por Ven. S. Dhammika
O Buddha ensinou que existem dois objetivos na vida religiosa, que podem ser definidos como um objetivo principal e outro secundário. O objetivo primário e maior do Buddhismo é atingir a paz e a liberdade do Nirvāna. Embora isso possa ser feito na vida presente, o Buddha estava bem consciente do fato de que muitas pessoas – provavelmente a grande maioria – levarão tempo para se libertarem dos desejos e buscas humanos. A prática espiritual buddhista é “um fazer gradual, um treinamento gradual, uma prática gradual” [1]. Enquanto pedia aos seus discípulos para ficarem de olho no objetivo principal, o Buddha também ensinou uma gama de objetivos secundários para a maioria; ser bom, gentil e honesto, um esposo ou um pai carinhoso, um doador generoso, um anfitrião hospitaleiro, um cidadão responsável e por aí adiante.
Para aqueles que estabelecem seu curso para o Nirvāna na vida presente, o Buddha incentivou a contenção sexual ou mesmo o celibato. Para os outros, ele ensinou responsabilidade sexual, conforme descrita no terceiro dos cinco preceitos. Para aqueles com a intenção de seguir a primeira opção, ele destacou o que chamou de “os perigos” nas indulgências sensuais e para a segunda, ele reconheceu “a satisfação” neles [2]. Tendo sido casado durante perto de duas décadas, o Buddha estava bem consciente do lado positivo do sexo e do casamento. Contudo, como psicólogo perceptivo, também viu que a indulgência sensual pode tornar-se facilmente numa preocupação que leva ao apego, ao egoísmo, ao aborrecimento e à desconsideração pela vida dos outros. Tendo dito isso, também é verdade que alguns dos discípulos do Buddha atingiram alguns estados mais elevados enquanto levaram vidas felizes de casados, sendo Isidatta um bom exemplo disso [3].
O Buddha requeria que seus monges e monjas fossem celibatários (brahmacariya). Ao dirigir-se a eles, muitas vezes ele se referiu ao sexo como “uma prática dos comuns” (gāma dhamma) [4], algo adequado a brutos e de pouca sofisticação. Tão seriamente ele considerava a violação da regra do celibato que a relação sexual (methuna) é uma das únicas quatro infrações pelas quais se é expulso da ordem monástica [5]. Um monge ou monja serão sumariamente expulsos da ordem monástica caso se envolvam em relações sexuais. De modo a não haver qualquer ambiguidade sobre o que constitui exatamente a relação sexual, isso tem que ser definido com exatidão – e é. De acordo com o Vinaya, a relação sexual é considerada como tendo ocorrido se o pênis entra em qualquer orifício de qualquer ser, de qualquer sexo, vivo ou morto [6]. Outros tipos de comportamento sexual, enquanto infrações graves com punições específicas, não implicam em expulsão da Sangha.
No entanto, nem todos os discípulos de Buddha eram monges ou monjas. Na verdade, a maioria não era e nunca foi. Então, o que o Buddha disse sobre sexo que é relevante aos leigos? O treinamento ético básico aos leigos está nos Cinco Preceitos, cujo terceiro item é “abster-se de má conduta sexual” (kāmesu micchācārā). O que torna o comportamento (cārā) sexual (kāma) errado (micchā)?
Certa vez, ao dirigir-se a uma audiência de brāhmanas, o Buddha disse que ter relações sexuais com cinco tipos de pessoas, presumivelmente com ou sem o seu consentimento, seria antiético. Estes cinco tipos são:
(1) as mulheres sob a guarda de seus pais (māturakkhitā, piturakkhitā); isso significaria filhos menores de idade;
(2). Aquelas protegidas pelo Dhamma (dhammarakkhitā), que provavelmente se refere àquelas que fizeram voto de celibato, como monjas. Ter relações sexuais com tais pessoas é incitá-las a quebrar uma promessa solene que fizeram;
(3) Uma mulher já casada (sassāmikā), isto é, a cometer adultério;
(4) Aqueles que cumprem uma punição (saparidaṇḍā). Uma pessoa encarcerada pode ser fisicamente forçada ou coagida a fazer algo que não queira fazer e, portanto, não pode fazer uma escolha verdadeiramente livre;
(5) Os enfeitados com grinaldas (mālāguṇaparikkhittā), isto é, alguém já comprometido para casar [7].
Em todos esses casos, o Buddha se refere a parceiras sexuais femininas. Se ele estivesse falando para mulheres, é claro que ele falaria de parceiros masculinos. Sexo com alguém do mesmo gênero não foi mencionado nessa lista.
