Godwin: O que proponho fazer agora é tocar em alguns aspectos da amorosidade. Depois disso, se você tiver dúvidas ou dificuldades sobre a amorosidade, podemos discuti-las.
Fiz uma palestra sobre o mesmo assunto no convento. Eu não quero repetir as mesmas coisas que eu disse lá. Então o que eu gostaria de falar é sobre o que está no texto que foi traduzido e que foi dado a vocês. Há alguns benefícios que são mencionados lá, os benefícios da amorosidade. Eu gostaria de discutir as implicações desses benefícios, e os aspectos práticos dos benefícios.
Dormir e acordar pacificamente
Então, é interessante, o primeiro benefício mencionado é que você pode dormir em paz. Há uma diferença entre dormir pacificamente e dormir bem. Isto está relacionado com o segundo benefício, que é que você acorda pacificamente, e que está relacionado com o terceiro benefício, onde se diz que você não tem qualquer pesadelo, quaisquer sonhos desagradáveis.
Quais são esses sonhos desagradáveis que temos, esses pesadelos? Eu sugeriria que eles estão relacionados com emoções que estamos reprimindo, talvez relacionados às feridas que estamos segurando. Assim, com a amorosidade você cura essas feridas, então você não tem esses pesadelos ou sonhos desagradáveis, e então você pode dormir em paz e acordar em paz.
No Sri Lanka, às vezes eu trabalho com pessoas que sofrem de insônia, e a forma como eu tento ajudá-las, é pela prática deste simples método da amorosidade, antes de ir dormir. Tem sido interessante para mim ver que ele funciona na maioria das vezes.
Outras Pessoas Gostam de Você
Agora, outro benefício mencionado é que outros seres humanos gostam de você. Por que os seres humanos gostam de você? Porque você é amigável em relação a eles, então naturalmente quando você é amigável em relação aos outros eles são amigáveis em relação a você. Se você não é amigável com os outros, eles não serão amigáveis com você. Portanto, é um ponto muito simples que, quando você é amigável com os outros, os outros irão responder da mesma forma. Eu acho que isso é muito importante porque nós temos muitos problemas e dificuldades nos relacionamentos devido ao modo como estamos nos relacionando com outras pessoas. Então, se podemos ser amigáveis em relação a nós mesmos e amigáveis com os outros, isso pode gerar uma grande alegria, uma grande felicidade.
Seres não-humanos também gostam de você
Outro interessante benefício mencionado é que os seres não-humanos também gostam de você. Quais são esses seres não-humanos? Há diversas interpretações possíveis, mas talvez possamos incluir os animais, talvez possamos incluir as plantas e as árvores. Podemos incluir seres não-humanos que podem estar aqui neste mundo, mas que não podemos ver. Penso que é um fato que os animais podem de fato sentir a sua benevolência e responder da mesma forma. Eu estava dizendo outro dia que temos monges no Sri Lanka que meditam em florestas profundas, onde se encontram animais selvagens, onde existem animais que podem atacá-los, mas é interessante como os monges lidam com esses animais. Eu sei de um lugar onde o líder dos monges conversa com esses animais selvagens e eles parecem obedecer às solicitações ou ordens dos monges. Então, eu acho que os animais são perturbados quando você tem medo, mas quando você tem amor e bondade, quando você é amigável em relação a eles, penso que eles podem sentir isso.
Eles têm feito algumas pesquisas que mostram que mesmo as plantas podem sentir suas emoções, elas podem reagir a suas emoções. Então, aqui novamente, eu acho que a amorosidade pode ser capaz de afetá-las em alguns aspectos.
No mundo moderno, temos um monte de problemas com o meio ambiente, o que é chamado de crise ecológica, e assim por diante. Eu vejo isso como uma manifestação de nossa própria autodestruição que vem através desse caminho. Quando você tem a bondade amorosa, você aprende a desenvolver uma sensibilidade para consigo mesmo, seus arredores, o seu ambiente, por isso esta é uma maneira muito simples de proteger o ambiente, fazendo uma conexão com o meio ambiente. Veja-se como parte do ambiente e não como algo separado dele.
