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Nessa época, um asceta vagante chamado Subhada, que estava em Kusinārā, ouviu as notícias da morte iminente do Buddha; para clarear certas dúvidas que lhe perturbavam a mente, apressou-se ao Arvoredo de Sāla para falar com o Buddha. O venerável Ānanda, contudo, não queria que o Buddha fosse perturbado em seus últimos momentos, e embora Subhadda fizesse diversos apelos, o acesso ao Mestre foi negado. O Bem-Aventurado entreouviu a conversa. Logo soube que Subhadda estava fazendo suas investigações com um desejo genuíno por conhecimento e, sabendo que Subhadda era capaz de rapidamente perceber as respostas, desejou que Subhadda pudesse vê-lo.
A incerteza de Subhadda dizia respeito a saber se os líderes de outras escolas tais como Pūrana Kassapa, Nigantha Nātaputta e outros haviam atingido uma verdadeira compreensão. O Bem-Aventurado então falou:
“Em qualquer Doutrina e Disciplina (dhamma-vinaya), Subhadda, que o Nobre Caminho Óctuplo não é encontrado, não se encontra um homem de verdadeira santidade do primeiro, ou do segundo, ou do terceiro ou do quarto grau. E em qualquer Doutrina e Disciplina, Subhadda, em que o Nobre Caminho Óctuplo é encontrado, nele é encontrado um homem de verdadeira santidade do primeiro, segundo, terceiro e quarto grau [1]. Agora, nesta Doutrina e Disciplina, Subhadda, é encontrado o Nobre Caminho Óctuplo, e nele também são encontrados homens de verdadeira santidade dos quatro graus. Vazios são os sistemas de outros professores – vazios de verdadeiros santos. E neste, Subhadda, possa a irmandade viver a vida que é correta, para que o mundo não seja desprovido de arahats”.
Ao ouvir as palavras do Bem-Aventurado, Subhadda adquiriu confiança e tomou refúgio no Buddha, no Dhamma e na Sangha. Além disso, ele desejou ser admitido na Ordem, e o Buddha requisitou ao Venerável Ānanda que o recebesse. Subhadda assim se tornou o último convertido e o último discípulo do Bem-Aventurado, e em pouco tempo, através de extenuantes esforços, atingiu o estado final de arahat.
Então o Bem-Aventurado, dirigindo-se ao venerável Ānanda, disse:
“Ensinei o Dhamma, Ānanda, sem fazer distinção entre a doutrina esotérica e a exotérica, pois em respeito à verdade, Ānanda, o Tathāgata não tem coisas como o ‘punho fechado’ de um professor que esconde um ensinamento essencial de um pupilo”.
“Pode ser, Ānanda, que em alguns de vocês o pensamento surja: ‘A Palavra do Mestre terminou. Não temos mais professor algum’. Mas não é assim, Ānanda, que vocês devem pensar.
“A Doutrina e a Disciplina que estabeleci e deixei para vocês – deixe que sejam, depois que eu me for, o seu professor. Pode ser, monges, que possam haver dúvidas nas mentes de alguns da irmandade quanto ao Buddha, ao Dhamma ou à Sangha, ou ao caminho (magga) ou ao método (patipadā). Investiguem, monges, livremente. Não se repreendam após com o pensamento: ‘Nosso professor estava face a face conosco e não conseguimos inquirir ao Exaltado quando estávamos com ele’”.
Quando o Buddha assim falou os monges ficaram calados.
Ainda uma segunda e uma terceira vez o Bem-Aventurado repetiu essas palavras aos monges, e no entanto ficaram calados. E o venerável Ānanda disse ao Bem-Aventurado: “Que coisa maravilhosa é, venerável, como é maravilhosa! Verdadeiramente, acredito que em toda esta assembléia de monges não há um que duvide ou compreende mal o Buddha, o Dhamma e a Sangha, ou o caminho ou o método”.
O Bem-Aventurado confirmou as palavras do venerável Ānanda, acrescentando que em toda a assembléia mesmo o mais atrasado teria sua libertação assegurada. E após alguns instantes enquanto o Mestre fazia sua exortação final àqueles que desejavam seguir seus ensinamentos agora e no futuro:
“Contemplai, ó monges, eu lhes exorto: impermanentes são todas as coisas compostas. Alcancem suas libertações com a diligência (vayadhammā samkhārā, appamādena sampādetha)”[2].
Essas foram as últimas palavras do Buddha.
Então o Mestre entrou nos nove estágios sucessivos da absorção meditativa (jhāna) que são de sublimidade crescente: primeiro as quatro absorções materiais finas (rūpa-jhāna), então as quatro absorções imateriais (arūpa-jhāna), e finalmente o estado onde percepções e sensações cessam inteiramente (sañña-vedayita-nirodha). Então ele retornou por todos esses estágios até a primeira absorção material fina e ergueu-se novamente ao quarto. Imediatamente após ter reentrado nesse estágio (que foi descrito como tendo “pureza de vigilância devido à equanimidade”), o Buddha faleceu (pari-nibbāyi). Ele percebeu o Nibbāna que está livre de qualquer substrato de vir-a-ser posterior (parinibbāna).[3]
No Mahā Parinibbāna Sutta estão registrado, com detalhes pungentes, todos os eventos que aconteceram durante os últimos meses e dias da vida do Mestre.
Nos anais da história, não há registro de nenhum homem que tenha se consagrado tanto ao bem-estar de todos os seres – independentemente de casta, classe, crença ou sexo – como o Supremo Buddha. Desde a hora de sua iluminação até o fim de sua vida, ele se esforçou incansavelmente e sem ostentação alguma para elevar a humanidade apesar do cansaço envolvido e sem se importar com os muitos obstáculos e empecilhos que estavam em seu caminho. Ele nunca relaxou em sua busca pelo bem comum e nunca se sujeitou a cansaço moral ou espiritual. Embora nem sempre apto fisicamente, ele estava sempre mentalmente vigilante e energético.
Portanto é dito:
“Gracioso é o Conquistador,
Que incansável sempre busca
Dos seres todos a bênção,
O bem de todas as vidas”.
Embora vinte e cinco séculos tenham se passado desde o falecimento do Buddha, sua mensagem de amor e sabedoria ainda existe em sua pureza, influenciando decisivamente os destinos da humanidade. Florestas de flores são diariamente oferecidas em seus templos e incontáveis milhões de lábios repetem diariamente a fórmula: Buddham saranam gacchāmi, “Eu tomo refúgio no Buddha”. Sua grandeza ainda brilha hoje como um sol que esconde luzes menores, e seu Dhamma ainda aponta o caminho para o cansado peregrino da paz e segurança do Nibbāna.
[1] Esses quatro estágios são: sotāpatti (entrada na correnteza); sakadāgāmi (um retorno); anāgāmi (não-retorno) e arahatta (estágio final de santidade). O estado de arahat é o estágio em que todos os grilhões são cortados e as máculas extirpadas.
[2] O Mahā Parinibbāna Sutta (D. No. 16) registra com detalhes pungentes todos os eventos ocorridos durante os últimos meses e dias da vida do Mestre.
[3] As passagens citadas são tomadas com leves alterações do “Book of the Great Decease” em Dialogues of the Buddha, Dīgha Nikāya, Parte II.