Ajahn Thanissaro
Ajahn Thanissaro

~ Ven. Thanissaro Bhikkhu ~

Ao explicar a meditação, o Buddha muitas vezes estabeleceu analogias com as habilidades de artistas, carpinteiros, músicos, arqueiros e cozinheiros. Encontrar o nível de esforço correto, disse ele, é como o afinar de um alaúde de um músico. Ler as necessidades da mente no momento – ser alegrado, acalmado ou inspirado – é como a habilidade de um cozinheiro do palácio de ler e agradar os gostos de um príncipe.

Coletivamente, essas analogias assinalam um ponto importante. A meditação é uma habilidade e adquirindo sua maestria, ela deverá ser agradável da mesma forma que pode ser a maestria de qualquer outra habilidade gratificante. O Buddha assim o disse a seu filho Rahula: “Quando você vir que atuou, falou ou pensou de uma forma habilidosa – condutora à felicidade, sem causar mal algum a você mesmo ou aos outros – alegre-se com o fato, e continue treinando”.

Claro, dizer que a meditação deve ser agradável não significa que sempre ela tenha de ser fácil ou prazerosa. Cada meditante sabe que requer disciplina sentar-se em períodos longamente desagradáveis e desemaranhar todas as questões difíceis da mente. Mas se você puder abordar dificuldades com o entusiasmo que um artista aborda os desafios em seu trabalho, então a disciplina se tornará agradável: os problemas são resolvidos por meio de sua própria engenhosidade, e a mente é energizada mesmo pelos maiores desafios.

Essa postura alegre é um antídoto útil para as atitudes mais pessimistas que muitas vezes as pessoas trazem para a meditação, as quais tendem a cair em dois extremos. Por um lado, há a crença de que a meditação é uma série de exercícios maçantes e sem graça, onde não cabe a criatividade, nem nenhum questionamento: Basta ranger os dentes e, ao fim do longo curso, sua mente vai ser transformada e desperta. Por outro lado, há a crença de que o esforço é contraproducente para a felicidade, assim, meditação não deve envolver esforço algum: Basta aceitar as coisas como elas são, é insensato querer que fiquem melhores – e relaxar no momento.

Mesmo que seja verdade que tanto a repetição quanto o relaxamento podem trazer resultados na meditação, quando se persegue um com a exclusão do outro, isso leva a um beco sem saída. Se, entretanto, você pode integrar ambos, numa maior habilidade de aprendizado de como aplicar o nível de esforço necessário para um determinado momento, isso pode levá-lo longe. Essa maior habilidade requer fortes poderes de vigilância, concentração e discernimento, mas se você a mantém, ela pode acompanhá-lo por todo o caminho para o objetivo final do Buddha no ensino da meditação: nibbāna, uma felicidade totalmente incondicionada, livre de restrições de espaço e tempo.

Esse é um objetivo inspirador, mas requer trabalho. E a chave para manter a sua inspiração no trabalho cotidiano da prática de meditação deve ser abordá-la como um jogo: uma oportunidade divertida de dominar habilidades práticas, de levantar questões, de experimento e exploração. Assim é, precisamente, como o próprio Buddha ensinou meditação. Em vez de formular um método pré-moldado, ele primeiro treinava seus estudantes nas qualidades pessoais — tais como honestidade e paciência – necessárias para fazer observações dignas de confiança. Só então ele ensinava as técnicas de meditação e, mesmo então, ele não explicava tudo nos mínimos detalhes. Ele levantava questões e sugeria áreas da exploração, na esperança de que as suas perguntas capturariam a imaginação de seus estudantes e, então, eles desenvolveriam discernimento e obteriam insights por si mesmos.

Podemos ver isso no modo como o Buddha ensinou Rāhula a meditar. Começou com a questão da paciência. Medite, disse ele, para que a sua mente seja como a terra. Coisas horríveis são atiradas na terra, mas a terra não fica repugnada por causa delas. Quando tornar a sua mente como a da terra, tanto impressões sensoriais agradáveis quanto desagradáveis não tomarão conta dela.

Agora, o Buddha não estava falando para Rāhula se tornar um pedaço de terra passivo. Ele estava ensinando Rāhula a ser esclarecido, a desenvolver suas habilidades de persistência, a fim de que ele pudesse observar os eventos dolorosos e prazerosos em seu corpo e mente, sem ficar absorto nos prazeres ou derrotado na dor. É para isso que serve a paciência. Ela lhe ajuda a se sentar com as coisas até que você as compreenda suficientemente bem para responder a elas habilmente.

Para desenvolver a honestidade na meditação, o Buddha ensinou a Rāhula mais um exercício. Olhe para a inconstância de eventos no corpo e na mente, ele disse, de modo que você não desenvolva um senso de “eu sou” em torno deles. Aqui, o Buddha estava complementando uma lição que ele havia ensinado a Rāhula, quando ele tinha sete anos de idade. Aprenda a olhar para suas ações, disse ele, antes de fazê-las, enquanto você as faz e depois que tiverem sido feitas. Se você vir que agiu de forma inábil e causou dano, decida não repetir o erro. Em seguida, fale sobre isso com alguém que você respeite. Nessas lições, o Buddha estava treinando Rāhula para ser honesto consigo mesmo e com os outros. E a chave para essa honestidade é tratar suas ações como experimentos. Então, se você vir que os resultados não são bons, você é livre para mudar sua conduta.

