Godwin-SamararatneGodwin: Para a discussão, o que nós podemos tentar fazer é compartilhar um com o outro a experiência do que aconteceu hoje.

Sinto que é muito importante aprender a partilhar as nossas experiências muito honestamente com um grupo de amigos espirituais. Compartilhando tanto o que nós consideramos ser experiências agradáveis e quanto também experiências desagradáveis. Por isso, nos abrimos com os nossos amigos espirituais. Normalmente somos muito nervosos, autoconscientes para falar sobre nós mesmos, pensando que os outros vão nos julgar, pensando se fizemos a coisa certa e assim por diante. Você não deve ter medo disso, porque você está simplesmente compartilhando suas experiências.

Então, qual é sua experiência com a meditação? Nós começamos às 5 horas. Alguma dúvida, algum problema, alguma dificuldade sobre a meditação simples que praticamos, apenas notando o que está acontecendo?

Participante do retiro: Eu estava meio acordado na meditação desta manhã. Passei por ela de uma maneira obscura. Mas, por razões desconhecidas, na meditação antes desta sessão descobri algo: senti que era diferente de como havia me sentido esta manhã. Antes, era como perder muito da minha energia. Sentia-me exausto por ter que estar ciente dos nossos movimentos corporais e atividade mental. Era como se esperasse que eles aparecessem, mas eles nunca apareciam. Na sessão de sentar que acabamos de ter, quando sentia rigidez, eu sabia como usar o que o nosso professor nos disse, como estar ciente de como o meu corpo funciona, e sabendo isso muito claramente.

Godwin: Obrigado por compartilhar essa experiência. É bom ouvir as suas experiências desagradáveis pela manhã e o que pode ser considerado como uma experiência agradável à noite. Se você não teve a experiência desagradável, você não teria feito esta descoberta sobre a experiência agradável à noite. Então, isso mostra que podemos aprender com experiências desagradáveis, podemos aprender com experiências agradáveis. Portanto, devemos aprender a estarmos abertos para ambas: as experiências desagradáveis e as experiências agradáveis.

Será que alguém mais gostaria de compartilhar sua experiência de meditação desta manhã?

 

Cansaço

Participante do retiro: Quando meditamos em casa, seria melhor não escolhermos um momento em que estamos cansados demais para fazer a meditação? Esta manhã eu estava muito sonolento. Eu não estava forte o suficiente para me concentrar.

Godwin: Quer você esteja em casa ou aqui, eu sugeriria que você tentasse experimentar a meditação também quando estivesse cansado, senão, é muito fácil dizer: “Eu me sinto cansado, eu sei que a minha meditação não vai funcionar, então deixe-me dormir”. Isso é como nós nos mimamos. Sempre dizendo “Sim” para o que o corpo está querendo.

Então precisamos quebrar esse condicionamento de uma maneira muito gentil e cuidadosa. Isso significa que, em alguns dias, diremos sim e, em outros dias, diremos não ao corpo. Então, amanhã pela manhã se você ainda se sentir cansado você deve dizer ao corpo: “Ontem eu disse sim a você, então hoje eu direi não”. É muito importante aprender a ter esse tipo de diálogo com o corpo, consigo mesmo. Aprenda a dizer não, então venha ao salão meditar e veja o que acontece.

Há um diálogo interessante nos textos buddhistas entre o Buddha e um monge que se sentia preguiçoso, sonolento, cansado quando estava meditando. O Buddha ofereceu algumas sugestões muito interessantes de como trabalhar com essa condição.

A primeira sugestão que Buddha oferecia era: mude a sua postura. Então, se você está sentado, faça alguma meditação em pé, faça alguma meditação andando. E eu gostaria de sugerir nessa situação para fazer uma caminhada rápida, ou andar para trás, porque, para andar para trás você tem que estar muito alerta e acordado. Imediatamente quando você começa a andar para trás você acordará.

Isto me lembra um mestre de meditação na Tailândia. Ele deu essa mesma sugestão aos meditantes. Naquele centro havia um poço, um poço profundo. Então, ele disse aos seus meditantes para sentarem na beira do poço. Assim, se eles ficassem cansados e caíssem, morreriam. Infelizmente não há poços aqui!

Outra sugestão que o Buddha ofereceu, se aquilo não funcionasse, era massagear seus lóbulos das orelhas. Eu veria isso como tentar estimular o corpo. O Buddha disse que se isso não funcionasse, que você saia e veja as estrelas. Talvez essa discussão tenha ocorrido em uma noite como esta, quando há estrelas. Eu sugeriria isso como um meio de tentar estimular a mente por algo externo. Se isso não funcionar, tente pensar em algo inspirador sobre o Dhamma, o que realmente vai desenvolver um sentido de urgência.

