Godwin: Ouvir seus problemas referentes às emoções tem sido um aprendizado para mim. Está claro para mim que as emoções surgem em conexão com o jeito em que você se relaciona consigo, o jeito que você se relaciona com os outros e o jeito que você se relaciona com as coisas ao seu redor. Então isso mostra que a relação é um verdadeiro desafio que temos na vida. Muitas pessoas apresentaram problemas relacionados a outras pessoas. O problema era que elas estavam preocupadas com o que os outros estavam pensando a seu respeito. Especialmente medo de pensamentos negativos. Então a pergunta surge: por que nós demos esse poder para outras pessoas de forma que nossa felicidade ou tristeza depende delas? Eu gostaria de levantar essa questão: por que demos tanto poder às outras pessoas?

Participante do retiro: De outro modo seria difícil lidar uns com os outros.

Godwin: Mais alguma coisa?

 

Auto-confiança

Participante do retiro: Se alguém não tem auto-confiança, não sabe como se apossar do seu próprio destino.

Godwin: Penso que esta parece ser uma razão importante. Porque não temos auto-confiança, porque não praticamos o que é necessário para isso, dependemos de outras pessoas para tal. Outro ponto que surgiu na minha mente hoje foi que, pelo menos entre as pessoas com quem tenho falado a este respeito, apenas as mulheres me têm dito que o modo como se relacionam com outras pessoas cria esse sentimento de falta de auto-confiança, temendo o julgamento dos outros, temendo cometer erros dos quais outros as irão culpar. Agora, uma pergunta que surgiu na minha mente é que aqui neste país, isso é mais comumente experimentado por mulheres, ou os homens também têm este problema, mas são muito tímidos para falar sobre isso?

Participante do retiro: Os homens têm mais deste tipo de problema. Os homens sabem como encontrar maneiras de deixar sair suas emoções. Por exemplo, eles vão sair para beber com os amigos e quando eles ficam um pouco bêbados, eles vão falar qualquer coisa, então eles simplesmente soltam as emoções dessa forma ou de alguma outra.

Godwin: Acho que em todo o mundo este é um problema real que os seres humanos têm de enfrentar. Eu não sabia que com os homens uma das soluções que encontraram é beber, mas então isso se torna um círculo vicioso. Por causa da bebida também são dadas desculpas e por causa das desculpas eles bebem, então uma coisa leva a outra. Vejamos como a meditação nos ajuda a trabalhar com esses problemas, seja nos homens ou nas mulheres, não importa.

Sinto que é por isso que a meditação da amorosidade é tão importante, no sentido de que você aprende a ser seu próprio melhor amigo e se você realmente pode fazer essa conexão com você mesmo, sentir de verdade, então eu acho que sua dependência do que os outros pensam de você se torna menor, porque tudo que você precisa dos outros você pode obter de si mesmo. Você se tornará autossuficiente dentro de si mesmo.

Outra maneira em que a meditação nos ajuda a trabalhar com esta situação é através da compreensão da natureza dos positivos e negativos. É muito interessante que os seres humanos tenham este condicionamento muito forte para considerar qualquer situação como positiva ou negativa, mas nós nunca paramos para questionar se esses positivos ou negativos são válidos, com que base nós estamos fazendo isso. É engraçado, nós realmente nos tornamos vítimas desse mecanismo, mas nunca investigamos o modo como esses pontos positivos e negativos operam, sob que condições eles surgem, o que está realmente criando-os, o que está contribuindo para sua existência. Então, quando exploramos esta questão, percebemos que estes estão realmente relacionadas a pensamentos, a conceitos, que surgiram devido a várias razões da sociedade em que você foi criado. Então você os vê como parte de seu condicionamento, você os vê como um forte hábito que nos acostumamos a ele.

É engraçado, pois é assim que usamos pensamentos. Agora, como todos sabemos, desde o momento em que acordamos de manhã até o momento em que vamos dormir, há pensamentos contínuos passando pela nossa mente que nunca param. Se você se tornar consciente, se você se tornar diligente sobre os pensamentos que passam por sua mente, então você vai perceber que, na maioria das vezes, a maneira como usamos pensamentos é um hábito de conferir vantagens e desvantagens. Portanto, quando você vê isso claramente, então o poder que nós damos a eles pode se tornar menor.