Aparência serena
Outro benefício que é mencionado é que seu rosto se torna sereno. Veja algumas das imagens de Buddha aqui, elas capturaram a serenidade dessa expressão. Isso mostra que nosso estado de espírito pode afetar nossa aparência. Se ele pode afetar o nosso rosto, ele pode afetar o nosso corpo também. Então, quando você tem um rosto sereno você não tem que usar cosméticos. Você pode salvar todo esse dinheiro que sobra! E a serenidade que vem com a amorosidade nunca pode ser capturada por meio de cosméticos. De certa maneira, quando você tem um rosto sereno, acho que pode afetar outras pessoas. Isto é o que é bonito sobre amorosidade, ela se torna infecciosa. O ódio pode se tornar infeccioso e, ao mesmo tempo, a amorosidade pode ser infecciosa.
Experimente uma mente calma
Há outro benefício muito interessante que é mencionado, que está relacionado com a meditação. Diz-se que, com a amorosidade é fácil de experimentar samādhi, unidirecionalidade. É por isso que eu enfatizo tanto o espírito amigável na prática, porque quando estamos praticando, se você está odiando as coisas, se você está resistindo às coisas, se você está lutando contra as coisas, não é fácil ter uma mente que está calma. Esta tranquilidade vem naturalmente quando há amizade, quando há gentileza, quando há abertura. Portanto, este é um ponto muito importante para se lembrar em nossa prática; estamos aprendendo a usar o espírito amigável e a gentileza em qualquer técnica que estivermos praticando.
Provê uma sensação de proteção
Ainda, outro benefício mencionado é que ela dá a você uma sensação de proteção. Assim, é interessante que a amorosidade pode ser tão poderosa que pode, de certa forma, protegê-lo de situações diversas. Um aspecto relacionado à proteção é que ela também dá uma sensação de segurança, de confiança. Em uma das afirmações do texto, menciona-se que aqueles que têm amorosidade sentem-se em casa onde quer que estejam. Então, em função da amorosidade, você não se sentirá ameaçado, não se sentirá inseguro. Você se sentirá em casa consigo mesmo, se sentirá em casa com outros
Você pode morrer pacificamente
Outro benefício que é mencionado é que quando vocês morrem, vocês morrem sem confusão, vocês morrem com uma mente clara. Então, por que é considerado uma vantagem morrer conscientemente? Alguém poderia sugerir uma razão para isso?
Participante do retiro: Será porque o último pensamento em nossa mente afetará onde se irá após morrer?
Godwin: Sim, de certo modo. Outras razões possíveis?
Participante do retiro: Será porque temos medo quando morremos porque não experimentamos a morte, e com a amorosidade podemos nos afastar do medo e da dor?
Godwin: Interessante. Mais alguma coisa?
Quando morremos, nós temos uma última chance de nos tornarmos iluminados. Isso porque, no momento da morte, se você puder realmente praticar meditação, se você realmente conseguir fazer uma prática de morte consciente, isso trará a oportunidade de se libertar, então criar essa oportunidade é parte da prática. Há um livro muito interessante da tradição tibetana: O Livro Tibetano dos Mortos. Ele foi traduzido para o chinês?
Praticante do retiro: Sim.
Godwin: Alguém aqui já leu?
Praticante do retiro: Eu li uma parte dele.
Godwin: É um livro bem interessante. Ele mostra como sua vivência no momento da morte é determinada pela maneira como você viveu. De maneira simples, como eu entendo, naquele momento nossas emoções, especialmente as desagradáveis, podem surgir e adquirir muitas formas. Naquele momento, não as reconhecemos simplesmente como emoções, mas à medida que se manifestam externamente, reagimos a essas formas externas que vemos.
