente em nossas mãos.
O Buddha nos expôs dois conceitos de mundo, a saber, “Um mundo objetivo externo” e “um mundo pessoal interno”. Precisamos entender o mundo objetivo em um contexto de universo, como estando num vasto espaço cósmico. O Buddha desencorajou especulações cósmicas, por não terem relevância existencial para nós. Ele enfatizou a importância do entendimento de si próprio, o “mundo pessoal interno”, criado por nós mesmos. Nas palavras do Buddha “Eu proclamo que nos limites deste próprio corpo, com suas percepções e consciência, o mundo, o surgimento do mundo, a cessação do mundo e o caminho que leva à cessação do mundo”.
Até onde o mundo externo é tratado, o Buddha se referiu com alguns detalhes à vastidão do espaço cósmico e à quantidade inumerável de mundos existentes no universo. Esses sistemas galácticos estão continuamente sofrendo mudanças tanto internamente quanto externamente. Alguns discursos (suttas) proferidos pelo Buddha, especialmente Agganna Sutta, vividamente explicaram o processo da origem, dissolução e reaparecimento do mundo, e da vida neste planeta. Ele nos advertiu a não tentar entrar em um estudo muito detalhado sobre esses numerosos sistemas do mundo ou galáxias, por serem infinitos e não poderem ser compreendidos pela mente humana mundana.
Todavia, um entendimento básico do mundo externo é indispensável para nossos propósitos existenciais, por influenciar o ambiente no qual vivemos. Nós, buddhistas, acreditamos em três fatores que influenciam nossa personalidade, como mencionado no Maha Mangala Sutta. “Pathirupa Desa Vasoca, Pubbeta kaca Punnata, Atta Samma Panidica” – os quais são o ambiente em que vivemos, nossos kammas passados e o grau de controle que temos sobre nossas mentes. Esses são três dentre os trinta e oito fatores auspiciosos mencionados pelo Buddha neste
Estudos detalhados do universo externo não contribuem para redução de nosso sofrimento neste ciclo de nascimento e morte no qual estamos presos. Portanto, é mais importante compreender e atravessar este oceano samsarico – o ciclo de nascimento e morte. Por isso, ao invés de nos tornarmos demasiadamente envolvidos em estudos de ciências externas, como astronomia e astrofísica ou bioquímica e tantas outras ciências físicas, o Buddha concentrou-se em nos ajudar a entender a ciência interna de nossa própria mente. O Buddha descobriu as Quatro Nobres Verdades e nos incentivou a seguir o Nobre Caminho Óctuplo e o código de disciplina relacionado. Todavia, os ensinamentos do Buddha fornecem valiosas lições de conduta humana para a manutenção da saúde de nosso planeta, o que é indispensável para nossa existência.
A questão diante de nós é o que tem havido de errado neste “mundo externo” que nos faz sofrer mais do que antes, quais são os fatores que causam esta contínua degeneração e, finalmente, o que podemos fazer em nosso “mundo pessoal” para reverter este processo. De uma perspectiva buddhista a recuperação global deve iniciar em cada indivíduo. Falando coletivamente, temos que iniciar com nós mesmos como famílias, grupos, vilarejos rurais, comunidades urbanas, nações e como comunidade mundial ou a família humana.
Quando olhamos para os fatores que levaram à presente degeneração de nosso mundo, temos que sempre ter em mente que da mesma forma que somos todos interconectados e interdependentes, da personalidade humana até a família humana global, todos esses fatores causais estão também interconectados. Isso é o que foi ensinado pelo Buddha no Discurso da Originação Dependente ou Paticcasamuppada Dhamma. Portanto, ao procurarmos medidas corretivas, temos que prestar atenção não somente nos fatores individuais, mas na totalidade dos fatores causais e criar modos e meios de lidar com eles como um todo.
Na prática buddhista cotidiana cultivamos o pensamento “Possam todos os seres sencientes estarem bem e felizes” – na língua pali “Sabbe Satta Bhavantu Sukkhithaththa.” Olhando para as coisas, a vida e o mundo de forma holística – sabbe – é como estamos habituados sendo buddhistas.
Atualmente o mundo se defronta com numerosos problemas globais. Pobreza, Doença, Poluição Ambiental, Mudanças Climáticas, Violência e Criminalidade, Vício em Drogas, Abuso de Mulheres e Crianças, Corrupção, Guerras, Terrorismo e Impotência surgidos da Violação dos Direitos Humanos, são alguns deles. Todos eles e suas causas são inter-relacionadas. Todos esses problemas podem ser atribuídos aos lapsos da conduta humana.