Então, você compreende que algumas vezes é apenas um pensamento inocente que chega: talvez a outra pessoa não gosta de mim; talvez a outra pessoa me vê negativamente; talvez a outra pessoa pensa que sou tolo ou ridículo, e assim por diante. Assim, se você estiver vigilante você compreenderá que isso é apenas um pensamento que está tendo; quem sabe se esse pensamento corresponde mesmo a qualquer realidade? Há um aspecto fortemente imaginário em nossos pensamentos. Esse aspecto imaginário e a realidade são duas coisas diferentes. Assim, com a conscientização, com vigilância atenta, explorando, investigando, isso pode se tornar claro para nós e nos ajudará a trabalhar com essas coisas e lidar com os pensamentos, e seu poder sobre nós diminuirá.

 

Imagens

Outro muito interessante aspecto relacionado a isso: com nossos pensamentos, com nossas identificações, nós todos temos imagens de quem somos nós, sobre o tipo de pessoas que somos. Cada pessoa tem um modelo, tem uma imagem de si mesma. Então eu penso que o que nós estamos fazendo é que quando outras pessoas aceitam nossa imagem então nós nos sentimos confortáveis com elas, nos sentimos à vontade com elas. E então nós tentamos sempre, ou na maioria das vezes, impor essa imagem particular em outras pessoas. E nós também temos imagens de outras pessoas. Um psicólogo do Ocidente disse que quando duas pessoas se encontram, há seis pessoas. Você pode compreender como duas pessoas se tornam seis pessoas?

Participante do retiro: Há duas pessoas reais e quatro imaginárias: quem você pensa que é e quem você pensa que a outra pessoa é; quem a outra pessoa pensa que é e quem ela pensa que você é!

Godwin: Sim, exatamente. É um ponto bem interessante para refletirmos. Às vezes, quando há conflitos, na verdade são as imagens que estão em conflito, mas o que as pessoas realmente são é outra história. Por isso, com meditação, com consciência, você compreende esse processo de que, quando há conflito, ele é o resultado da imagem que você tem da outra pessoa.

Peguemos o caso da raiva. Em relação ao comportamento de outra pessoa, como nós ficamos bravos? Porque ficamos raivosos? Nós temos uma ideia de como a outra pessoa deve se comportar e quando o comportamento dela não se adapta à imagem que temos, nós ficamos raivosos. Então, temos uma imagem do nosso comportamento habitual, e quando esse nosso comportamento não corresponde àquela imagem, nos sentimos culpados, ficamos raivosos, desapontados e feridos porque nosso comportamento não corresponde à imagem que temos de nós mesmos.

 

Vendo as coisas como elas realmente são

Uma prática muito interessante no dia-dia é, quando quer que você sofra, quando quer que você esteja desapontado, quando você se sentir frustrado, nesse momento você conseguir ver por si que a imagem que você tem em mente está se chocando com o que está realmente acontecendo. Por isso o Buddha enfatizou o aprender a ver as coisas como elas são. Mas o que nós estamos fazendo é: nós queremos ver as coisas como elas deveriam ser, que elas devem estar de acordo com o nosso jeito, com o meu jeito.

O que estamos fazendo são exigências sobre como devemos nos comportar, estamos fazendo exigências sobre como os outros devem se comportar, estamos fazendo exigências sobre como a vida deve ser. Se estas exigências são satisfeitas a vida é aprovada, a vida é maravilhosa, é bonita. Se essas exigências não são atendidas, há sofrimento, frustração, decepção, dor; a maioria dessas emoções pode surgir como resultado disso. Então, eu sugeriria que um ser humano iluminado passa pela vida sem quaisquer imagens, e por isso ele ou ela nunca podem sofrer.

Outro aspecto relacionado a isso, se você puder mesmo entender a natureza da vida, então perceberá que não é possível formar qualquer conclusão sobre como a vida deveria ser. No Dhamma há algo muito profundo, que é estar aberto à incerteza da vida.  Mas seguramos nessa ideia de certeza porque nós assumimos que as coisas podem ser controladas. Mas quando pensamos profundamente percebemos que a verdade de fato é que não temos controle algum.

Em culturas e em países onde as coisas funcionam perfeitamente, sem nenhum problema, isso dá um tipo de senso de segurança porque tudo está acontecendo perfeitamente, sem problemas, tudo está sobre controle. Viver em países como Índia ou Sri Lanka, você tem que estar aberto às incertezas.

Darei um exemplo prático que vivenciei. Na Europa, eu estava num trem e eles deram um aviso na língua daquele país. As pessoas ficaram muito ansiosas, olhando em seus folhetos e houve muitas conversas sobre isso, muitas contrariedades, então lhes perguntei sobre o que foi o aviso. Eles disseram que o trem se atrasaria em sete minutos. No Sri Lanka, se o trem pelo menos aparecer as pessoas ficarão muito felizes!