Então você vê como isto está conectado à meditação. Como é importante reconhecer como sua mente funciona, como ela funciona com nossas emoções, reconhecê-las, e tudo mais. E o interessante, é dito que a iluminação também se manifesta e nós precisamos reconhecê-la, e se você não a reconhece, sua última chance é perdida. Então, em termos práticos, em nossa meditação nós também devemos reconhecer nossos estados mentais positivos, apenas saber que eles estão ali. Quando você sabe deles, quando você os reconhece, então quando eles se manifestarem você apenas sabe que esta é a mente livre, a mente iluminada que assim se manifesta.
Fica claro que, se você tiver conscientização, se você estiver consciente no momento da morte, poderá saber todas essas coisas, reconhecer essas coisas e, como eu já disse, nós temos uma última chance de nos libertar do que está acontecendo.
E, de certa forma, isso também tem relação com as feridas que carregamos na nossa mente. Às vezes, nas minhas viagens, converso com pessoas que trabalham com aqueles que estão morrendo porque tenho muito interesse nesse tema da morte e do morrer. Trabalhei com pacientes com câncer em estágio terminal. O maior problema no momento da morte são as feridas que negligenciamos, as feridas que deixamos de lado, a feridas que reprimimos, porque elas podem vir com muita força e intensidade. Por que elas se manifestam com tanta força quando estamos morrendo?
Participante do retiro: Seria por que nossa mente se torna fraca no momento da morte?
Godwin: Sim. O que acontece é que, no momento da morte, nossa mente e corpo podem se tornar fracos. Enquanto estamos vivendo podemos conscientemente afastar essas coisas, negá-las, reprimi-las, podemos levar vidas muito ocupadas; mas no momento da morte, não podemos escapar do que está acontecendo.
Então é por isso que eu enfatizo que enquanto estivermos vivos, enquanto formos fortes, nós podemos observar nossos sofrimentos e tentar curá-los. É interessante que essas coisas são também mencionadas na antiga literatura buddhista. De qualquer maneira, este é o 10° benefício que é mencionado, morrer de modo consciente, mostrando a importância disso. E é interessante que existe esta conexão entre a gentileza e a morte.
E o último benefício que é mencionado é que depois da morte nós nasceremos no reino dos deuses, um destino agradável. Mas o que é importante para nós lembrarmos e percebermos é que podemos ver os benefícios nesta própria vida.
Estes são alguns dos benefícios que são mencionados neste texto. Agora vamos ver se podemos incluir algo mais, acrescentar a esta lista a partir de nossa própria experiência. Temos alguma sugestão?
Benefícios sugeridos por outros participantes
Participante do retiro: Vocês não terão inimigos, vocês não vão ter ninguém com quem não consigam se dar bem, e sem ódio contra outras pessoas.
Godwin: Muito boa. De certa forma, está relacionada ao dizer que os seres humanos gostam de você. Ter inimigos é quando os seres humanos não gostam de você. De qualquer forma, como você diz, não ter inimigos é algo muito especial. Então, o que vai acontecer é que você vai ter apenas amigos e não inimigos. Que maneira maravilhosa de viver!
Algo mais?
Participante do retiro: Isto me ajuda a tomar decisões claras. Isto é, quando há ódio em minha mente, então eu sempre tomo a decisão errada porque eu poderia tomar uma decisão do meu próprio ponto de vista e não considerar o que os outros pensam.
Godwin: Muito bem. Então, quando há ódio, quando há raiva, por favor não tome uma decisão porque essa decisão virá sempre de uma mente confusa, não de uma mente clara. Não somente decisões, mas também palavras. Então eu poderia sugerir que se nós nos enraivecermos com alguém neste verdadeiro momento nós devemos fechar nossa boca, porque qualquer coisa que falarmos não virá de uma mente clara, então isso pode ser confuso e pode tornar tudo pior. O estado da mente nesta situação é muito importante.
Em algumas ocasiões alguém faz algo errado e, em seguida, ficamos com raiva e tentamos corrigir essa pessoa com raiva. Gostaria de sugerir que, na maioria das vezes que agimos dessa forma, a tentativa de corrigir as pessoas com raiva não funciona. Então, esses são aspectos práticos muito importantes da amorosidade na vida cotidiana.