Outro tipo de sexualidade discutido em outra parte pelo Buddha é a masturbação. Buddha fez disso uma ofensa, exigindo a confissão de monges e monjas que se masturbassem. Isto não era porque ele considerasse a masturbação “suja” ou “impura”, como algumas religiões afirmam, ou porque o desejo sexual só é legitimado quando ele leva à procriação, como outras sustentam, mas porque ela reforça o desejo sensual, uma coisa que os monásticos são encorajados a diminuir e eventualmente a transcender. Buddha não diz nada sobre a masturbação para as pessoas leigas, provavelmente porque, como os psicólogos modernos, ele a aceitasse como uma natural e inofensiva expressão da libido.
Um tipo de comportamento sexual condenado pelo Buddha nos termos mais fortes é o incesto, agammagamana, literalmente, “ir para o que não se deve ir”, ou adhamma raga, “desejo errado”. Durante a vida de Buddha houve um incidente em que uma monja apaixonou-se por seu filho, um monge, e os dois fizeram sexo [9]. Quando informado sobre isso, o Buddha disse: “Este tolo não sabe que uma mãe não deve desejar seu filho, nem um filho desejar sua mãe?” [10]. Talvez referindo-se a esse incidente, o Buddha disse em outra ocasião: “Vergonha e medo da culpa são os dois estados que protegem o mundo. Se não fosse isso, não seria claro quem é a mãe ou a irmã da mãe, a esposa do tio, e o mundo cairia em confusão. Essa promiscuidade vista entre cabras e ovelhas, galinhas e porcos, cães e chacais, prevaleceria” [11].
No caso de incesto, o Buddha parece ter desaprovado por causa de suas consequências sociais negativas. Ele considerou como antiéticos outros tipos de comportamento sexual quando envolvem tanto a desonestidade, a quebra de acordos ou a coerção de uma forma ou de outra. Em nenhum lugar do Sutta Pitaka, a enorme coleção de discursos do Buddha, foi mencionada a homossexualidade, embora, como veremos, ele estava ciente de sua existência.
Além dessas práticas sexuais o Buddha também criticou o costume, aparentemente ainda prevalente nas partes mais selvagens da Índia, de raptar garotas e mulheres no intuito de mantê-las como concubinas ou esposas. Ele elogiou os licchavis por terem abandonado esse costume [12].
Embora o Buddha nunca recomende casais casados a serem celibatários, alguns de seus mais sérios discípulos leigos escolheram ser [13]. Para aqueles que não o fizeram, ele os encorajou a aderir ao terceiro preceito e abster-se de toda a atividade sexual, pelo menos nos dias de lua cheia e nos dias de meia-lua de cada mês. Essas regras e práticas decorrem da compreensão do Buddha de que o desejo, incluindo o desejo sexual, é problemático e quanto menos atenção é dada a ele, melhor.
O Cristianismo Antigo adotou uma posição semelhante e por uma razão semelhante. “Eu desejo que você esteja livre de preocupações. Aquele que não é casado está preocupado com as coisas do Senhor, em como ele poderia agradar ao Senhor; mas aquele que é casado está preocupado com as coisas do mundo, em como ele poderia agradar sua esposa” [14].
Notas:
- Udana 54
- assādañ ca ādīnava, ex. M.I,85
- Anguttara Nikaya III,348
- Anguttara Nikaya I,211
- Sendo os outros os seguintes: assassinar, roubar e afirmar falsamente ter conquistas espirituais.
- Vinaya III, 28
- Anguttara Nikaya V, 264
- Vinaya III,111
- Vinaya III,35
- Anguttara Nikaya III,67-8
- Anguttara Nikaya I,51
- Digha Nikaya II, 74
- Majjhima Nikaya I 490
- 1 Corinthians 7,1-35
Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
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O Buda Gautama não condenou a homossexualidade em si, mas ele expulsava da sangha monástica monges e monjas que fizessem sexo depois de assumir os votos monásticos (1ª ofensa parajika). Isso era um preceito importante tanto para um monge heterossexual quanto para um homossexual. Já que os bikkhus são shramanas, ou renunciados da vida mundana e consequentemente brahmacharyas (praticantes da contenção e celibato). o Vinaya cita que os pandakas (homossexuais e pederastas) praticantes contumazes de tais atos, não deveriam nem mesmo ser ordenados bikkhus, e que caso o fossem, e tentassem cometer qualquer tipo de sexo, mesmo oral com outro monge, deveriam ser imediatamente expulsos da sangha.
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