[Capítulo 3 – Prazer]

Após sete dias no Oceano Índico, todos os ventos e correntezas cessaram completamente. O barco estava preso! Após estarem mortos na água por sete dias, todos a bordo estavam aterrorizados pela possibilidade da morte iminente.

Então, eles tiraram palitos para descobrir quem era a causa de toda essa má sorte e infortúnio assustador. Por sete vezes o palito mais curto foi tirado por Mittavinda!

Eles o forçaram a entrar em uma minúscula jangada de bambu, e o largaram à deriva no alto mar. Eles gritaram: “Vá embora para sempre! Você não passa de uma maldição!” E, de repente, um forte vento colocou o navio de volta ao seu rumo.

Mais uma vez a vida de Mittavinda fora poupada. Isso foi o resultado de suas ações virtuosas como monge, a tantos nascimentos atrás. Não importa o quanto demore, ações sempre causam resultados.

Algumas vezes uma ação causa mais de um resultado, alguns agradáveis e outros desagradáveis. Diz-se que existem asuras que passam por esses resultados mistos de uma forma incomum.

Asuras são deidades feias e infelizes. Algumas delas possuem a sorte de alterar sua forma para a de uma bela deusa dançarina. Elas são chamadas de apsaras.

Elas gozam dos mais sublimes prazeres por sete dias. Mas, após isso, devem ir para um mundo infernal e sofrer tormentos como fantasmas famintos por sete dias. Depois se tornam novamente deidades apsaras – e assim repetidamente – até que ambos os resultados terminem.

Enquanto flutuava em sua minúscula jangada de bambu, Mittavinda chegou por acaso a um adorável Palácio de Vidro. Lá encontrou quatro belíssimas apsaras. Desfrutaram de seu tempo juntos, repleto de prazeres celestiais, por sete dias.

Então, quando era chegada a hora das deidades se tornarem fantasmas famintos, disseram a Mittavinda: “Espere por nós por sete dias breves, e retornaremos para continuar nosso prazer”.

O Palácio de Vidro e as quatro apsaras desapareceram. Mas, ainda assim, Mittavinda não recuperou a paz de espírito que o monge da vila havia jogado fora, a tanto tempo atrás. Sete dias de prazer não o satisfizeram. Não podia esperar pelo retorno das adoráveis deidades. Queria mais e mais. Então, continuou a navegar em sua jangada de bambu.

Eis então que chegou a um brilhante Palácio de Prata, com oito deidades apsaras que ali moravam. Mais uma vez desfrutou de sete dias dos mais maravilhosos prazeres. Essas apsaras também pediram-no que esperasse pelos sete dias seguintes, e desapareceram em um mundo infernal.

Por incrível que pareça, o ganancioso Mittavinda continuou seu caminho para sete outros dias de prazer em um cintilante Palácio de Joias com 16 apsaras. Mas elas também desapareceram. Então passou sete dias em um brilhante Palácio de Ouro com 32 das mais belas apsaras.

Mas ainda assim não estava satisfeito! Quando todas as 32 pediram-no que esperasse sete dias, partiu novamente em sua jangada.

Em pouco tempo chegou à entrada de um mundo infernal repleto de seres torturados pelo sofrimento. Viviam os resultados de suas próprias ações. Mas seu desejo por ainda mais prazer era tão forte que Mittavinda pensava ver uma bela cidade cercada por uma muralha com quatro fabulosos portões. Ele pensou, eu entrarei e tornar-me-ei um rei!

Após entrar ele viu uma das vítimas deste mundo infernal. Tinha um colar à volta do pescoço que girava como uma roda, com cinco lâminas afiadas que cortavam seu rosto, peito e costas. Mas Mittavinda estava tão ávido por prazer que não conseguia ver a dor bem à frente dos seus olhos. Ao invés disso ele viu o colar giratório de lâminas como se fosse uma adorável flor de lótus. Viu o sangue pingando como se fosse o pó vermelho de um sândalo perfumado. E os gritos de dor da vítima soavam como uma doce melodia!

Ele disse ao pobre homem: “Você já usou essa adorável coroa de lótus por tempo demais! Dê-me-a, eu mereço usá-la agora”. O condenado o avisou: “Este é um colar cortante, uma roda de lâminas”. Mas Mittavinda disse: “Você diz isso apenas porque não quer entregá-la a mim”.

A vítima pensou: “Finalmente os resultados dos meus atos passados desvirtuosos devem ter chegado ao fim. Como eu, este pobre tolo deve estar aqui por ter batido em sua mãe. Eu darei a ele a roda da dor”. Então ele disse: “Já que você a deseja tanto, tome a coroa de lótus!”