Nada mais a acrescentar?
Participante do retiro: Antes de eu aprender a meditação da amorosidade, era fácil eu me enfurecer com as pessoas, mas, depois que aprendi a meditação da amorosidade, descobri que a vantagem dessa meditação é que ela reduz a duração da raiva e aos poucos a raiva some totalmente. Outro benefício é que, com o treinamento, você acaba percebendo que é uma bobagem odiar as pessoas, porque isso causa sofrimento para si mesmo. Quanto mais ódio você tiver, mais problemas você causa para si mesmo.
Godwin: Muito bem. Dois bons pontos. O primeiro ponto é muito importante: o quanto antes nós nos recuperamos destas emoções, raiva, ódio ou algo assim. Eu penso que você não deve colocar como um ideal não ficar bravo, mas se você necessita um ideal, este ideal deveria ser o quão rápido você se recupera da raiva.
Há um belo ensinamento num dos textos buddhistas que fornece três comparações para três tipos de raiva. O primeiro tipo de raiva é comparado a letras escritas em pedra, que nunca mudam, nunca desaparecem. O segundo tipo de raiva é comparado a letras escritas na areia. O terceiro tipo de raiva é comparado a letras escritas na água. Isso não é bonito? Tal é a rapidez: a raiva está lá e também já se foi.
E o segundo ponto também é muito bom, algo bobo, que é realmente tolo para nós: apegarmo-nos à raiva e causarmos mais sofrimento a nós mesmos. Acho que isso é comparável a alguém que está cuspindo no vento, porque quando você cuspir no vento, o cuspe voltará e atingirá seu próprio rosto.
Algo mais? É muito interessante podermos pensar com criatividade e ir aumentando a lista de benefícios desse modo.
Participante do retiro: Isto me faz sentir afetivo, feliz e agradável o tempo todo.
Godwin: Isso é verdade. Esta sensação de afetividade é muito importante porque no momento os seres humanos estão, por várias razões, se tornando mais e mais frios. Como eu disse no convento, com a mecanização, os seres humanos estão se tornando mais e mais como máquinas, e um aspecto disso é que a eles estão deficientes de sentimentos. Então, ter essa afetividade, ter sentimentos por outras pessoas e por nós mesmos, é algo muito importante, muito bonito.
Outro ponto que eu pensava que poderia ser relevante para algumas das pessoas que têm sido reunidas nas entrevistas é que a amorosidade pode desenvolver um senso de auto-confiança. Pode alguém ver a conexão entre auto-confiança e amorosidade?
Participante do retiro: Quando você tem amorosidade você faz coisas muito facilmente que irão ajudar os outros, e você pensa mais nos outros e menos em si mesmo. Com esxe modo de vida, pode-se dizer que não se tem arrependimentos em nada na vida, e quando se pode dizer isso, isto é auto-confiança.
Godwin: Eu acho que outro ponto sobre a auto-confiança é que nós perdemos a auto-confiança quando consideramos a nós mesmos como desprovidos de sucesso, sem valor, inútil, sempre falhando. Isso é uma auto-imagem muito negativa que temos de nós mesmos, principalmente com os nossos fracassos.
Com mais e mais amorosidade, especialmente voltada a nós mesmos, podemos ver como funciona: podemos ver nossas próprias potencialidades e podemos nos tornar mais e mais auto-suficientes, e isso nos traz bastante auto-confiança no sentido de ter capacidade para lidar com todas as situações que venham a aparecer. Então as dificuldades irão aparecer; a raiva vai surgir, problemas surgirão e dificuldades surgirão, mas você terá confiança caso eles surjam: “Eu sei como lidar com eles, eu sei o que fazer!”
De qualquer modo, nós podemos talvez pensar em alguns pontos a mais. Assim, isso mostra como a meditação sobre a amorosidade é importante, especialmente na vida cotidiana, as mudanças que se pode produzir em si mesmo, a transformação que se pode produzir por si mesmo e, como eu disse, isso leva a afetar os outros ao seu lado. Agora, questões, dificuldades que vocês tenham? Se vocês têm quaisquer dificuldades, por favor, apresentem-nas pois é importante discuti-las.
