[Capítulo 1. Inveja]

Tempos atrás, havia um monge que vivia em um pequeno monastério, em uma singela aldeia. Ele era muito afortunado, pois o homem abastado da aldeia, o supria no monastério. Ele nunca tinha aborrecimentos em relação aos cuidados mundanos. Seus alimentos eram sempre providos automaticamente por aquele homem.

Desta forma, o monge era calmo, e tranquila sua mente. Não havia medo de perder seu conforto e seu alimento diário. Não tinha medo de perder os grandes confortos e prazeres do mundo. Pelo contrário, ele estava livre para praticar a conduta correta de um monge, sempre tentando eliminar seus erros e praticar somente ações saudáveis. Mas ele não mensurava o quão sortudo ele era!

Um dia, um monge sênior, chegou na pequena aldeia. Ele tinha trilhado o caminho da verdade, até se tornar perfeito e sem qualquer falta.

Quando o homem abastado do vilarejo viu esse monge desconhecido, ele se alegrou por seu modo gentil e sua atitude serena. Então, ele o convidou até sua casa, deu a ele alimento para comer, e se considerou de muita sorte ao ouvir um curto ensinamento vindo dele. Ele então o convidou a se abrigar no monastério da aldeia. Ele disse: “Eu o visitarei lá está noite para me certificar de que esteja tudo bem”.

Quando, o monge perfeito chegou ao monastério, ele encontrou o monge da aldeia. Eles saudaram um ao outro gentilmente. Então, o monge da aldeia perguntou: “Você almoçou hoje?” O outro respondeu: “Sim, eu almocei com o mantenedor desse monastério. Ele também convidou a instalar-me aqui”.

O monge da aldeia levou-o a um quarto e deixou-o lá. O monge perfeito passou seu tempo em meditação.

Mais tarde, o abastado homem da aldeia chegou. Ele trouxe suco de frutas, flores e óleo para lamparinas, em reverência ao homem santo visitante. Ele perguntou ao monge da aldeia: “Onde está nosso hóspede?” O monge conduziu-o ao quarto que tinha oferecido ao hóspede.

O homem foi ao quarto, respeitosamente cumprimentou e saudou o monge perfeito. Em seguida, ele ouviu agradecido o caminho da verdade como ensinado por aquele sem falhas e raro.

Depois, com a noite se aproximando, ele acendeu as lâmpadas e ofereceu as flores ao santuário do agradável monastério. Ele convidou ambos os monges para almoçar em sua casa no dia seguinte. Daí ele retornou para casa.

À noite uma coisa terrível aconteceu. O monge da aldeia, que havia estado tão satisfeito, permitiu que o veneno da inveja penetrasse sorrateiramente em sua mente. Ele refletiu: “O abastado homem da aldeia tem tornado as coisas tranquilas para mim por aqui. Ele provê abrigo toda noite e enche minha barriga uma vez ao dia. Mas eu receio que isso possa mudar, pois ele estima muito esse novo monge. Permanecendo neste monastério, meu mantenedor pode interromper os cuidados que tem por mim. Desta forma, eu devo estar certo de que o novo monge não permaneça”.

Pensando assim, ele perdeu a sua antiga calma. Sua mente tornou-se perturbada por causa de sua inveja – o medo de perder seu conforto e sua alimentação diária. Isso resultou num sofrimento mental de ressentimento contra o monge perfeito. Ele começou a tramar e planejar como afastá-lo.

No final da noite, como era de costume, os monges reuniram-se para encerrar o dia. O monge perfeito conversou de forma amável, mas o monge da aldeia não seu dirigiu a ele de forma alguma.

No entanto, o sábio monge compreendeu que ele estava com inveja e despeito. Ele considerou: “Esse monge não entende minha liberdade em relação ao apego a familiares, pessoas e confortos. Estou livre de qualquer desejo de permanecer aqui. Estou também livre de qualquer desejo de ir embora daqui. Não faz diferença. É triste alguém não poder compreender o não-apego. Eu sinto pena dele, pelo preço que deve pagar por causa de sua ignorância”.

Ele retornou ao seu quarto, fechou a porta e meditou com elevado estado mental através da noite.

Dia seguinte, quando era hora de coletar a comida oferecida pelo mantenedor do monastério, o monge da aldeia tocou o sino do templo. Mas ele tocou o sino bem de leve, suavemente com a ponta de seu dedo, até mesmo o pequeno camundongo dentro das paredes não poderia ouvir o toque suave.

Tendo feito sua delicada tarefa de forma tão sutil, ele foi à casa do abastado homem. O homem reverenciou respeitosamente o monge, pegou sua tigela e perguntou: “Onde está o monge recém-chegado, nosso visitante?”

O monge da aldeia respondeu: “Eu não o vi, eu toquei o sino. Eu bati em sua porta, mas ele não apareceu. Talvez ele não esteja acostumado com tão rica comida como a que o senhor ofereceu a ele ontem. Talvez ele ainda esteja dormindo, digerindo a comida, sonhando com seu próximo banquete. Talvez esse é o tipo de monge que tanto lhe agrada!

Enquanto isso, voltando ao monastério, o monge perfeito despertou. Ele se banhou e colocou seu manto. Então partiu para coletar alimentos onde quer que ele os encontrasse.

O abastado homem ofertou ao monge da aldeia a mais rica refeição, estava deliciosa e leve. Feita de arroz, leite, manteiga e mel. Quando o monge tinha se saciado, o homem pegou sua tigela e a esfregou e limpou com água perfumada. Ele encheu a tigela novamente com a mesma rica refeição. Ele devolveu a tigela ao monge dizendo: “Venerável monge, nosso santo visitante deve estar exausto pela viagem. Por gentileza, leve meus humildes alimentos para ele”. Não dizendo nada, o monge aceitou o generoso presente para o outro.

