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Meditação é a habilidade mais útil que você pode dominar. Ela pode levar a mente ao fim do sofrimento, algo que nenhuma outra habilidade pode fazer. Mas também é a habilidade mais sutil e exigente que existe. Ela requer todas as qualidades mentais comumente envolvidas em dominar uma habilidade física – vigilância e atenção, persistência e paciência, disciplina e engenhosidade – mas em um grau extraordinário. É por isso que, quando você encontra a meditação, é bom refletir sobre quaisquer habilidades, ofícios ou disciplinas que você já domine, de modo que você possa aplicar as lições que lhe ensinaram ao treinamento da mente.
Ao ensinar meditação, sempre achei de grande ajuda fazer analogias a habilidades físicas para ilustrar o que eu queria transmitir. Dada a grande diversidade e especificidade das habilidades e disciplinas popularmente conhecidas atualmente na América [do Norte], observei que o treinamento da força física é um tipo de exemplo claro e eficaz. A meditação se parece bem mais com um treinamento do que se poderia imaginar.
O próprio Buddha notou o paralelo aqui. Ele definiu a prática como um caminho de cinco forças: convicção, persistência, vigilância, concentração e discernimento. Ele comparou a capacidade da mente de derrotar seus pensamentos mais teimosos com um homem forte que derrota um homem fraco. A agilidade de uma mente bem treinada, diz ele, é como um homem forte que pode facilmente flexionar seu braço quando ele está distendido ou estendê-lo quando está flexionado. E ele sempre comparou as habilidades superiores de concentração e discernimento à habilidade do arco e flecha, o qual – dada a monumental reverência da Índia antiga – era fortemente treinada pelos nobres guerreiros de seu tempo. Essas habilidades incluem a habilidade de atirar em grandes distâncias, disparar flechas em rápida sucessão e trespassar grandes massas – a grande massa aqui sendo a massa da ignorância que envolve a mente não treinada.
Assim, ainda que você esteja desenvolvendo massa ao invés de trespassá-la, você ainda terá aprendido algumas lições importantes que o colocará em boa posição como meditante. Algumas das mais importantes são as seguintes:
- Leia sobre anatomia. Se você quiser fortalecer um músculo, você precisará saber onde ele está e o que ele move, caso queira entender os exercícios que o terão como alvo. Só então poderá exercê-los eficientemente. Da mesma forma, você precisará entender a anatomia do sofrimento da mente se quiser entender como sua meditação deve funcionar. Estude o que o Buddha tem a dizer sobre o assunto, e não se contente com livros que o coloquem no extremo final da fila do jogo do telefone sem fio. Vá direto à fonte. Você descobrirá, por exemplo, que o Buddha explicou como a ignorância dá forma ao como você respira, e como isto, por sua vez, pode aumentar seu sofrimento. Essa é a razão por que a maioria dos programas de meditação começa com a respiração, e o porquê de o próprio programa do Buddha contar com a respiração durante todo o caminho até o nibbāna. Assim, estude para entender como e porquê.
- Comece onde você está. Muitos meditantes ficam desencorajados no início porque suas mentes não sossegam. Mas, da mesma maneira que você não vê a hora de ficar grande e forte antes de começar um treinamento de força, você não vê a hora de sua concentração ficar forte antes de começar a sentar. Apenas exercitando a pouca concentração que você tem irá torná-la sólida e estável. Assim, mesmo que você se sinta magricela quando todas as pessoas em sua volta parecem grandes, ou gordo quando todas as outras pessoas parecem em boa forma, lembre-se de que você não está aqui para competir com elas ou com os meditantes perfeitos que você vê nas revistas. Você está aqui para trabalhar em você mesmo. Assim, estabeleça isso como seu foco, e mantenha ele forte.
- Estabeleça uma rotina regular. Você está nisto para a longa distância. Todos nós gostamos de histórias de iluminação súbita, mas mesmo os insights mais relâmpagos foram precedidos por uma longa e constante disciplina de prática diária. Isso é assim porque a consistência da sua disciplina permite-lhe observar mudanças sutis, e ser observador é o que permite ao insight ver. Portanto, não se deixe levar por promessas de atalhos rápidos e fáceis. Ponha à parte um tempo para meditar todos os dias e depois mantenha o seu horário, quer lhe apeteça meditar ou não. A mente amadurece ao ultrapassar a resistência à repetição, tal como um músculo. Por vezes os melhores insights vêm nos dias em que menos apetece meditar. Mesmo quando não, você está a desenvolver uma força de disciplina, paciência e resiliência que o ajudará nas dificuldades ainda maiores do envelhecimento, doença e morte. É por isso que se chama prática.