Com estas palavras a roda de lâminas saiu do pescoço da vítima anterior e começou a girar à volta da cabeça de Mittavinda. E subitamente todas as suas ilusões desapareceram; ele soube que não estava em uma bela cidade, mas em um mundo infernal; e soube que não era um rei, mas um prisioneiro. Gemendo de dor gritou desesperadamente: “Tome a sua roda de volta! Tome a sua roda de volta!” Mas o outro já havia desaparecido.

Naquele momento o rei das deidades chegou para uma visita de ensino ao mundo infernal. Mittavinda perguntou-o: “Ó rei das deidades, o que fiz para merecer tamanho tormento?” A deidade respondeu: “Ao se recusar a ouvir as palavras dos monges, você não adquiriu nenhuma sabedoria, apenas dinheiro. Mil moedas de ouro não o satisfizeram, nem mesmo 120.000. Cego pela ganância, você bateu em sua mãe para que obtivesse ainda mais riquezas.

“Então os prazeres das quatro apsaras em seu Palácio de Vidro não o satisfizeram. Nem oito apsaras em um Palácio de Prata, ou as 16 em um Palácio de Joias. Nem mesmo os prazeres de 32 adoráveis deidades em um Palácio de Ouro foram suficientes para você! Cego pela ganância por prazer, você desejou ser um rei. Agora finalmente vê que sua coroa é uma roda de tortura, e seu reino um mundo infernal.

“Aprenda isto, Mittavinda – todos os que seguem sua ganância por onde quer que ela os leve permanecerão insatisfeitos. Pois é da natureza da ganância que se esteja insatisfeito com o que tem, seja muito ou pouco. Quanto mais se obtém, mais se deseja – até que o círculo da ganância se torne o círculo da dor”.

Após dizer isto a deidade retornou ao seu lar no mundo celestial. Ao mesmo tempo, a roda caiu sobre Mittavinda. Com a cabeça girando de dor, ele se encontrou à deriva em sua minúscula jangada de bambu.

Logo chegou a uma ilha habitada por um poderoso demônio feminino. Ela havia se disfarçado de cabra. Como estava com fome, Mittavinda não se importou em agarrar a cabra por sua pata traseira. E o demônio feminino que ali se escondia chutou-o forte para o ar. Ele enfim aterrissou em um arbusto de espinhos nos arredores de Benares!

Após ter-se livrado dos espinhos, viu algumas cabras pastando por ali. Ele queria muito voltar para os palácios e para as apsaras dançarinas. Lembrando que uma cabra havia chutado-o até ali, agarrou a perna de uma dessas cabras. Esperava que ela fosse chutar-lhe de volta à ilha.

Ao invés disso, a cabra apenas berrou. Os pastores então chegaram, e capturaram Mittavinda por tentar roubar uma das cabras do rei.

Enquanto era levado como prisioneiro do rei, passaram pelo mundialmente famoso professor de Benares. Imediatamente ele reconheceu seu aluno. Perguntou aos pastores: “Para onde estão levando este homem?”

Eles disseram: “Ele é um ladrão de cabras! Estamos levando-o ao rei para que seja punido!” O professor disse: “Por favor, não façam isso. Ele é um dos meus alunos. Liberte-o em minha custódia, para que seja um servo da minha escola”. Eles concordaram e deixaram-no ali.

O professor perguntou a Mittavinda: “O que aconteceu com você desde que me deixou?”

Ele contou a história de como foi primeiro respeitado, e depois amaldiçoado, pelo povo de uma vila remota. Contou sobre como se casou e teve dois filhos, apenas para vê-los mortos e devorados por demônios na floresta mal-assombrada. Contou sobre como bateu em sua generosa mãe quando estava louco de ganância por dinheiro. Contou sobre ser amaldiçoado por seus companheiros de bordo e sobre ser largado à deriva em uma jangada de bambu. Contou dos quatro palácios com suas belas deusas, e como a cada vez que seu prazer chegava ao fim ele se encontrava insatisfeito. Contou sobre a tortura da roda de lâminas, a recompensa para os gananciosos no inferno. E contou sobre sua fome por carne de cabra, que o fez ser chutado de volta a Benares sem nada para comer!

O professor mundialmente famoso disse: “Está claro que suas ações passadas causaram resultados agradáveis e desagradáveis, e que ambos finalmente chegaram ao fim. Mas você não consegue entender que prazeres sempre acabam. Ao invés disso, você os deixou alimentar sua ganância por mais e mais. Você terminou exausto e insatisfeito, furiosamente agarrando-se às pernas de uma cabra! Acalme-se, meu amigo. E saiba que tentar segurar água com uma mão fechada sempre lhe deixará com sede!”

Ouvindo isto, Mittavinda se curvou respeitosamente ao grande professor. Implorou para que pudesse segui-lo como um aluno. O Ser Iluminado o acolheu com os braços abertos.

A moral é: Com a paz na mente, não há perdas ou ganhos.


Traduzido por Felipe Nogueira
com a permissão dos detentores do copyright
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