Essa atitude é essencial para o desenvolvimento da honestidade em sua meditação também. Se você considera todas as coisas – boas ou ruins – que surgem na meditação, como um sinal do tipo de pessoa que você é, será difícil de observar qualquer coisa de forma honesta. Se uma intenção não hábil surgir, você pode se desmontar achando-se um péssimo praticante de meditação ou abafar a intenção sob a capa da negação. Se uma intenção hábil surgir, você pode vir a se tornar orgulhoso ou complacente, vendo isso como um sinal de sua inata boa natureza. Como resultado, você nunca vem a perceber se suas intenções são realmente hábeis como pareciam num primeiro momento.

Para evitar essas armadilhas, você pode aprender a ver os eventos como eventos, e não como os sinais inatos de buddheidade ou de maldade de quem nós somos. Assim, pode observar esses eventos com honestidade, de onde provêm e para onde nos conduzem. Honestidade, juntamente com paciência, coloca-nos numa melhor posição para usar as técnicas de meditação que permitem explorar a nossa própria mente.

A principal técnica que o Buddha ensinou a Rāhula foi a meditação sobre a respiração. O Buddha recomendou dezesseis passos para lidar com a respiração. Os dois primeiros envolvem instruções simples. O restante levanta questões a serem exploradas. Dessa forma, a respiração se torna um veículo para exercer a sua criatividade em resolver problemas da mente e para exercitar a sua sensibilidade na avaliação dos resultados.

Para começar, basta notar quando a respiração é longa e quando ela é curta. Nas etapas restantes, porém, você treina a si mesmo. Em outras palavras, você tem que descobrir por si mesmo como fazer o que o Buddha recomenda. Os dois primeiros treinos são inspirar e expirar, sensível ao corpo inteiro; em seguida acalmar o efeito que a respiração tem no corpo. Como você faz isso? Você experimenta. Qual ritmo da respiração, qual o modo de conceber a respiração acalma o seu efeito sobre o corpo? Tente pensar na respiração não como o ar que entra e sai dos pulmões, mas como o fluxo de energia por todo o corpo que atrai o ar para dentro e para fora. Onde você sente esse fluxo de energia? Pense nele como fluindo para dentro e para fora da parte de trás do seu pescoço, em seus pés e mãos, ao longo dos nervos e vasos sanguíneos, em seus ossos. Pense nisso entrando e saindo de cada poro de sua pele. Onde é que está bloqueado? Como você dissolve os bloqueios? Ao respirar através deles? Em torno deles? Direto para eles? Veja o que funciona.

Ao jogar com a respiração dessa forma, vai cometer alguns erros – eu, às vezes, fiquei com dores de cabeça por forçar muito a respiração – mas, com a atitude certa, os erros tornam-se lições sobre aprender como o impacto das suas percepções modela a maneira como você respira. Você também vai se pegar ficando impaciente ou frustrado, mas depois vai ver que quando você respira através dessas emoções, elas vão embora. Você está começando a ver o impacto da respiração sobre a mente. O próximo passo é respirar dentro e fora com uma sensação de plenitude refrescante e uma sensação de facilidade. Aqui, também, você precisa experimentar, tanto com a maneira como você respira, como com a maneira como você concebe a respiração. Observe como essas sensações e concepções têm um impacto sobre a mente, e como você pode acalmar esse impacto para que a mente se sinta mais à vontade.

Então, quando a respiração está calma e você foi revigorado com sentimentos de bem-estar e tranquilidade, você está pronto para olhar para sua mente propriamente dita. Entretanto, você não deixa a respiração. Você ajusta sua atenção ligeiramente, de forma que esteja observando sua mente tal como ela permanece com a respiração. Aqui o Buddha recomenda três áreas para experimentação. Observe como alegrar a mente quando ela precisa ser contentada, como estabilizar a mente quando ela precisa ser acalmada, e como liberá-la de seus agregados e encargos quando ela está pronta para liberá-los.

Às vezes, a vontade firme e regozijada exige trazer outros tópicos para a contemplação. Por exemplo, para regozijar a mente vocês podem desenvolver uma atitude de boa vontade infinita ou lembrar-se dos momentos em que eram virtuosos ou generosos. Para firmar a mente quando ela estiver prostrada pelo desejo, vocês podem contemplar o lado desagradável do corpo humano. Para restabelecer seu foco quando estiverem sonolentos ou complacentes, vocês podem contemplar a morte – compreendendo que ela pode vir a qualquer momento e vocês precisam preparar sua mente para enfrentá-la com alguma dignidade. Outras vezes, vocês podem regozijar ou firmar a mente simplesmente pelo modo como focam na própria respiração. Por exemplo, exalar em suas mãos e pés pode realmente ancorar a mente quando a concentração se torna oscilante. Quando um ponto no corpo não é o suficiente para manter seu interesse, tentem focar na respiração em dois pontos ao mesmo tempo. O importante é que se ponham em uma posição em que possam experimentar com a mente e ler os resultados de seus experimentos com precisão cada vez maior. Vocês podem tentar explorar essas habilidades fora da almofada também: como vocês regozijam sua mente quando estão doentes? Como firmam a mente ao lidar com uma pessoa difícil?