- Almeje o equilíbrio. Os “grupos musculares” do caminho são três: a virtude, a concentração e o discernimento. Se qualquer um desses fica mais desenvolvido à custa dos outros, isso os coloca fora do alinhamento e suas forças extras se transformam em uma deficiência.
- Defina metas provisórias. Você não pode fixar um prazo final para a sua iluminação, mas você pode continuar almejando por um pouco mais de tempo sentado ou em pé, um pouco mais de consistência em sua vigilância, um pouco mais de velocidade na recuperação de uma distração, um pouco mais de compreensão do que você está fazendo. O tipo de meditação ensinada em retiros onde eles dizem para você não ter objetivos é direcionado para: (1) pessoas que ficam neuróticas em torno de metas em geral; e (2) os guerreiros de fim de semana que precisam ser advertidos de modo que eles não se pressionem para além do ponto de ruptura. Se você está abordando a meditação como uma atividade para toda a vida, você tem que ter objetivos. Você tem que buscar resultados. Caso contrário, a coisa toda perde o foco, e você começa a indagar por que você está sentado aqui quando poderia estar sentado lá na praia.
- Aceitem seus altos e baixos com equilíbrio. Os ritmos da mente são ainda mais complexos que os do corpo. É normal que alguns altos e baixos sejam mais radicais. Assegurem-se apenas que eles não os tirem do equilíbrio. Quando as coisas correm bem a mente cresce sem qualquer esforço da sua parte, mas não fiquem descuidados ou demasiado confiantes. Quando seu estado de espírito está tão baixo que mesmo uma meditação suplementar não funciona, vejam como isso é uma oportunidade de aprender a paciência e aprender a observar o mau humor. De uma maneira ou outra, vocês aprendem uma lição importante: como manter o observador interior separado do resto que se vai passando. Assim, apesar das circunstâncias, façam o melhor para manter o equilíbrio e você chegará do outro lado.
- Foque de forma apropriada. Deixe seu desejo por resultados trabalhar a favor e não contra você. Uma vez estabelecidas as metas, foque não nos resultados, mas nos meios para levá-lo lá. É como construir massa corporal. Você não assopra ar ou injeta proteína no músculo para torná-lo maior. Você foca em realizar seus exercícios corretamente, e o músculo crescerá por si só. Se, ao meditar, você quer que a mente desenvolva mais concentração, não focalize a ideia de concentração. Foque em permitir que a respiração seja mais confortável, e então essa respiração, e essa outra, uma de cada vez. A concentração então crescerá sem que você tenha que pensar nisso.
- Mantenha-se no seu ritmo. Aprenda a ler a sua dor. Quando você medita, algumas dores no corpo são simplesmente um sinal de que ele está se adaptando à postura de meditação, outras, de que você está forçando demais os seus limites. Algumas dores estão dizendo a verdade, algumas estão mentindo. Saiba como avaliar a diferença. O mesmo princípio se aplica à mente. Quando a mente não consegue se estabilizar, às vezes pode precisar de um empurrão ainda mais forte, outras vezes você precisa recuar. Sua capacidade de ler a diferença é o que lhe permitirá exercer os poderes da sabedoria e discernimento. Aprenda também como avaliar o seu progresso. A meditação não será realmente uma habilidade, não será propriamente sua, até que você aprenda a julgar o que funciona e o que não funciona para você. Você pode ter ouvido que meditação é não-julgamento, mas isso é simplesmente no intuito de se contrapor à tendência de pré-julgar as coisas antes que elas tenham uma segunda chance de mostrar seus resultados. Uma vez que os resultados estejam internalizados, você precisa aprender a medi-los para ver como eles se conectam com suas causas, de modo que você possa ajustar as causas na direção do resultado que você realmente quer.
- Variem sua rotina. Do mesmo modo que um músculo pode parar de responder a um exercício em particular, suas mentes podem atingir um beco sem saída se ficarem limitadas a apenas uma técnica de meditação. Então, não deixem suas rotinas se tornarem uma barreira. Às vezes a única mudança que vocês precisam é um modo diferente de respirar, uma maneira diferente de visualizar a energia da respiração no corpo. Mas pode haver dias em que a mente não vai ficar com a respiração, não importa quantas formas diferentes de respirar vocês tentarem. Esta é a razão que levou o Buddha a ensinar meditações complementares para lidar com problemas específicos conforme eles surgirem. Para iniciantes, existe a boa vontade para quando vocês se sentirem tristes por vocês mesmos ou pela raça humana – as pessoas de quem vocês não gostam seriam muito mais toleráveis se elas pudessem encontrar felicidade interior genuína, então desejem felicidade para elas. Existe a contemplação das partes do corpo para quando vocês forem tomados pela luxúria – é difícil manter uma fantasia sexual quando vocês pensam sobre o que há logo abaixo da pele. E existe a contemplação da morte para quando vocês estiverem se sentindo preguiçosos – vocês não sabem quanto tempo ainda lhes restam, logo é melhor meditar agora se vocês querem estar prontos para quando esse momento chegar. Quando essas contemplações suplementares tiverem feito seu trabalho, vocês podem voltar à respiração, refrescados e reanimados. Então, mantenham seu repertório expandido. Desse modo, suas habilidades se tornarão completas.