Se isso não funcionar, por favor, induza uma luz brilhante. Alguns meditantes veem uma luz brilhante, então talvez esse monge foi capaz de ver tal luz brilhante, e assim o Buddha disse para induzir uma luz brilhante e, novamente, isso poderia estimular sua mente.

E se isso não funcionar, disse o Buddha, então vá dormir!

Por que ele disse vá dormir? Por que o Buddha encorajou o monge a dormir?

Participante do retiro:  Isso é por que o corpo, quando fica cansado, precisa descansar?

Godwin: Sim, de certo modo. Essa técnica, essa experiência o ajudará a descobrir se o cansaço tem um motivo psicológico ou um motivo físico. Então, isso mostra que algumas vezes – e talvez a maioria do tempo – sentir-se cansado não é uma coisa física, mas sim psicológica. Então, com essas diferentes técnicas, o Buddha encorajava esse monge a descobrir se  isso tinha uma causa física ou uma causa psicológica. E aí se as técnicas falhassem em mostrar que o cansaço tinha uma causa física;  então podemos aprender a ser gentis com o corpo.

É também muito interessante que o Buddha tenha encorajado os monges e praticantes de meditação a experimentar, explorar, descobrir por si próprios. Isto é o que eu estou encorajando vocês a fazer observando, aprendendo a fazer suas próprias descobertas sobre seus corpos e mentes e como eles funcionam. Nossa mente e corpo estão tão perto de nós, mas de certa forma eles estão muito longe de nós porque nós não aprendemos, nós não os descobrimos, nós não os experimentamos. Então é por isso que na meditação devemos ver a prática não como um meio de alcançar certos estados da mente, mas sim para aprender, descobrir, explorar. Esta é uma bela maneira de se relacionar com a meditação.

Observando os pensamentos

Então, depois da meditação da manhã, tomamos chá das 6h00 às 6h30 e sugeri que vocês saíssem e vissem as coisas com uma visão muito aguçada, que vissem as coisas com muita clareza. Alguém gostaria de compartilhar alguma experiência que tiveram nesse sentido?

Participante do retiro: Gostaria de compartilhar alguns pontos de vista sobre o que você nos ensinou hoje. Achei a técnica de meditação que você nos ensinou hoje muito útil. Você nos disse para observar a mente como uma mãe observa seu filho. Com essa mentalidade, eu realmente me senti ótimo durante a meditação. Na minha respiração, com pensamentos, sentimentos e sensações surgindo, eu posso usar a mentalidade de uma mãe observando seu filho, e sentir que eu posso me desapegar daqueles pensamentos e ficar calmo.

Godwin: É importante ter aquele tipo de atitude, aprendendo a ser amigável e gentil e, então, apenas saber o que está acontecendo. E o que quer que seja, aprender de novo a ser amigável sem resistir. E como ele disse, imediatamente você pode encontrar algum alívio, alguma libertação se tiver essa atitude amigável. Portanto, é a resistência que está gerando o sofrimento. É assim com o que quer que apareça, seja em eventos internos ou externos. É quando resistimos a eventos externos que a maioria do sofrimento surge. Por isso, eis aqui uma abordagem na qual, sem resistir, com simpatia, você simplesmente sabe o que está acontecendo. Ser amigável não significa entregar-se ao que está acontecendo, mas trabalhar isso com simpatia e gentileza, de forma que possamos ver a diferença. É muito importante perceber que não é ceder, mas uma maneira de trabalhar junto.

Das 6h às 6h30, enquanto bebiam chá, alguém teve outras experiências?

Claridade

Participante do retiro: Naquele período, tentei praticar os seus ensinamentos olhando para as coisas direta e claramente, mas por mais que tentei, tudo pareceu igual para mim. Nada mais nítido, nada mais claro.

Godwin: Então você deveria tentar novamente amanhã. Vou dizer o que eu tenho em mente sobre ver as coisas muito claramente. Imagine que estamos olhando para uma árvore. Poderemos ter toda nossa completa e inteira atenção para ver a árvore naquele momento? E é possível ver a árvore como se fosse a primeira vez? Este é um aspecto realmente muito interessante.