Agora a mente do monge da aldeia já estava presa pela armadilha da inveja. Ele pensou: “Se aquele outro monge comer dessa fantástica refeição, mesmo que eu o agarrasse pelo pescoço e o expulsasse, ele ainda assim não partiria! Eu devo secretamente sumir com essa refeição. Mas se eu a der para um estranho isso se tornará conhecido e falarão sobre isso. Se eu atirá-la em um lago, a manteiga flutuará na superfície e será descoberta. Se eu dispensá-la num campo, corvos virão dos arredores para se banquetear e isso também será conhecido. Assim, como posso me livrar disso?

Então, ele avistou um campo que havia acabava de ser queimado pelos fazendeiros para enriquecer o solo e que estava coberto com brasas incandescentes. Ele jogou nas brasas a generosa doação oferecida pelo abastado homem. Os alimentos se queimaram inteiramente, e com isso a paz voltou a sua mente!

De volta ao monastério, ele encontrou o hóspede de saída, ele considerou: “Esse deve ser um monge perfeitamente sábio. Ele deve ter percebido minha inveja – o medo de perder minha favorecida posição. Ele deve ter percebido meu ressentimento e a tentativa de induzi-lo a ir embora. Eu desperdicei alimentos importantes para ele. E tudo com o propósito de manter minha própria barriga cheia. Eu receio que algo terrível acontecerá comigo. O que eu fiz! Assim, temendo perder seu fácil alimento diário, ele jogou fora sua paz mental.

Pelo resto de sua vida, o abastado homem continuou a mantê-lo, mas sua mente foi tomada pelo tormento e pelo sofrimento. Ele se sentiu fracassado, como um faminto zumbi andarilho ou um fastasma faminto vivo. Quando ele morreu, seu tormento continuou e, como resultado, ele renasceu no reino infernal, onde sofreu por milhares de anos.

Finalmente, lá ele também morreu como deve ser com todos. Mas os resultados de suas ações passadas foram apenas parcialmente completados. Desta forma, ele renasceu como um demônio quinhentas vezes. Nessas quinhentas vezes, houve apenas um único dia em que ele teve o suficiente para comer, e foram pedaços de placenta deixados por uma gazela na floresta logo após ela dar a luz!

Então, ele renasceu como um cão sem dono faminto outras quinhentas vezes! Por conta de uma barriga cheia numa vida passada, todas essas quinhentas vidas foram também repletas de fome, e de disputa pelo alimento. Apenas uma única vez, ele teve o suficiente para se alimentar, e foi o vômito que encontrou numa sarjeta.

Finalmente, a maioria dos resultados de suas ações terminaram. Somente então ele foi afortunado o bastante para renascer como ser humano. Ele renasceu numa família bem miserável de mendigos na cidade de Kasi, no norte da Índia. Ele foi registrado com o nome de Mittavinda.

Desde seu nascimento essa miserável família tornou-se cada vez mais pobre. Poucos anos depois, o sofrimento da fome tornou-se tão grande que seus pais lhe bateram e enxotaram Mittavinda de sua casa. Eles gritaram: “Suma para sempre! Você não é nada mais que um amaldiçoado!”

Pobre Mittavinda! Lá em tempos distantes ele não tinha conhecimento de quão sortudo ele era. Ele estava satisfeito como um humilde monge de aldeia. Mas ele permitiu que o veneno da inveja penetrasse em sua mente – o medo de perder seu confortável alimento diário. Isso o levou a uma auto-tortura de ressentimento contra o monge perfeito ao enganar e negar a ele uma doação saudável de alimentos. Foi preciso mil e uma vidas com a perda de seu conforto e alimento diários para os resultados serem exauridos. O que ele temeu, suas próprias ações o levaram a passar!


Traduzido por Afonso Bomtempo
com a permissão dos detentores do copyright
© 2018 Edições Nalanda

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2 COMMENTS

  1. Ou seja, em razão de um esporádico episódio de inveja ocorrido em uma única vida, ele “sofreu por milhares de anos”, durante milhares e milhares de vidas. Ora renascendo no “reino infernal“; ora renascendo como um “demônio quinhentas vezes” sem que, em nem uma dessas quinhentas vidas, houvesse um único dia em que ele tivesse o suficiente para comer; ora renascendo como um “cão sem dono faminto outras quinhentas” vezes e, assim, tendo mais quinhentas vidas igualmente repletas de fome!

    Todavia, quando os resultados de suas ações finalmente terminaram, ele voltou a renascer como ser humano. Entretanto, numa família de mendigos na cidade de Kasi, no norte da Índia.

    Conclusão final: certamente a filosofia budista de “karma”, aqui pessimamente retratada, condenaria à pena de morte um simples ladrão de galinhas. Se é assim, acho muito mais justo acreditarmos em um “deus” cristão misericordioso, que perdoa os pecados cometidos por aqueles que pecam.

    É por essas e por outras crendices que sou ateu, sem qualquer religião.

  2. E isso é porque você não viu o resto da história, Leandro! ??? Existe um motivo para esta publicação estar na categoria “contos”. O motivo é que é um conto, uma mera história que serve para ilustrar um tema. Não é um manual de filosofia buddhista nem uma explicação doutrinal sobre karma. Isso seria como tomar Papai Noel como sendo parte da filosofia escolástica cristã, e achar que Santo Tomás de Aquino colocava biscoito e leite num pratinho na noite de Natal esperando alimentar o bom velhinho.

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