A maioria das pessoas com quem conversei, expressou a opinião de que a pobreza é o problema número um que a humanidade se depara. Mas poucos reconheceram a relação que a pobreza tem com outros fatores, como estilos de vida opulentos de alguns no mundo, que agarram para si uma cota injusta de recursos naturais, impotência dos pobres, exploração econômica e o resultante círculo vicioso consistindo em ignorância, analfabetismo, doenças, divisão, violência, vício em drogas e assim por diante. Então, qualquer portifólio para erradicação da pobreza deve levar em consideração todos esses
Como buddhistas não podemos apoiar ou aplicar meios violentos para remoção das causas que provocam a pobreza. Assim, meios não violentos devem ser encontrados e utilizados ao combate da pobreza e aos outros problemas relacionados. Isso implica que a vida espiritual da comunidade deve ser feliz e otimista. Em todos os países há tradições espirituais que podem ser regeneradas levando os membros a um espírito de unidade, promovendo bondade amorosa e desenvolvendo a autoconfiança. Juntos eles podem primeiramente discutir e entender quais as causas que os mantém na pobreza e, então, formular tipos de ações cabíveis que promovam mudança. Tudo isso começa com a simples prática de Anapanasati (Vigilância por meio da Respiração) e observando a própria mente.
Vem ocorrendo nos últimos 52 anos no Sri Lanka um movimento de grande sucesso de despertar rural integrado, que tem em seu âmago a erradicação da pobreza. O movimento conhecido como Sarvodaya – Despertar de Todos – tem sua presença em mais de 15.000 vilarejos no Sri Lanka, pertencendo a todas as etnias e comunidades religiosas no país. O fato de que Sarvodaya baseia-se em princípios buddhistas de não violência, não intimidou pessoas de comunidades não buddhistas como a hindu, muçulmana e a cristã, de aderirem. A essência da religião é seu potencial de despertar a energia espiritual em um homem. Uma vez que essa energia é liberada pelo homem, barreiras se dissolvem e a transformação da consciência da comunidade ocorre.
Os valores buddhistas, os quais são aceitos de bom grado por não buddhistas nessa estratégia de comunidades organizadas, podem ser sumarizados da seguinte forma:
Metta (Amorosidade), Karuna (Ações de Compaixão), Mudita (Alegria Apreciativa), Upekkha (Equanimidade), Dana (Generosidade), Priya Vacana (Linguagem Agradável), Arthacarya (Ações Construtivas) e Samanathmatha (Igualdade).
A Comunidade começa a aceitar a pobreza e os fatores causais relacionados como um desafio que podem enfrentar e superar com sucesso, com a autoconfiança, a participação da comunidade e uma abordagem científica. Assim, a ciência pode ser utilizada na influência do ambiente em que vivemos – de forma prática. Eles aproveitam seus valores tradicionais, habilidades e tecnologias, recursos humanos e naturais para satisfazer suas Necessidades Humanas Básicas, como água, comida, vestuário, abrigo, cuidados de saúde, energia, educação, comunicação, espiritual, cultural e necessidades ambientais. Portanto, das comunidades até as pessoas de poder, a transformação construtiva e não violenta das comunidades pobres pode ser desenvolvida globalmente com sucesso, de acordo com o Modo Buddhista.
De uma perspectiva buddhista a transformação da consciência deveria também ter lugar no setor rico e poderoso da comunidade. Os princípios anunciados acima são igualmente benéficos a eles para despertarem suas personalidades humanas, promover segurança e alegria de viver às suas famílias. Se eles também juntarem seus esforços à comunidade compartilhando parte de suas terras excedentes com os sem-terra, fazendo doações materiais e monetárias, ou oferecendo serviços profissionais para a educação, programas de saúde, habitação e cultura, e assim por diante, as disparidades que levam à inveja, rivalidades, conflitos de classes, violência, terrorismo e roubos podem ser atenuados.
Ricos e privilegiados podem também ajudar consideravelmente no treinamento de jovens para um emprego remunerado na comunidade. Sem ter a maximização do lucro como único objetivo, eles podem começar com a agricultura e empreendimentos industriais em pequena escala, a nível de comunidade, absorvendo a juventude para construir novas relações econômicas. Eles podem contribuir imensamente à criação de uma nova geração de jovens empreendedores que respeitem a natureza, o meio ambiente e a humanidade. Quando estiverem, portanto, bem empregados, o vilarejo ou a comunidade urbana jamais será um lugar para proliferação de delinquentes, traficantes de droga, viciados em droga ou alcoólatras e, mais tarde, vitimas do HIV/AIDS.
Enquanto a caridade é uma coisa boa e devemos promover ações de caridade, não podemos esquecer o fato de que a caridade não pode ser um substituto para a justiça. Além disso, uma caridade indiscriminada estimula o surgimento de mendigos. Então, as pessoas que possuem imensas riquezas e controlam a economia global devem passar por uma revolucionária mudança em sua consciência e mostrar liderança para uma transformação econômica global sustentável que atenda a todos. Se eles falharem em sua obrigação universal neste momento, tal como ilustrado pelo Buddha em seus numerosos ensinamentos, como aqueles contidos no Chakkawatta Sihanada Sutta, Agganna Sutta e Kutadanta Sutta, eles terão que carregar a principal responsabilidade pela multiplicação do terrorismo, aceleração de riscos ambientais e desequilíbrios ecológicos a uma proporção global incontrolável.