É possível ver as coisas com menos pensamento ou nenhum pensamento? Porque, quando vemos as coisas com os nossos preconceitos, na verdade acabamos não vendo nada com muita clareza. Por isso precisamos realmente aprender a despertar os nossos sentidos. Acabamos não nos empenhando em cultivar esse despertar dos sentidos, o sentido da audição, o sentido da visão. Por isso, às vezes, precisamos fazer um esforço consciente.

Acredito que outro aspecto que temos negligenciado é o sentido do olfato. Então, amanhã vamos todos fazer um esforço para despertar os nossos sentidos, vendo muito claramente, ouvindo coisas, e também sentindo o cheiro das coisas muito claramente. Há algumas flores brancas aqui e estas flores desprendem um aroma muito agradável. Assim, lentamente, façamos devagar um esforço, vamos experimentar isto, vamos brincar com isto, desenvolvendo nossos sentidos dessa maneira. Você também pode tentar com a imagem de Buddha aqui, apenas olhe para a imagem de Buddha com sua atenção completa e plena, com menos pensamentos ou nenhum pensamento.

Discussão sobre Yoga

Depois disso, temos yoga. Tenho certeza de que você experimentará alguma coisa quando fizer yoga.

Participante do retiro: Esta é a primeira vez que eu fiz yoga do lado de fora, na natureza. É também a primeira vez que tentei focar minha mente no meu corpo enquanto fazia yoga e achei que foi muito tranquilo e calmo.

Godwin: Mais alguém gostaria de compartilhar o que aconteceu durante o yoga? As posturas foram difíceis?

Participante do retiro: Achei que por eu ter gostado da atmosfera eu esqueci que era difícil. Na verdade, parece ser difícil, mas eu gostei, então, não julguei se era difícil ou não.

Godwin: Porque você gostou. Um ponto interessante. Então, quando você gosta de algo você realmente não vê se é difícil ou não. Você sentiu dor física?

Participante do retiro:  Sim

Godwin: Isso mostra como o yoga está funcionando! Mostra que você tem um corpo e que esse corpo pode ter dor. Também mostra que você deveria continuar com o yoga porque você não tem praticado os exercícios o suficiente. Alguém mais quer dizer alguma coisa sobre yoga?

Participante do retiro:  As posturas mudaram muito rapidamente, então eu senti que os exercícios ficaram interrompidos e não suaves.

Godwin: Então, talvez o professor de yoga deve levar isso em consideração. Será que mais alguém experimentou a mesma coisa?

Participante do retiro:  Eu tenho praticado yoga por um bom tempo, e quando fizer yoga você tem que fazer uma série de posturas, não a mesma postura repetidas vezes. Eu gostaria de explicar isso porque esse é o objetivo do yoga. É uma série de posições, de modo que tem que ser mantido em mudança.

Godwin: Como você se sentiu ao fazer yoga?

Participante do retiro:  Yoga deixa uma marca profunda em mim. Nosso professor fez uma conexão entre Buddhismo, yoga e meditação. Eu sinto que é mais confortável meditar depois de fazer yoga e a vigilância fica mais forte. Yoga é o prelúdio e a meditação é a essência. Além dos benefícios para o corpo e para a meditação, yoga também torna a pessoa saudável e o estado de saúde vem como um subproduto.

Godwin: Yoga também pode ser uma meditação. A palavra ‘yoga’ significa ‘união’, então é uma união entre a mente e o corpo, integração da mente e do corpo, harmonizando a mente e o corpo.

Meditação e silêncio

Godwin: Agora, sobre o silêncio, como você está se relacionando com o silêncio? Está incomodando você ou você se sente bem? Alguma consideração sobre o silêncio? Qual a sua experiência?

Participante do retiro:  É difícil.

Godwin: O fato de que é difícil mostra que é um hábito muito forte que temos de falar. E você sabe que é muito difícil parar um hábito forte. Alguns meditantes me disseram que quando param de falar com os outros começam a falar para si mesmos. E um praticante me disse que quando outras pessoas ficaram em silêncio ela sentiu que eles a estavam punindo! Então eu acho que, embora seja difícil, ainda é preciso experimentar com tais situações, e, em seguida, idealmente, você perceberá como o espaço é criado pelo silêncio.

Penso que um outro aspecto do falar é, talvez, evitar que certas coisas surjam. Coisas de que você se afastou, reprimiu, controlou. Em alguns retiros de silêncio muito intensos alguns meditantes dizem-me como, com o silêncio, de repente têm memórias decorrentes de sua infância, as quais tinham sido completamente esquecidas. E, às vezes, algumas dessas memórias que surgem podem ser extremamente úteis para que a pessoa compreenda o seu comportamento.