Perguntas e respostas
Participante do retiro: tenho dificuldade em praticar a amorosidade no momento da raiva. Como o senhor disse, quando eu tenho uma mente odiosa é melhor não tomar uma decisão e nem mesmo dizer uma só palavra. Meu problema é que, no meu escritório, quando alguns dos meus funcionários fazem algo errado, eu imediatamente fico com raiva e digo algo a eles. Mais tarde, eu reconheço que não deveria ter dito aquilo, pois apenas adiciono mais sofrimento aos sofrimentos dos outros e isso é um erro. Eu deveria dizer a eles como lidar com o erro em vez de levantar a minha voz. Eu me esforço muito, mas é sempre difícil me controlar nesse momento de raiva
Godwin: Não só você, todos nós podemos nos relacionar com essa experiência. Você levantou uma questão prática muito importante. Eu acho que às vezes você precisa falar com firmeza para as pessoas com quem você trabalha. Antes de eu ir para o centro da meditação, eu era um bibliotecário. Então, eu tentei praticar a amorosidade com os membros de lá. Não foi fácil. As pessoas vêm tarde, pensando: Ele está praticando a amorosidade, então podemos atrasar uma hora. Ele está praticando a amorosidade, por isso não envie um pedido de licença, basta ficar em casa! Percebi que não funcionou porque algumas pessoas entendiam apenas um idioma diferente. A única coisa a fazer é ser muito claro, que agora eu vou ser firme, falar com eles com muita firmeza. Ao fazer isso não há nenhuma ferida, não há impureza interna, é apenas dizer algo que tem de ser dito.
Enfim, a segunda parte da pergunta tem um aspecto muito prático. É que quando ficamos com raiva inesperadamente, o que fazemos? A primeira sugestão é: Não se surpreenda! Porque você ainda está praticando, você não está iluminado, então não fique desapontado, não se sinta culpado, não fique bravo com você mesmo porque você ficou com raiva. Isso é muito importante. Pode acontecer aos meditantes, especialmente quando começamos a meditar, que formemos uma imagem: Eu sou um meditante agora. Estou praticando amorosidade. É assim que devo me comportar. É bom ter um ideal, mas um ideal é uma coisa, a realidade é outra.
Então, no momento em que você não teve consciência e ficou com raiva, o que você pode fazer é estar com a raiva sem se sentir mal: não há necessidade de se julgar com um ponto negativo ou de menos. Por favor, perceba isso. Isso é muito importante. Mas o que tem que ser feito é depois de se recuperar da raiva, talvez depois de cinco minutos, talvez depois de dez minutos, talvez depois de trinta minutos, não importa, mesmo que no dia seguinte, quando tiver se recuperado, então você poderá refletir sobre essa raiva. E esse tipo de reflexão tem que ser feito de uma forma muito amigável, gentil. Basta fazer a pergunta: O que realmente aconteceu comigo? Então você leva a sua mente para trás e tenta ver o incidente objetivamente, e também tenta ver os diferentes aspectos desse incidente. Assim, a nossa raiva se torna o objeto de meditação. Desta forma, nossos defeitos, nossas falhas, tornam-se experiências de aprendizagem.
O que também é importante quando praticamos dessa forma é que não temos esse medo de cometer erros. Caso contrário, ficamos tão preocupados em fazer as coisas perfeitamente, corretamente, que isso pode gerar bastante tensão, bastante sofrimento. Por favor, perceba que isso não significa ceder às nossas falhas, mas relacionar com elas de uma maneira totalmente diferente, mais significativa, mais criativa, que reduzirá nosso sofrimento e nos capacitará também a fazer o que é necessário. Então, você diz a si mesmo: agora quero ver, na próxima vez que estiver nessa situação, como eu agirei? E apenas espere e observe. Então você está esperando por tais oportunidades para ver como você se comporta. Para explicar de outra maneira, embora você tenha ficado com raiva, não houve feridas. Então, chegamos num estado onde, quando ficamos bravos, existe menos sofrimento como resultado, e eu acho que esse é um estado muito importante.
