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O resultado foi o de que a instituição ou a Sangha, a comunidade sagrada de irmãos e irmãs, foi desenvolvida para ensinar o Dhamma aos governantes e facilitar a comunicação entre governantes e governados.
Diferentemente da comunidade leiga, a Sangha reverte o processo de deterioração da raça humana descrita nos mitos buddhistas da criação: coerção é substituída pela cooperação, a propriedade privada é substituída pela não-propriedade, família e lar são substituídos pela comunidade de andróginos errantes, e hierarquia é substituída pela democracia igualitária. A Sangha simboliza a unificação dos meios e fins na filosofia buddhista. Ou seja, o movimento que trabalha para a resolução de conflitos necessita incorporar em si um processo são e pacífico. A disciplina da antiga Sangha monástica foi projetada para canalizar possíveis conflitos de interesse entre monges e monjas em direção a soluções pacíficas e democráticas. Com o intuito de difundir paz e estabilidade em suas sociedades, a Sangha monástica procurou estabelecer hegemonia moral ao Estado, para guiar suas sociedades com um código de ética de não-violência para o interesse do bem-estar social.
Desde o falecimento do Buddha, alguns 2530 anos atrás, a Sangha histórica, no entanto, foi dividida vertical e horizontalmente através de alianças culturais, econômicas e políticas. Setores da Sangha em diversos países tornaram-se dependentes de apoio do Estado para suas crescentes comunidades. Com o crescimento da riqueza monástica e da propriedade de terra, veio a integração da Sangha à sociedade como uma classe eclesiástica de professores, performadores de rituais, e cantores de fórmulas mágicas – um setor pertencente a uma elite possuidora de terras com seus próprios interesses egoístas e com um tremendo poder cultural.
Com a centralização e hierarquização da Sangha veio o controle estatal e das elites, de modo que ao invés de aplicar a ética da não-violência ao Estado, uma parte da Sangha foi cada vez mais chamada para dar racionalidade à violência e à injustiça.
Por outro lado, na base da sociedade, frequentemente empobrecida e sem acesso à educação, sempre existiu um clero radical a favor da não-propriedade e da ausência de família, que mantém a perspectiva crítica do Buddha. Até hoje, comunidades dispersas de buddhistas continuam radicalmente ignorando, e muitas vezes arduamente condenando, o Estado oficial buddhista, com suas estruturas hierarquicamente elitizadas e seus legados de acomodação secular e corrupção.
Olhando para o futuro da humanidade, faz-se necessário olharmos para trás. O Estado e suas elites, com suas tendências naturais ao conflito ganancioso, devem se manter sob a hegemonia das instituições populares que incorporam o processo de não-violência e de um processo democrático de resolução de problemas. Em termos tradicionalmente buddhistas, o rei deve sempre estar sob a influência da Sangha, e não o contrário.
Para aqueles que são intelectuais leigos, acho que é imperativo que apoiemos esse clero radical para que essa perspectiva crítica do Buddha seja mantida. Devemos de coração aberto apoiar a Sangha em seus esforços de liderar as comunidades locais em direção à autoconfiança e afastando-a da dominação das elites e do consumismo.
De fato, muitas das sociedades locais e agrárias ainda têm meios de vida pacíficos e respeito por cada indivíduo, assim como por cada animal, árvore, rios e montanhas.
Embora os governos e corporações multinacionais tenham introduzido diversos avanços tecnológicos e fertilizantes químicos, e tenham feito propagandas para que os aldeões se afastem de seus meios tradicionais de vida e optem por jeans, Coca-Cola e fast-food, assim como a veneração do Estado e de seu aparato bélico, seus esforços vêm sendo contrariados com sucesso pelos integrantes da Sangha crítica. Alguns deles vêm reintroduzindo práticas meditativas para lavradores, cooperativas de arroz e de búfalos que são de propriedade das comunidades e daqueles que se beneficiam delas, ao invés dos bancos comerciais que se unem com empresas internacionais às custas da população local.
Traduzido por Oscar Rodrigues Simões
para o Centro de Estudos Buddhistas Nalanda
© da tradução, 2012 Edições Nalanda
Nota: “Solucionando Problemas Globais” marca o início do INEB (Rede Internacional de Buddhistas Engajados) e discorre sobre as questões que o Buddhismo deve enfrentar para se tornar relevante em termos sociais globais. Sulak Sivaraksa é um dos principais líderes e articuladores do Buddhismo Engajado. O INEB foi estabelecido em 1989 com líderes buddhistas como o 14. Dalai Lama, o monge vietnamita e ativista pela paz Thich Nhat Hanh e o monge Theravada Maha Ghosananda, como seus patronos. Sulak se considera um aluno de Tan Ajahn Buddhadasa e é um amigo do Centro Nalanda.
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