Só para dar um exemplo de uma experiência que uma mulher teve: Gostaria de compartilhar essa experiência com você. Ela estava em um retiro de 10 dias, quando de repente ela se lembrou de quando era uma menina de 7 anos de idade, ela tinha tentado cometer suicídio atirando em si mesma em um quarto escuro. Ela tinha esquecido completamente desta experiência, talvez porque foi muito desagradável para ela. Mas foi uma lembrança muito útil para ela porque ela ainda tinha medo do escuro. Outra coisa era que ela era muito auto-destrutiva. Ela corria riscos com seu corpo, e assim por diante. Assim, então, eu tive uma conversa com ela e percebemos que a tendência suicida na tentativa de destruir a si mesma foi manifestando-se de diferentes maneiras.

Outro aspecto sobre falar e ficar em silêncio é que quando falamos nos sentimos como se fôssemos alguém. Então, quando estamos em silêncio nos sentimos como se fôssemos ninguém, e nos sentimos desconfortáveis com esse sentimento de ser ninguém.

Outro aspecto importante do silêncio é que ele nos ajuda a ficar sozinhos com a nossa mente e corpo por algum tempo. Então, o silêncio tem alguns aspectos muito importantes e interessantes. Eu certamente concordo que é difícil, mas com certeza vale a pena.

Há uma história interessante vinda da tradição tibetana acerca de um local de retiro onde se deve praticar o silêncio completo durante um ano, e, findo um ano, o aluno pode falar com o Mestre, mas só pode dizer duas palavras. Então, depois de um ano, um estudante foi ao mestre e disse: “Mais comida!” Por isso, provavelmente, durante o ano inteiro, ele tinha pensando apenas em comida!

De qualquer modo, estes são alguns pensamentos sobre o silêncio. Eu gostaria de sugerir que amanhã surjam momentos em que você terá que falar, e quando isso ocorrer você deva aprender a falar com consciência, o que é chamado de linguagem correta. Então, o silêncio é importante, a fala correta é também importante.

 

Meditação e Fala Correta

Há tantas coisas que podemos aprender com a nossa fala. Quando falamos com outra pessoa, será que realmente a ouvimos? Você consegue falar claramente? Consegue dizer rapidamente o que tem a dizer em vez de continuar a falar e às vezes confundindo-se e confundindo os outros? Até que ponto conseguimos estar atentos e vigilantes quando falamos? Podemos aprender essas capacidades aqui.

Na vida cotidiana este é um dos maiores problemas que temos, a maneira como causamos problemas por causa da nossa fala, especialmente em relacionamentos: como podemos machucar uns aos outros com a fala errada. Então, como eu disse, o silêncio é importante, pois tem muitos aspectos importantes, e também a fala correta é importante porque também tem muitos aspectos. O Buddha nos encorajou a falar palavras gentis palavras amáveis, palavras úteis, palavras que podem ser de cura para os outros. Por outro lado, podemos ferir outra pessoa com as nossas palavras, elas podem ser mais prejudiciais, elas podem ferir outra pessoa mais do que algo físico.

Então, o tempo para discussão terminou. Gostaria de dizer alguma coisa sobre amanhã. Hoje houve muito tempo para vocês descansarem, e vocês perceberam que tinham ficado exaustos e não tinham sido capazes de dormir bem. Então eu espero que hoje vocês tenham um bom descanso e que vocês sejam capazes de dormir bem esta noite.


Palestras em Hong Kong – 7 palestras em retiros em Hong Kong – 14 de Outubro de 1997

Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
em acordo com The Association of Spiritual Friends of Godwin
Para Distribuição Gratuita
© Ms. Jeanne Mynett
© 2011-2016 Edições Nalanda, da tradução


Nota: “O Caminho Gentil da Meditação” é a transcrição de palestras realizadas por um mestre laico de meditação muito famoso no Sri Lanka, Sr. Godwin Samararatne.


* Você sabe alguma língua ou tem experiência em revisão de textos em português? Se você gostaria de traduzir e dispor suas traduções em nossa sala de estudos para que mais pessoas possam ter acesso aos ensinamentos do Dhamma, nós o/a convidamos a entrar em contato conosco. Precisamos de tradutores do espanhol, inglês, alemão e outras línguas, bem como revisores de português.

Gostou deste artigo? Inscreva-se em nosso boletim para receber notícias por email sobre novos textos selecionados, eventos, cursos online e lançamentos de livros. Enviamos no máximo 1 email por semana.

Erro: Formulário de contato não encontrado.