É um fato bem conhecido que corporações nacionais e multinacionais exercem grande influência sobre os governos. Portanto essas corporações tem uma grande responsabilidade e, algumas vezes, maior que a dos governos, em relação à sobrevivência de nosso planeta e de todas as formas de vida, incluindo os seres humanos. Alguns dos cérebros mais instruídos e capazes do planeta são empregados por elas. Apenas se houver uma mudança na consciência dos administradores dessas empresas e dos governos, talvez a maioria dos problemas globais referidos possam ser superados. Existe uma maneira de o Buddhismo influenciar esse processo?
Transformar a consciência daqueles que controlam a economia pode não ser tão difícil de atingir se nós, em países asiáticos como Japão, Tailândia, Birmânia, Camboja, Vietnã e Sri Lanka, onde a maioria das pessoas são praticantes Buddhistas, fizermos um esforço singular para combater esses problemas a nível de comunidade, transformando as comunidades rurais e urbanas de forma integrada. Pela transformação simultânea das suas consciências, da economia e das relações de poder político, podem ser criadas comunidades independentes, com responsabilidade total pela manutenção da lei, da ordem e da paz, realizando programas de desenvolvimento comunitários e implementando uma forma participativa de autogoverno. Isso será um exemplo para aqueles que têm influência global, como os proprietários de empresas multinacionais e pessoas ricas dentro de nossa sociedade. Não há necessidade de enfrentá-los de forma violenta, seja verbalmente ou de qualquer outro modo. Afinal, todos os seres humanos estão sujeitos a Lei do Sofrimento, como Buddha nos ensinou. Por mais rico ou poderoso que alguém seja, ele ou ela não pode escapar do sofrimento físico, mental ou emocional. A forma de superar o sofrimento e atingir a felicidade última é seguindo o caminho espiritual mostrado a nós pelo Buddha.
O Buddha aconselhou os aspirantes da Felicidade Derradeira (Nibbana) ou Suprema Iluminação a esforçarem-se diligentemente para entender as três Leis cardeais, da Impermanência (Anicca), Insatisfatoriedade (Dukkha) e Não-Eu (Anatta), às quais todos estamos sujeitos. Se em milhares de comunidades urbanas e rurais, pessoas aprendessem este Dhamma e praticassem as três virtudes de Sila (Moralidade), Samadhi (Concentração) e desenvolverem Pañña (Sabedoria), a influência que isso teria na sociedade poderia ser extraordinária. Isso criaria uma enorme energia espiritual capaz de transformar muitos ricos e líderes poderosos em seguidores do caminho do Dhamma – O Nobre Caminho Óctuplo.
O último, mas não menos importante problema que nos preocupa, é o aumento da violência organizada no mundo. Quando governos democraticamente eleitos e cidadãos cumpridores da lei são ameaçados, torturados e mortos por grupos terroristas, os governos são forçados a destinar mais de seus recursos para contra atacá-los com violência ainda maior. Ocasionalmente os governos podem triunfar na batalha contra o terrorismo, como em meu país, o Sri Lanka, mas com muito custo humano. As raízes do terrorismo e da guerra não podem ser facilmente destruídas. Como diz o Buddha: “Ódio não cessa pelo ódio. É pelo não-ódio que o ódio pode ser removido”. É apenas pela destinação de mais e mais recursos para o desenvolvimento cultural, moral e espiritual das pessoas, enquanto também são asseguradas melhorias nos direitos sociais, políticos e econômicos, que as pessoas podem ser levadas ao caminho da não violência. Violações dos direitos humanos, especialmente para com mulheres e crianças, devem ser completamente erradicados se quisermos manter uma sociedade humana de nível civilizado.
Nos últimos anos a humanidade sofreu uma grande perda de vidas e propriedades devido a Terremotos, Tsunamis, Enchentes, Tempestades, Tornados, Erupções Vulcânicas e tantos outros desastres naturais. Similarmente um sofrimento em grande escala tem sido provocado por doenças fatais como HIV/AIDS, câncer e doenças cardíacas. Nas sociedades buddhistas há uma crença geral de que quando os governantes não são honrados ou justos, desobedecem ou violam os Niyama Dhammas (Leis Cósmicas), a saber, as Leis da Natureza como as pertencentes a Bija (Genes), Utu (Estações), Kamma (Causa e Efeito), Citta (Mente) e Dhamma (Fenômenos), e quando não há um governo bom, a natureza se revolta trazendo destruição a essas sociedades. Não haveria sinais de que essa revolta por parte da Natureza está tomando proporções globais e, portanto, não deveria toda a humanidade se unir para salvar nosso planeta, nossa natureza, nossa sociedade e os valores humanos? O Buddha nos mostrou o caminho há 2600 anos atrás.
Dr. Aryaratne é o Fundador e Presidente do Movimento de Sarvodaya Sharamadana do Sri Lanka. O movimento que começou 52 anos atrás está agora ativamente engajado em programas de Autodesenvolvimento Comunitário em 15.000 vilarejos no Sri Lanka. Esse movimento tem inspirado muitos pensadores do desenvolvimento, tanto no Oriente como no Ocidente. Muitas escolas descrevem este Movimento como filosofia buddhista traduzida em Bem-Estar, Desenvolvimento e Ação de Paz.
Traduzido por Daniel Silva para a Comunidade Buddhista Nalanda
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