Este é um excelente treinamento. Na maior parte do tempo, coisas inesperadas acontecem. Você vai até a parada de ônibus e então eles dizem: “Não tem ônibus hoje”. Você quer ir de trem, eles dizem: “Não tem trem agora, só daqui a uma hora”. Eu fico com a impressão que essas coisas não acontecem aqui. Estou certo? Tudo está sob controle, e isso dá uma sensação de segurança; então, quando alguma coisa inesperada acontece, provoca desapontamento e sofrimento.

De modo que vivendo em culturas como esta naturalmente você tende a estar condicionado a fazer as coisas de modo perfeito.  Você teme cometer erros porque nenhum erro deve acontecer! Então, tendo essa ideia de perfeição, podemos entender porque você quer que as pessoas acreditem que você é perfeito, porque você teme que talvez elas estejam lhe desvalorizando, porque o seu modelo de perfeição é afetado por isso. Por isso, muitas vezes enfatizo que se deve estar aberto à nossa humanidade, aberto às nossas imperfeições, e, assim, quando se sentir desvalorizado por outras pessoas, você não se surpreenderá. Você percebe, bem, que é parte do nosso condicionamento. Eu ainda sou humano, então está tudo bem

 

Perguntas e respostas

Gostaria de fazer uma pausa agora e tenho certeza que vocês devem ter algumas perguntas, ou precisam de alguns esclarecimentos sobre isso, então eu acho que vamos tentar ter uma discussão útil sobre nossas emoções e como realmente trabalhar com elas no contexto da prática.

Então, isto é interessante, no momento de fazer perguntas você tem medo: “Seria esta uma boa pergunta? As pessoas vão rir da minha pergunta? Vão pensar que sou burro?” Mas aqui estamos num grupo de amigos espirituais, então deveríamos tentar ser abertos a qualquer coisa, permitirmo-nos errar e aprender com esses erros: essa é a beleza de um retiro assim. Então eu gostaria muito de ouvir algumas perguntas bobas, e estarei feliz em dar respostas bobas!

Participante do retiro: Em Hong Kong temos certos padrões de comportamento que seguimos e sempre agimos em conformidade com eles. Por exemplo, se vamos a um café e pedimos um certo tipo de chá chinês e o garçom traz outro tipo, no caso de aceitarmos o tipo errado o importante se é aceitamos com ou sem ressentimentos.

Godwin: Isso é verdade certamente. Podemos aceitá-lo porque queremos nos conformar com os outros, então fingimos que está tudo bem e aceitamos. Mas eu acho que a verdadeira aceitação é: podemos realmente dizer OK, ou talvez nem mesmo dizer OK, mas apenas vê-lo como isso é?

Participante do retiro: A minha declaração é: se eu realmente aceitar, a aceitação deve ser com má vontade ou com compreensão, e não simplesmente por conformidade.

Godwin: Então, por favor, na vida cotidiana, quais são as emoções que surgem? Podemos discutir as maneiras e os meios como a meditação pode nos ajudar a lidar com emoções que surgem em tais situações diárias.

Participante do retiro: Gostaria de dar um exemplo: No meu escritório, sempre tento trabalhar para agir conforme com o que meus clientes esperam que eu faça. Não é porque me importe como eles me julgam. Na verdade eu não me importo, desde que eu tenha feito o meu trabalho direito, então eu estou feliz. Mas a realidade é que se eu não fizer as coisas em conformidade com suas expectativas eles vão reclamar para mim o que resulta em gastar muito tempo explicar a situação. Então isso me causa muita pressão. Eu sei que tudo é criado pela minha mente e eu posso lidar com a situação se houver quaisquer queixas injustificadas, mas o fato é que eu tento evitar esses problemas, então eu tento fazer tudo perfeitamente.

Godwin: Boa colocação, uma grande vantagem para você. Então, o que eu sugiro é que, o que estou dizendo não significa que você não deva agir com responsabilidade. Uma coisa que temos de aprender é como agir com responsabilidade, mas sem a pressão. Então, você está fazendo o seu melhor, mas fazer o seu melhor é feito de uma forma descontraída, não com tensão, não com estresse. Esta é uma coisa que precisamos aprender. E, então, quando você faz o seu melhor e ainda comete um erro, então você pode ser muito claro e honesto em sua própria mente: “Eu fiz o meu melhor, mas o meu melhor não era bom o suficiente para a outra pessoa, então o que posso fazer?” Pelo menos fez a sua mente muito clara, fez a sua consciência muito clara, de modo que não dará origem a qualquer conflito interno.