Para liberar a mente de seus fardos, na preparação para a liberdade definitiva do nibbāna, libere-a primeiro de qualquer embaraço quando for se concentrar. Uma vez que a mente tenha se acalmado, verifique se existem maneiras de refinar a quietude. Por exemplo, nos estágios iniciais de concentração, você precisa manter o foco direcionando seus pensamentos para a respiração, avaliando e ajustando-a, tornando-a mais agradável. Mas, eventualmente, a mente fica tão quieta que avaliar a respiração não é mais necessário. Então você descobre como tornar a mente una com a respiração, e, dessa forma você solta a mente num estado de conforto mais intenso e refrescante.

Quando você expande suas habilidades desse jeito, as intenções que tem usado para modelar sua experiência de corpo e mente se tornam mais e mais transparentes. Nesse ponto, o Buddha sugere revisitar o tema da inconstância, aprendendo a procurá-la nos efeitos de cada intenção. Você percebe que mesmo os melhores estados produzidos por intenções habilidosas – os mais sólidos e refinados de concentração – oscilam e mudam. Compreender isso induz um senso de desencantamento e desilusão em relação a todas as intenções. Você percebe que a única maneira de ir além dessa inconstância é permitir que todas as intenções cessem.  Você observa como tudo é abandonado, incluindo o caminho. O que fica é incondicionado: o que não morre. Seu desejo de explorar a respiração o levou além do desejo, além da respiração, por todo o caminho até o nibbāna.

Mas o caminho não deixa todos os seus prazeres para o final. Ele toma o desencorajador prospecto de alcançar o Despertar completo e o quebra em objetivos temporários gerenciáveis – uma série de intrigantes desafios que, à medida que você os conhece, permite que você veja progresso em sua prática, o que a torna interessante e uma fonte de alegria. Ao mesmo tempo, você não está engajado em distrações. Você está desenvolvendo uma sensibilidade a causa e efeito que ajuda a tornar corpo e mente transparentes. Somente quando ambos estiverem completamente transparentes você conseguirá deixá-los. Ao vivenciar o corpo inteiro da respiração na meditação, você está sensibilizando-se à área de sua atenção onde o sem-morte – quando você estiver preparado o suficiente para vê-lo – aparecerá.

Assim, mesmo que o caminho exija esforço, é um esforço que continua abrindo novas possibilidades para a felicidade e bem-estar no momento presente. E mesmo que as etapas de meditação por meio da respiração, eventualmente, levem a um sentimento de desencanto e desapego, elas não fazem isso de uma forma triste. O Buddha nunca pediu para adotar, no tocante a esse assunto, um estado mental que levasse a um mundo de negação ou um mundo de afirmação. Em vez disso, ele pede uma atitude de “exploração do mundo”, em que você usa o mundo interior da respiração no corpo inteiro como um laboratório para explorar os prazeres inofensivos da mente clara que o mundo como um todo pode proporcionar. Você aprende habilidades para acalmar o corpo, para desenvolver sentimentos revigorantes, plenitude e tranquilidade. Você aprende a acalmar a mente, estabilizá-la, alegrá-la e liberá-la de suas opressões.

Só quando vocês chegam aos limites dessas habilidades é que estarão prontos para superá-las, a fim de explorar o potencial maior para a felicidade que possa haver. Dessa forma, o desencanto não se desenvolve a partir de uma atitude estreita ou pessimista, mas de uma atitude de esperança de que deve haver algo melhor. Isso é como o desencanto que uma criança sente quando adquiriu a maestria de um jogo simples e sente-se pronta para algo mais desafiador. É a atitude de uma pessoa que amadureceu. E, como todos sabem, não se amadurece encolhendo-se perante o mundo, assistindo-o passivamente ou exigindo que ele nos entretenha. Você amadurece explorando-o, ampliando seu leque de habilidades úteis enquanto brinca.

Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
com a permissão do autor

© 2013 Edições Nalanda

Nota: “Cabeça & Coração” é uma coletânea de escritos do Ven. Ajahn Thanissaro, traduzidos com exclusividade pela equipe de tradução do Centro de Estudos Buddhistas Nalanda.


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2 COMMENTS

  1. […] A paciência é dita ser “a arma invencível daquele que é bom a fim de desenvolver as qualidades nobres, pois dispersa a raiva que é o elemento que se opõe a todas as qualidades”. Raiva aqui abrange todos os tipos de irritações, e quando estão presentes na mente não é possível o cultivo de qualquer qualidade saudável. Thanissaro Bhikkhu, um monge therav?da contemporâneo, nos lembra sobre um ensinamento dado pelo Buddha ao seu filho R?hula: […]

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