Mais alguma pergunta?
Participante do retiro: Você disse que algumas coisas erradas podem ter sido feitas no passado e podemos não ter perdoado as pessoas ou a nós mesmos e muitas vezes nós suprimimos essas coisas no nosso coração. Quando isso acontece, como posso saber se eu suprimi essas coisas do passado e preciso trazê-las à tona para curá-las?
Godwin: Muito bom. Vamos pegar uma situação prática em que uma ferida foi criada em relação ao que você fez para outra pessoa; você agiu de forma incorreta e agora sofre por conta da culpa. O primeiro ponto é perceber como a ferida foi criada em primeiro lugar. Então, quando você investiga essa pergunta você percebe que a ferida foi criada por sua ideia: “Eu deveria ter me comportado de tal maneira”. Você percebe que o problema está em seu modelo de como você deveria ter se comportado. É útil entender esse processo por que isso pode nos ajudar a curar a ferida. Este é o primeiro ponto.
O segundo ponto é perceber que somos ainda humanos, somos ainda imperfeitos e, portanto, como eu tenho dito muito frequentemente, precisamos aprender a perdoar nossa humanidade, perdoar nossas imperfeições.
Outra sugestão é perceber que essas coisas aconteceram no passado. Eu não posso mudar o passado, então por que estou agarrado em alguma coisa que aconteceu no passado?
O último ponto – espero que eu possa comunicar isto – é que carregamos as feridas em nossa memória. E como elas estão relacionados com memórias, quanto mais tentamos esquecê-las mais elas vêm. Nós não temos controle sobre nossa memória. O controle que temos não é em relação à própria memória, mas como reagimos à ela. É aí onde a meditação entra. Este é o momento que nós podemos trabalhar com ela em termos práticos. Então, quando a memória vem em relação ao que você tem feito, o que você pode observar é a sua reação à memória: a culpa.
Agora, isto é onde a conscientização é relevante: com a conscientização aprendemos que há culpa, e como também temos praticado, aprendemos a dizer OK a essa culpa, aprendemos a nos sentir amigáveis com essa culpa, apenas permitir a culpa se manifeste. Então, depois de algum tempo, você pode se lembrar desse incidente novamente e, novamente a culpa virá, então novamente criamos espaço para que a culpa esteja lá. Também pode ser interessante, às vezes, trazer deliberada e conscientemente a memória e ver como estamos nos relacionando com ela. Então, um dia, você tem a experiência, a memória vem, mas não há nenhuma culpa, e quando isso acontece ela mostra que a ferida está curada. Em seguida, a memória pode vir, mas a emoção correspondente não estará lá. Podemos até deliberada e conscientemente trazer a memória, e a emoção correspondente não estará lá.
Uma última sugestão é compreender que segurar essas feridas é algo muito auto-destrutivo. Então, essas são maneiras e meios de curar tais feridas. Seja culpa, seja tristeza, seja ódio, as ferramentas são as mesmas.
Participantes do retiro: Hoje, deliberadamente, eu trouxe algumas lembranças para ver se há feridas ou não, mas não houve reação. Poderia ser uma ilusão? Aconteceria tal coisa?
Godwin: Isso mostra que elas foram curadas. Assim, não precisa se preocupar pensando: “Eu não tenho feridas” ou “Por que eu não tenho feridas?” Você pode dar a si mesmo um ponto positivo porque a maior parte das pessoas ainda tem feridas. Assim, apenas diga: “Eu não tenho feridas, isso é bom”.
Eu acho que em uma ocasião eu disse para aqueles que não tem feridas: “Por favor, envie a amorosidade para aqueles que estão tentando curar suas feridas”, pois algumas pessoas estão realmente lutando com as feridas. Eu sei que isso é tão forte nelas, está tão profundo que exige muito delas para curar essas memórias. Eu sei por experiência, por meio do trabalho com meditantes.