Então, isso é tudo o que podemos tentar fazer; e quando tentamos e temos êxito, isso é bom. Se falharmos, também é bom. E, então, em tal situação, se vocês tiverem cometido um erro e por isso surgir algum problema, o que também é importante para aprendermos é que quando um ferimento foi criado, devemos curar este ferimento o mais rápido possível, ao invés de apenas se apegar ao ferimento e sofrer por toda a vida porque vocês cometeram alguns erros.

Algo mais?

Participante do retiro:  Mas em Hong Kong você pode ser demitido pelo chefe. Essa é a fonte da pressão.

Godwin: Se você fez o seu melhor e foi demitido, ainda assim, em sua própria mente você pode ter bastante clareza sobre o que aconteceu. Então eu sinto que é muito importante na vida entender nossas limitações. Isso não significa que as justifiquemos, mas é um fato: “Estou fazendo o meu melhor, mas o meu melhor não corresponde ao que os outros consideram melhor, então o que posso fazer?” Na verdade, esses são os verdadeiros desafios que temos na vida: como enfrentá-los?

Outro aspecto de tais situações – eu não sei se o que eu vou dizer faz sentido pra você – algumas dessas decepções, algumas dessas dificuldades, alguns desses problemas que você tem em situações como essas podem mais tarde se provarem como uma benção. Isto também é muito interessante.

Recordo-me de um conto chinês que eu gostaria de compartilhar com vocês; talvez já conheçam essa história. Em uma vila em particular havia um homem muito sábio e ele tinha alguns lindos cavalos. Então um dia um dos lindos cavalos estava sumido, ele havia fugido. A vila inteira veio até esse homem e disse: “Oh, tão triste que seu melhor cavalo fugiu. Parece que você é muito azarado”. Talvez em termos buddhistas nós diríamos que isto é kamma ruim, e por aí vai. Ele disse: “Não, meramente meu cavalo fugiu. O que você está dizendo é uma opinião, um julgamento, sobre o que aconteceu. Meu cavalo fugiu, isto é tudo, não há necessidade de dar um sinal negativo para isso”.

Então, depois de alguns dias, este cavalo voltou com outro cavalo bonito. Então, os mesmos aldeões vieram e disseram: “Oh, você é muito sortudo, você é muito afortunado, você perdeu um cavalo, agora você tem dois cavalos”. Ele disse: “Parem com tudo isso. Agora tenho dois cavalos. Isso é tudo. Não há necessidade de achar que é bom”. Este velho tinha um filho e o filho estava tentando treinar este cavalo novo. Ao treinar o cavalo novo, ele caiu do cavalo e quebrou a perna. Então seus amigos vieram e disseram: “Mal kamma novamente”. E então houve uma guerra e assim os soldados vieram para a aldeia para levar todos os jovens na aldeia para lutar na guerra. Apenas o filho do velho foi salvo por causa de sua perna quebrada!

Esta é uma história muito boa para se aprender a ver as coisas como elas são; com otimismo,  sem vantagens e sem desvantagens. Suponho que o velho sábio não tinha nenhuma ideia do que deveria acontecer e do que não deveria acontecer. Alguém já ouviu essa história? Todo mundo.

Participante do retiro:   Todo mundo conhece essa história, mas ninguém pode praticar como o velho homem.

Participante do retiro: Mas a história não foi apresentada do modo como você apresentou. O modo como você apresentou a história é muito marcante, pois você enfatizou o ponto de que não deveria haver nenhum conceito. O fato é que ele perdeu um cavalo, o fato é que ele ganhou um cavalo e sem mais julgamentos. Mas a maneira tradicional de contar a história é sobre boa e má sorte. Quando coisas afortunadas acontecem, não se deve pensar que isso é realmente afortunado. Quando coisas desafortunadas acontecem, não se deve pensar que realmente é desafortunado; deve-se esperar e ver como isso funciona no final. Esse é o modo tradicional de contar a história, que é muito materialista, pois esse modo tradicional de contar é aquele em que no fim o velho ganha. Há um recompensa.