- Observe os seus hábitos alimentares. Como o Buddha disse certa vez, para sobreviver precisamos tanto de alimento mental como de alimento físico. Alimento mental consiste dos estímulos externos que você foca, assim como as intenções que motivam a mente. Se você alimenta sua mente de porcarias (‘junk food’), ela ficará fraca e doente, não importa o quanto você meditar. Então, tenha alguma restrição em sua alimentação. Se você sabe que olhar as coisas de certas maneiras, com certas intenções, dá origem à avareza, ira ou ilusão, olhe para elas de forma oposta. Como Ajahn Lee, professor do meu professor, disse uma vez, olhe para o lado ruim das coisas com as quais você está encantado, e para o lado bom das coisas que você odeia. Dessa forma, você se tornará um comedor com discriminação, e a mente terá alimentos saudáveis e nutritivos que necessita para crescer forte. Quanto aos seus hábitos físicos de alimentação, essa é uma das áreas onde a treinamento de força interior e o treinamento de força exterior seguem caminhos distintos. Como meditante, você deve estar preocupado menos com a comida física que você ingere do que com o porque você come. Se você enfardar sem nenhum motivo real, na verdade isso é prejudicial para a mente. Você tem que compreender que ao comer – mesmo que seja comida vegetariana – você está a colocar um fardo no mundo à sua volta, portanto você quer pensar um pouco nos propósitos a serem cumpridos provenientes da força que ganha de sua comida. Não tire do mundo mais do que aquilo que você está disposto a dar de volta. Não enfarde apenas pelo gozo de comer, porque os seres – humanos e animais – que forneceram a comida não a forneceram com gozo. Assegure-se de que a energia é colocada em bom uso.
- Não deixe sua força na academia de ginástica. Se você não usar sua força em outras atividades, o treinamento de força torna-se, em grande parte, exercício de vaidade. O mesmo princípio se aplica às suas habilidades de meditação. Se você deixá-las sobre a almofada e não aplicá-las no seu dia-a-dia, a meditação passa a ser um fetiche, algo que você faz para escapar dos problemas da vida enquanto suas causas continuam a apodrecer. A capacidade para manter seu centro e para respirar confortavelmente em qualquer situação pode ser um salva-vidas genuíno, mantendo a mente numa posição onde você pode mais facilmente pensar nas coisas certas a fazer, dizer ou pensar quando seu entorno ficar difícil. Como um resultado, as pessoas ao seu redor não estarão sujeitas à sua ganância, raiva e ilusão. E, à medida que mantém o seu equilíbrio interior desta forma, isso as ajuda a manter o delas. Então, faça o mundo inteiro o seu lugar de meditação e você verá que a meditação, tanto em um grande assento ou num pequeno assento ficará muito mais forte. Ao mesmo tempo, isso se tornará um presente tanto para si mesmo quanto para o mundo à sua volta.
- Nunca percam de vista seu objetivo último. A força mental tem pelo menos uma grande vantagem sobre a força física: não degenera com a idade. Continua a crescer até a experiência da morte e mesmo depois desta. Buddha promete que isso conduz à Não-Morte, e ele não era homem de fazer promessas vãs e vazias. Deste modo, quando estabelecerem as suas prioridades, assegurem-se de que despendem mais tempo e energia em fortalecer a sua meditação do que a fortalecer o seu corpo. Afinal, um dia destes terão de deixar de lado este corpo, não importando o quão em forma ou forte você o tornou, mas nunca será forçado a deixar de lado as forças com que fortaleceu a sua mente.
Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
com a permissão do autor
© 2012 Edições Nalanda
Nota: “Cabeça & Coração” é uma coletânea de escritos do Ven. Ajahn Thanissaro, traduzidos com exclusividade pela equipe de tradução do Centro de Estudos Buddhistas Nalanda.
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Thanissaro Bhikkhu
Thanissaro Bhikkhu, também conhecido como Ajahn Geoff, nasceu em 1949 e é um monge buddhista americano da Ordem Dhammayut (Dhammayutika Nikaya), da tradição das florestas da Tailândia. Atualmente é o abade do Metta Forest Monastery em San Diego. Thanissaro Bhikkhu é um prolífico autor e tradutor de muitos livros.
Graro pelo trabalho e divulgação. /\
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