Participantes do retiro: O amor e o ódio são a mesma coisa?
Godwin: Você pode nos dar alguns exemplos? Eu sou um homem simples. Gosto de exemplos práticos.
Retirante: Você mencionou que, se a nossa ferida é ódio, podemos deliberadamente trazê-la e olhar para o ódio, e se não tivermos nenhuma reação a ele, isso significa que a ferida está curada. Mas e quanto ao amor: podemos desenterrar situações em que amamos os outros, e então ver se temos alguma emoção quando descobrimos essa memória de amor? Por exemplo, não só depois de uma separação, mas se por algum motivo você se sacrificou para o seu bem, pode haver emoções profundas quando estas memórias são cavadas. Devem ser tratados da mesma forma que lidamos com a raiva?
Godwin: Quando você se lembra dessas coisas, ou quando você pode deliberada e conscientemente criá-las sem quaisquer emoções desagradáveis, o que você vai ter é emoções agradáveis. Você pode se sentir feliz com o que você tem feito por outra pessoa.
Gostaria de sugerir que e importante para nós por vezes pensar nas coisas boas que fizemos. Isso pode nos dar muita alegria, felicidade, leveza, e também ser um incentivo para fazer mais e mais tais ações de amor. No Sri Lanka tínhamos o costume – que já não mais está presente – de manter o que era chamado de ‘um livro de méritos’. A ideia é que você anote as coisas boas que fez, as coisas habilidosas que fez, e no momento em que estiver para morrer alguém leia para você o seu livro de anotações. Porque usualmente damos mais poder, mais energia aos nossos enganos, então penso que isso pode ser importante. De fato, é mencionado no Dhamma, de maneira deliberada e consciente reconhecer a bondade, assim quando tais memórias surgem você reconhece tais emoções positivas.
A prática de amanhã
Então, agora, alguma coisa sobre a prática de amanhã. Uma coisa é que amanhã tentaremos fazer dele um dia de silêncio, tanto quanto for possível. Mas isso não significa que se vocês precisarem falar alguma coisa útil, algo importante, que vocês não deveriam falar. Mas, na medida do possível, vamos fazer um dia de silêncio. Esta é uma sugestão que eu gostaria de apresentar.
Em segundo lugar, hoje foi um dia de amorosidade, amanhã faremos dele um dia de emoções. Então, amanhã vamos fazer um esforço para permitir que surjam as emoções, se forem agradáveis, como no caso que você mencionou, ou desagradáveis, deixe que surjam. Assim, com as emoções agradáveis que aparecerem, teremos mais alegria, mais felicidade enquanto permitirmos que isso aconteça, e com emoções desagradáveis podemos aprender de que forma trabalhar com elas, como usá-las, porque sei que alguns meditantes aqui ainda estão lutando com as emoções desagradáveis que estão surgindo.
Então, amanhã, pratique não afastá-los porque eles são desagradáveis. Tente não controlá-los, não rejeitá-los, mas simplesmente permitir que eles surjam se houver necessidade para eles surgirem. Quando eles surgirem, permita, faça amizade com eles e, se puder, ame-os. O que podemos aprender com eles? Então, vamos usar alguns desses instrumentos e veja o que acontece. Durante a tarde, podemos utilizar as experiências práticas do dia para discutir as emoções e explorar mais a questão das emoções.
Há uma conexão entre o silêncio e as emoções. Com mais e mais silêncio, permite-se que as emoções surjam, talvez ambos os tipos de emoção. Então, vamos ver o que acontece amanhã.
Agora vamos entoar cânticos.
Palestras em Hong Kong – 7 palestras em retiros em Hong Kong – Terceiro dia, 15 de Outubro de 1997
Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
em acordo com The Association of Spiritual Friends of Godwin
Para Distribuição Gratuita
© Ms. Jeanne Mynett
© 2011-2016 Edições Nalanda, da tradução
Nota: “O Caminho Gentil da Meditação” é a transcrição de palestras realizadas por um mestre laico de meditação muito famoso no Sri Lanka, Sr. Godwin Samararatne.
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