Godwin: Eu acho que o aspecto dessa história eu gosto é que ele não tem qualquer expectativas sobre o que deveria acontecer ou o que não deveria acontecer. Portanto, sem imagens. Esse é um ponto. O outro ponto é, quando existe uma mudança que toma lugar dentro de nós, quando existe entendimento e realização interior, qualquer coisa pode acontecer externamente. Isso é uma coisa importante. Então, nós não podemos controlar o que está acontecendo externamente, mas quando existe uma mudança interior então você está apto a suportar qualquer coisa acontecendo externamente. Eu acho que esse é outro aspecto da historia.

Mais perguntas?

Participante do retiro: Na sociedade de Hong Kong, ainda que consigamos atingir 99% de perfeição, com 1% de erros cometidos, as pessoas fixarão no 1% de falha e martelarão aquilo contra você. Entendo perfeitamente a maneira que você nos ensinou a lidar com essas situações, mas não posso dizer, do fundo do meu coração, se conseguiria fazer isso.

Godwin: Eu acho que o que você diz não se aplica apenas a sociedade de Hong Kong. Por alguma razão, em todos os lugares do mundo, parece haver muita ênfase, muito poder colocado nos erros, nas coisas negativas, e as coisas boas não são levadas em conta. Isso acontece frequentemente nos relacionamentos. Você faz coisas boas, e entre tantas coisas boas, você comete apenas um erro e esse único erro torna-se mais importante do que todas as coisas boas que você já fez. Todos  vão falar sobre esse único erro e não falarão sobre todas as coisas boas que foram feitas por aquela pessoa.

Então isso nos leva a uma questão interessante: “Por que os seres humanos dão tanto poder aos erros, às coisas negativas, e deixam de dar valor às coisas positivas?” Eu queria saber se vocês têm alguma coisa a dizer sobre isso.

Participante do retiro:  Posso propor uma situação oposta ao que foi dito: algumas pessoas nunca fazem nada de correto, mas de algum jeito ou de outro tudo é perdoado quando essa mesma pessoa nos oferece uma xícara de chá!

Participante do retiro: Eu acho que às vezes as pessoas só pensam no erro e continuam a lembrá-lo por causa do ciúme, então eles querem ampliar o erro.

Godwin: Mais alguma coisa? Alguma outra explicação possível?

Participante do retiro:  Na minha experiência tudo se resume à ganância. É porque, por exemplo, meu cliente espera que eu ganhe uma batalha legal, porque se eu ganhar a batalha legal ele vai conseguir o que quer. Quando eu não ganho a batalha legal para ele, então ele tem muitas queixas porque sua mente está confusa pela ganância porque ele não consegue o que quer. E o mesmo se aplica a muitas outras situações que eu já vi. Quando uma pessoa tem ganância em sua mente e não consegue o que quer, mesmo que eu tenha feito o meu melhor, ela não vai escutar.

Godwin: Então, assim que constatamos que isso é algo comum para nós, deveríamos em nossa vida tentar fazer de maneira diferente. Uma sugestão que eu gostaria de dar é que quando virmos alguém fazendo algo bom, acho que deveríamos fazer questão de mencionar, apreciar. Para pais que criam filhos este é um problema muito comum, em que os pais comentam somente quando eles cometem algum erro. Quando eles fazem algo bom, nada é dito. Então, a criança cresce com a ideia: ‘Sempre faço tudo errado’.

Quando uma discussão semelhante ocorreu em um país estrangeiro onde eu estava, na plateia havia uma professora que aconselhava os pais. Ela nos disse que deu um exercício para os pais. Eles foram instruídos a elaborar uma lista de todas as coisas más, coisas ruins que crianças faziam. Assim, sem problema, eles elaboraram uma longa lista. Em seguida, aos pais foi pedido, agora, para por favor elaborarem uma lista das coisas boas que seus filhos faziam. Foi muito difícil para eles fazerem isso! Eles tinham que pensar muito sobre que coisas boas que as crianças faziam. Não é interessante?

E isso também acontece em relacionamentos. Às vezes, no Sri Lanka, eu tenho que aconselhar maridos e mulheres que têm problemas. É uma grande piada entre meus amigos. Eles dizem: “Esse homem não tem experiência com a vida matrimonial e ele está aconselhando pessoas casadas”. Uma reclamação das mulheres é que, quando a comida não está tão boa, os maridos criticam e reclamam muito a respeito, mas quando a comida está boa elas me dizem que o marido pratica o nobre silêncio!

