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Nós devemos fortalecer e estender o potencial da libertação dentro da tradição buddhista para permitir que cada comunidade local ganhe uma perspectiva global, que esteja ciente dos problemas globais, principalmente do sofrimento dos pobres. Se mais pessoas fossem conscientes do problema, ele poderia ser resolvido mais eficientemente.
Nós devemos também promover o intercâmbio e o aprendizado entre buddhistas e não-buddhistas para que possam cooperar de maneira significativa através de uma luta comum contra as forças sociais opressivas que causam sofrimento.
Nós devemos também tentar fazer com que camponeses, pescadores, trabalhadores industriais, mulheres e outras facções oprimidas dos países descubram sua fé e as raízes de sua cultura e tracem suas inspirações e seu sustento a partir delas. Infelizmente, o desenvolvimento no passado ignorou essa fonte vital dos valores humanos. De fato, ativistas, mesmo aqueles de tendências agnósticas, devem estar abertos às dimensões liberalizantes da religião e da cultura. Claro que muitos ativistas são antirreligião, talvez contra certos dogmas, formas, cerimônias ou estabelecimentos; porém, talvez o buddhismo, com “b” minúsculo, possa ajudá-los a descobrir, desenvolver e fortalecer a espiritualidade secular de luta que não esconde referências a uma tradição específica, mas nutre as pessoas por uma maior autenticidade.
Para muitos de nós, que queremos solucionar os problemas globais, existe a mentalidade da engenharia social predominante que assume que virtude pessoal pode ser mais ou menos condicionada por uma reestruturação radical da sociedade. Por outro lado, a visão oposta é a de que uma melhoria social radical é totalmente dependente de uma mudança pessoal e espiritual e de mudanças no estilo de vida. Mas um número crescente de pessoas espiritualizadas reconhece que este trabalho “interno” é massivamente desencorajado pelas condições sociais, as quais são consequências das ilusões e medos individuais. Assim, um poeta e ativista zen buddhista, Gary Snyder, observa que o tão chamado “mundo livre” tem se tornado economicamente dependente de um sistema fantástico de ganância que não pode ser saciado, de desejo sexual que não pode ser satisfeito, e de raiva que não tem escoamento, exceto contra si mesmo. Sob essas condições, as chances estão extremamente contra uma vida espiritual, especialmente aos que vivem em cidades prósperas do Ocidente. Ainda assim, as então chamadas sociedades socialistas queriam, sem exceções, se juntar ao chamado “mundo livre”. Esse círculo vicioso deve ser quebrado social e também pessoalmente – uma espiritualidade engajada se faz necessária.
O ativismo social no passado vem se preocupando com o que está “lá fora”. Abrir-se ao que está “aqui dentro” e compartilhar com os outros pode trazer grande alívio, mas também traz uma desconcertante consciência de quanto “eu” preciso do meu negócio, das minhas certezas e racionalizações e suas maldades. Só a manutenção da consciência do tédio, da frustração, da indiferença, da braveza, da hostilidade e da vitória experienciadas pelos ativistas, sem serem abalados positiva ou negativamente, é uma prática espiritual grandiosa. Mas isso só é possível se houver um equilíbrio adequado entre meditação diária e retiros periódicos, e também se há consciência das doenças sociais fora de nós mesmos. Essas práticas dissolvem lentamente a necessidade pessoal que se alimenta de esperança, deixando-nos livres para fazer somente o que a situação demanda de nós.
Através de um aprofundamento da conscientização vem a aceitação, e através da aceitação vem uma aparentemente milagrosa generosidade de espírito e sensação de poder fazer o trabalho que a compaixão requer de nós. Podemos nos levar menos a sério. Com essa autoconsciência crítica, nós podemos genuinamente entender e respeitar os outros de religiões e credos diversos. Nós podemos até dar as mãos com eles de maneira humilde e consciente de que estamos tentando desenvolver a nossa espaçonave Terra para tornar-se num lugar pacífico e com justiça.
Traduzido por Oscar Rodrigues Simões
para o Centro de Estudos Buddhistas Nalanda
© da tradução, 2012 Edições Nalanda
Nota: “Solucionando Problemas Globais” marca o início do INEB (Rede Internacional de Buddhistas Engajados) e discorre sobre as questões que o Buddhismo deve enfrentar para se tornar relevante em termos sociais globais. Sulak Sivaraksa é um dos principais líderes e articuladores do Buddhismo Engajado. O INEB foi estabelecido em 1989 com líderes buddhistas como o 14. Dalai Lama, o monge vietnamita e ativista pela paz Thich Nhat Hanh e o monge Theravada Maha Ghosananda, como seus patronos. Sulak se considera um aluno de Tan Ajahn Buddhadasa e é um amigo do Centro Nalanda.
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este texto é fenomenal. na sua brevidade e simplicidade toca pontos cruciais que dispersam o que eu vejo como importantes fontes de confusão e inocuidade na chamada “espiritualidade engajada” e mesmo qualquer outro tipo de engajamento. obrigado ao tradutor e ao nalanda por trazer em português
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