Há uma discussão muito interessante nos textos buddhistas sobre amigos espirituais. Então, o que um verdadeiro amigo espiritual faz é que quando alguém faz algo errado ele assinala de uma maneira muito amigável que estão fazendo algo errado; e quando fazem algo de bom, quando fazem algo certo, ele assinala que estão fazendo algo de bom, algo certo.

Isso é o que precisamos aprender, não apenas para dar poder e energia às pontuações negativas, mas também reconhecer os pontos positivos. Assim, gostaria de sugerir que nós, como meditantes, devemos tentar cultivar essa qualidade muito importante. E é muito importante ver as coisas boas em nós mesmos também. Esta tendência para ver apenas o negativo, apenas os pontos negativos em nós mesmos, é um fator muito forte que pode criar muita emoção e sofrimento para nós. Assim, quando aprendemos a ver os aspectos cada vez mais positivos em nós mesmos, seremos capazes de ver mais e mais aspectos positivos e adicionais nos outros

Existem quatro qualidades mencionadas no Dhamma. Elas são chamadas de Estados Sublimes ou de Moradas Divinas. O primeiro é a amorosidade, mettā. O segundo é karunā, que significa compaixão: quando você vê alguém sofrendo, você tenta ajudar essa pessoa. A terceira qualidade é muito interessante, muditā: quando outras pessoas estão felizes você se alegra nesta felicidade, e eu diria que você também pode se alegrar em sua própria felicidade. Portanto, esta qualidade de muditā é algo muito importante que precisamos cultivar. Um mestre de meditação colocou isso muito claramente. Ele disse que temos uma tendência para ver o que está errado em nós mesmos, mas nunca olhamos para o que está certo em nós mesmos.

A sociedade pode ter valores danosos e destrutivos, mas deveríamos tentar cultivar essas virtudes, esses valores que podem ser contrários ao que está acontecendo na sociedade. É por isso que, no ensinamento do Buddha, a meditação é comparada a ir correnteza acima, o que não é fácil; a maioria das pessoas apenas segue a correnteza. Então, viver numa sociedade onde essas coisas negativas são proeminentes, onde se dá poder a elas, isso não é fácil de fazer, é difícil, mas é aí que temos de fazer o esforço. É onde a prática é importante. É por isso que um grupo de amigos espirituais é importante, porque pelo menos somos um grupo tentando praticar essas virtudes, essas qualidades, embora no país, na sociedade, algo diferente esteja acontecendo.

 

A prática de amanhã

De qualquer forma, algo sobre o amanhã. Amanhã gostaria de sugerir que possamos tentar praticar com nossos pensamentos, trabalhar nossos pensamentos. Há sempre uma conexão entre pensamentos e emoções. Uma pergunta interessante para refletir é: pode haver sofrimento sem um pensamento? Pode haver emoção sem um pensamento? Então, eu sinto que em nossa prática devemos realmente entender, penetrar e trabalhar com nossos pensamentos. Como eu disse, desde o momento em que acordamos até o momento em que vamos dormir, há esse pensamento contínuo acontecendo em nossa mente.

Assim, amanhã eu gostaria de sugerir que esqueçamos nossa amiga, a respiração, observemos continuamente nossos pensamentos e então vejamos as conexões entre pensamentos e emoções; e então tentemos fazer descobertas sobre nosso pensamento, especialmente no que concerne à área de atribuição de pontos positivos e negativos. Assim, amanhã, se vocês pegarem a si mesmos dando pontos negativos, observem, capturem isso tão logo quanto possível.

Quando estávamos chegando aqui neste centro havia um ponto de interrogação em vermelho, e eu questionei a alguém o que aquele ponto de interrogação significava. Foi dito a mim que aquele ponto de interrogação significava: “Apenas descubra o que você está pensando”. Então, este é um exercício muito interessante, que durante o dia nós nos perguntamos: “Agora, qual o pensamento que estou tendo?” Então, se estamos aqui ou se estamos do lado de fora, vamos fazer um esforço para apenas saber, apenas entender, apenas explorar, apenas aprender, apenas descobrir sobre nossos pensamentos, sobre nossos conceitos. E, então, podemos ter uma discussão sobre pensamentos nesta noite.

Agora podemos fazer um pouco de cântico.


Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda

em acordo com The Association of Spiritual Friends of Godwin
Para Distribuição Gratuita
© Ms. Jeanne Mynett
© 2011-2017 Edições Nalanda, da tradução


Nota: “O Caminho Gentil da Meditação” é a transcrição de palestras realizadas por um mestre laico de meditação muito famoso no Sri Lanka, Sr. Godwin Samararatne.


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